A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve na terça-feira (29) a absolvição de um homem que tentou matar a ex-mulher a facadas diante de suspeitas de traição conjugal por parte da companheira. No júri ocorrido em 2017, a defesa sustentou que o ataque estava amparado na "legítima defesa da honra", argumento que ganhou apoio unânime dos jurados na oportunidade. Os ministros do STF entenderam que a decisão tomada pelo tribunal do júri é soberana e não pode ser modificada.
A votação terminou em 3 a 2 pela manutenção da absolvição, com votos a favor do relator Marco Aurélio Mello e dos ministros Dias Toffoli e Rosa Weber. Votaram contra os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tinham entendido que a absolvição contrariava as provas reunidas no processo e deliberaram pela realização de um novo júri, o que agora, com a decisão do STF, não deverá ocorrer.
No Brasil, crimes intencionais contra a vida, como homicídios e tentativas de assassinato, são julgados por um corpo de jurados formado por cidadãos comuns. Eles ouvem os argumentos formulados pela acusação e pela defesa e votam para decidir pela absolvição ou condenação dos réus. Essa decisão é considerada soberana, ou seja, não pode ser modificada, o que vem sendo ratificado pelo STF nos últimos anos.
Em 2017, um tribunal do júri foi formado em uma cidade próxima de Belo Horizonte para julgar o homem que, em maio de 2016, atacou a facadas a ex-companheira, de quem havia se separado na semana anterior.
Ele fugiu após o ataque, mas foi preso em seguida. À polícia e à Justiça, confessou a agressão sob a justificativa de que desconfiava que a mulher estaria tendo um caso com um outro homem. "Bateu um trem doido" foi como ele descreveu o momento, relatando que "foi pegando na sua cabeça" a desconfiança contra a vítima até o dia em que a atacou nas imediações de uma igreja, desferindo golpes com uma faca de serra, que feriu a mulher nas costas e na cabeça.
"Desferi três facadas na minha ex, pois vi várias conversas amorosas no celular dela, sou trabalhador e não posso aceitar de forma alguma uma situação humilhante dessas", disse ao policial que o prendeu após as agressões, segundo consta do depoimento do agente à Justiça. O agressor permaneceu detido até o julgamento, no qual sua defesa apostou no argumento da "legítima defesa da honra".
— Ela era a mulher dele e estava fazendo sacanagem com ele. Não tinha necessidade de fazer isso. Mas fez, o que é que vai fazer? Mas ela fez um curativo no hospital e foi embora para casa. É uma história entre marido e mulher — disse ao Estadão o advogado José Ramos Guedes, que atuou no júri. — Aleguei legítima defesa da honra. O sujeito confia na pessoa e ela sai para fazer uma coisa... Ele ficou aborrecido, se sentiu desonrado.
O argumento sustentado por Guedes ganhou apoio unânime entre os jurados. O réu foi absolvido e solto após o julgamento. O Ministério Público apresentou recurso ao TJ de Minas, pedindo a anulação do júri, no que foi atendido. A Corte mineira cassou a decisão dos jurados e determinou novo julgamento, decisão mantida pelo STJ.
No Supremo
Para defender o seu voto a favor da manutenção da absolvição do réu, o relator Marco Aurélio Mello, do STF, argumentou com base na Constituição Federal.
— Temos que a lei maior assegura a soberania dos veredictos. O que é julgamento pelo Tribunal do Júri? É o julgamento por iguais, é o julgamento por leigos, a partir dessa previsão constitucional — disse.
O ministro Dias Toffoli seguiu a mesma linha, reforçando que o júri tem soberania em seus veredictos tanto para condenação quanto para absolvição:
— O Tribunal do Júri é uma instituição anacrônica, temos uma epidemia de homicídios no Brasil, a violência à mulher é uma parte dessa epidemia, uma das mais graves, não só à mulher, às crianças, aos adolescentes, aos homossexuais, sabemos disso e o tribunal tem dado respostas muito enfáticas a respeito disso. Como juiz, como magistrado, não posso fugir àquilo que está na constituição, artigo 5.º, inciso 38.
A ministra Rosa Weber também ressaltou que o caso é muito "delicado", mas que decidiria o seu voto entendendo que "há prevalência da norma constitucional".
Os votos contrários discutiram a possibilidade de anulação do júri, assim como o peso do argumento de legítima defesa da honra, há muito contestado por especialistas.
Para o ministro Alexandre de Moraes, que votou contra a manutenção da absolvição, é constitucionalmente possível a realização de um novo julgamento pelo próprio Tribunal do Júri e não se deve tornar o corpo de jurados em um poder "incontrastável, ilimitado, sem qualquer possibilidade de revisão".
O ministro Barroso, por sua vez, votou destacando que não gostaria de viver num país em que os homens pudessem matar as mulheres por ciúmes e saírem impunes.
— Se chancelarmos a absolvição de um feminicídio grave como esse pode parece que estamos passando a mensagem de que um homem, ao se sentir traído, pode esfaquear a sua mulher, tentando matá-la em legítima defesa da honra ou seja lá em que tese se possa definir. Não parece que no século 21 essa seja uma tese que possa se sustentar — argumentou, mas acabou vencido.