Diante de relatos de que curas estariam sendo obtidas por intervenção de Bernardo Uglione Boldrini, que foi assassinado aos 11 anos no seio familiar, estudiosos e médicos compartilham opiniões que indicam uma série de cuidados em relação ao assunto. GaúchaZH revelou em reportagem nesta quarta-feira (27) que há casos de pessoas afirmando terem sido curadas ou tido melhora de saúde por intervenção de Bernardo.
O principal cuidado, segundo especialistas, é que a crença em curas obtidas por meio de orações ou promessas não substitua tratamentos convencionais que sejam indicados e necessários para cada caso.
— O menino pode ser intercessor de Deus, sim. Essas curas podem estar efetiva e cientificamente acontecendo, sim. E isso a religião aprova. Por que ela vai brigar com Deus, se Deus resolve fazer por esse caminho? Mas é importante nunca negar que há um caminho humano que se chama medicina, hospital, terapia convencional. Se isso (as supostas curas) não for substituto, se é acréscimo, tudo bem. Mas se for alternativo, cuidado, pois aí estamos caindo no mundo da feitiçaria — destaca o teólogo Fernando Altemeyer Junior, chefe do Departamento de Ciência da Religião da PUC-SP.
Para o professor, não se pode também esquecer que "quem faz milagres é Deus, que atende a pedidos de todos, mesmos os que nunca rezaram para Bernardo ou até os que são ateus".
— Mas se essas pessoas estão vivendo isso com o Bernardo, louvado seja Deus que ele faça essa tarefa angelical. A Igreja percebe, e o povo também, que Deus pode agir do jeito que ele quiser. E por que não o Bernardo ser o anjo que ajude as pessoas a vencerem um momento de dor? Não vejo problema, as religiões não têm dificuldade com isso. O medo é o uso disso. O problema não é muito do céu, o problema é aqui na terra: quem usa isso? Vai começar a fazer santinho para vender? Vai fazer mercantilização dessa figura? O problema é sempre a mercadoria — ressalta o teólogo.
Conforme o professor, no Brasil, há 37 santos canonizados, 52 beatos, 14 veneráveis, 70 servos de Deus e 130 processos para reconhecimento como servo de Deus. Para o cardiologista Mário Borba, a questão física e a espiritual não estão desconectadas e, quando são tratadas conjuntamente, é comprovado o ganho em tratamentos de saúde:
— A questão não é curar ou não curar, mas entender o que está acontecendo. A pessoa está com dor de cabeça e recebe uma cura espiritual, alivia o sintoma, mas o processo que está desencadeando a dor, continua. É comum as pessoas terem um grau de efeito placebo, auto-sugestão, controle dos sintomas, mas isso não significa remissão da doença.
Esta semana, o médico, que é presidente do Grupo de Estudos de Espiritualidade da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul, recebeu um paciente que relatou ter feito cirurgia espiritual e que acreditava estar curado.
— Ele teve melhora significativa dos sintomas, mas refizemos os exames e a doença estava lá. Ele melhorou também porque parou de fumar, melhorou a alimentação, passou a fazer esporte e perdeu peso. Tudo é um pacote. Quando se conjuga as duas coisas, a orientação médica e a espiritual, há melhora. Nossas emoções contribuem para a doença ou a melhora — diz Borba.
O médico usa o próprio exemplo de Bernardo para explicar como as emoções interferem na saúde:
— Se falarmos só dessas coisas boas que estão acontecendo agora, a gente vai ter sentimento de paz, que tende a levar ao relaxamento, baixar a frequência cardíaca, baixar a pressão arterial. Mas se trouxermos o assunto das primeiras notícias do caso, começa um sentimento de indignação, de revolta, um mecanismo que vai liberar adrenalina e vai fazer com que a pressão suba. Temos a dimensão espiritual dentro de nós e ela vai interferir.