O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), uma das maiores tragédias ambientais da história do país, causou onda de boatos e gerou mobilização de setores da comunidade em Butiá, a 83 quilômetros de Porto Alegre. Apesar da inquietação de moradores, o perfil de operação e os dados técnicos mais recentes mostram que os níveis de segurança da estrutura no município da Região Carbonífera do Rio Grande do Sul não representam risco iminente.
Lideranças locais que se envolveram na questão dizem que tudo começou quando, após o desastre, um perfil no Instagram fez postagem dizendo que Butiá estava “em risco” pela atividade da Bacia de Finos da Mina do Recreio, que recebe rejeitos da extração de carvão mineral. Depois, alguns sites publicaram conteúdos semelhantes. Foi o suficiente para espalhar o temor de que a estrutura fosse se romper a qualquer momento.
— Até então, a maioria da população nem sabia que havia uma barragem de rejeito de minério na cidade — diz o vereador Joel Maraschin (MDB), um dos questionadores da segurança do local.
Com a repercussão, líderes locais passaram a exigir reunião com a Copelmi Mineração, que explora carvão mineral em Butiá e deposita rejeitos na Mina do Recreio. Comerciantes e dirigentes da associação de moradores do bairro Charrua, separado da represa por 2,1 quilômetros, também cobravam explicações.
— Ficamos preocupados. Sou morador do Charrua, que fica em linha reta com a barragem — diz Jefferson Vieira, integrante da entidade.
Quando o encontro aconteceu, em 7 de fevereiro, já se falava até em “fissura” na estrutura – o que é negado com veemência pela Copelmi. O diretor-superintendente da mineradora, Carlos Faria, foi chamado para reunião no gabinete do prefeito Daniel Almeida (PT).
— Solicitei explicação da empresa. É claro que existe preocupação — conta Almeida, que diz ter ficado satisfeito com as informações prestadas por Faria.
Dimensão menor e produto diferente da de Brumadinho
Enquanto no boca a boca se faz conexão entre as represas de Brumadinho e de Butiá, exame apurado mostra distinções.
A barragem da Vale tinha 86 metros de altura e 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, de alta umidade e concentração de água. A de Butiá é significativamente menor: 20m de altura e 2,3 milhões de metros cúbicos de rejeitos de carvão mineral.
A característica das sobras do produto explorado em Butiá é outro item importante. O resíduo que fica próximo do dique é seco na superfície, com aspecto árido e craquelado. É possível caminhar sobre a pasta solidificada, em alguns momentos deixando pegadas devido à umidade remanescente.
Por isso, em eventual rompimento, o mais provável seria o deslocamento da lama em velocidade moderada, bem diferente do tsunami verificado em Brumadinho. Estudo recente da Copelmi indicou que os sedimentos teriam velocidade máxima de 13 km/h, avançando por, no máximo, 900 metros.
Do meio para o fundo da Mina do Recreio, o rejeito já se torna mais pastoso e, na sua parte final, uma lâmina d’água dá o aspecto líquido às partículas mais finas, que demoram mais a secar. Nestes trechos não é possível caminhar.
— O problema todo quem faz é a água — diz João Francisco Feijó, um dos engenheiros responsáveis da Copelmi.
Ele explica que a quantidade de líquido tem de ser controlada e mantida longe do dique da barragem. Isso evita a pressão em excesso, o que acaba poderia causar rompimento.
Dique extra em construção deve ficar pronto em março
A Agência Nacional de Mineração (ANM) classifica a contenção em Butiá como de risco médio e impacto ambiental alto. Feijó explica que, nas últimas avaliações técnicas independentes, a estrutura foi mantida na classificação de risco médio por necessitar de mais “medidores de níveis de água”. Ele diz que esse equipamento – que alerta em caso de excesso, o que demandaria drenagem – está sendo instalado em quantidade mais numerosa.
A empresa irá trocar de lugar um escritório e um laboratório dentro da sua planta, para retirá-los de eventual curso da lama. Ainda está em construção um dique perto do limite da propriedade da Copelmi, do lado oposto ao da barragem. Em caso de rompimento, essa nova estrutura, que deverá estar pronta em março, teria a função de segurar a massa pastosa e evitar o seu espraiamento rumo a bairros como o Charrua.
A Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) informou que a licença de operação da Bacia de Finos da Mina do Recreio está em processo de renovação.
Comunidade preocupada
Do alto da barragem Bacia de Finos da Mina do Recreio, em Butiá, é possível avistar ao longe algumas casas do bairro Charrua, distante 2,1 quilômetros. Comunidade simples, com trechos de rua de chão batido, abriga uma das populações receosas com os boatos de rompimento da contenção.
— É uma preocupação. Eu escutei esse assunto na escola das minhas netas. Se estoura, a primeira coisa que pega é aqui — diz Voloí Ramos, morador do bairro há 40 anos, espreitado por um bovino e um cachorro que rolava pelo chão.
Em uma sombra do passeio público, Ramos estava acompanhado por outros conhecidos da localidade: Eli Soares Silveira, o Bozó, e Jerônimo Pereira dos Santos. O curioso é que os três, todos idosos, trabalharam na Copelmi em algum momento da vida. A empresa é referência na cidade. O prefeito Daniel Almeida diz que, dos R$ 52 milhões de receita corrente líquida do município previstos para 2019, cerca de R$ 3 milhões virão de impostos da Copelmi.
Apesar do enraizamento da empresa na cidade - ela faz mineração em Butiá desde a década de 40 -, muita gente realmente desconhecia a existência da uma barragem de rejeitos do carvão mineral. Os vizinhos Ramos, Bozó e Santos, mesmo declarando terem prestado serviço na companhia, também desconheciam.
— Moro há 31 anos aqui e não sabia que tinha essa barragem. Trabalhei lá três anos quebrando pedra no beneficiamento (do carvão). Isso foi lá em 1983 — conta Bozó.
Preocupações há parte, não se percebe clima belicoso entre a população.
— Não somos contra a Copelmi, mas ela precisa fazer algo que seja seguro — avalia Ramos.
Por dentro da bacia
A estrutura
- A Bacia de Finos da Mina do Recreio, em Butiá, é a maior barragem de rejeitos de carvão mineral no Estado. Tem 20 metros de altura e armazena 2,3 milhões de metros cúbicos de sedimentos, conforme relatório da Agência Nacional de Mineração.
O carvão mineral
- Não é o mesmo utilizado para fazer churrasco – a carne é assada com o carvão vegetal.
- É um produto destinado à geração de energia a partir da sua queima em termelétricas ou indústrias. Também serve de combustível em processos de secagem, caso dos produtos de cerâmica e de grãos como a soja.
- A Copelmi vende seu carvão para empresas como a Celulose Riograndense e a Braskem.
- Cerca de 90% do carvão mineral mapeado no Brasil está no RS.
O rejeito
- O carvão mineral é retirado das cavas, grandes buracos a céu aberto. O minério fica nas profundezas. No dia 9 de fevereiro, por exemplo, uma faixa em exploração estava 55 metros abaixo da superfície. Nas escavações, são usadas máquinas perfuratrizes, escavadeiras e detonações de nitrato de amônia.
- O produto bruto tem diversos elementos, como carbono, areia, argila e pirita. O que vai chegar ao mercado deve conter apenas carbono, que é o gerador de energia. Os outros componentes precisam ser separados.
- Isso é feito em um lavador. Depois de processo de britagem, o equipamento permite que o carvão mineral beneficiado flutue na água. O resto afunda.
- O rejeito é a mistura desses elementos submersos com a água. Do lavador, eles são bombeados em estado pastoso para a barragem. O rejeito tem variações de partículas. As mais pesadas sedimentam com rapidez. As mais finas têm secagem lenta e ficam, em parte, debaixo de uma lâmina d’água, sendo escoadas ao fundo da estrutura, longe do dique, para não fazer pressão excessiva na contenção.
O que é uma barragem?
- Em uma figura de linguagem simples, é como se fosse uma piscina aberta no solo, tendo as suas bordas construídas e reforçadas sobretudo com argila, pedras e canais de drenagem.
- Vários cuidados são necessários para manter a estrutura em segurança. Cristiano Weber, gerente de Sustentabilidade da Copelmi, explica que o entorno da barragem e o barranco de contenção precisam ser constantemente vistoriados para eliminar a presença de grama ou qualquer vegetação. Árvores são proibidas ali. Isso porque o sistema radicular das plantas abriria canais no solo, o que poderia permitir infiltrações e comprometer a solidez.
- Conforme o relatório mais recente da Agência Nacional de Mineração (ANM), o Rio Grande do Sul tem três barragens de rejeitos de carvão mineral. A maior delas, tanto em altura quanto em metros cúbicos de sedimentos, é a Bacia de Finos da Mina do Recreio, em Butiá.