Um médico foi demitido e outros dois, suspensos, pela prefeitura de Santa Maria ao final de uma sindicância aberta para apurar descumprimento de jornada de trabalho em postos de saúde da cidade. Em junho de 2016, reportagem da RBS TV mostrou que uma pediatra e um ginecologista saíram antes do final do horário de trabalho. A sindicância foi aberta depois da matéria, conforme informou a GaúchaZH o setor de Controladoria e Auditoria do município.
Ainda durante a sindicância que apurava, inicialmente, esses dois casos, a prefeitura foi alertada – por meio de uma denúncia – de que um outro médico se ausentou das suas funções em parte do primeiro trimestre do ano passado. Segundo o próprio órgão da prefeitura, foi descoberto que o médico Luiz Antonio Medeiros Bortolotti, que atua como ginecologista e obstetra na rede municipal de saúde, havia deixado de trabalhar durante os meses de fevereiro e março de 2017. Apuração da prefeitura constatou que a ausência dele foi injustificada e demitiu o médico.
Em um dos casos mostrados na reportagem, uma pediatra deixou a unidade de saúde em que trabalhava uma hora e meia depois do começo do expediente — que deveria durar seis horas. Dalva Maria Dalla Barba Londero chegou ao posto Dom Antonio Reis às 6h30min de 9 de junho de 2016, mas às 8h saiu para atender em seu consultório particular. A prefeitura abriu um processo administrativo disciplinar e decidiu por suspender a médica por cinco dias. Ela ainda terá de devolver R$ 20 mil aos cofres do município por exercer dupla jornada.
O outro caso flagrado pela RBS TV, também em um posto de saúde, foi no posto da Unidade Básica de Saúde (UBS) Floriano Rocha, na Cohab Santa Marta. No mesmo dia, o médico Alexandre dos Santos Leite, que é ginecologista e clínico-geral, ficou pouco mais de 30 minutos no local de trabalho e, depois, foi para casa. Esta situação segue, no momento, sendo apurada pela controladoria da prefeitura e está na fase de depoimentos.
Uma quarta denúncia apurou o caso do médico José Carlos Pedrotti Rosa que havia apresentado atestado, mas que seguia trabalhando no consultório particular. A denúncia foi feita, em agosto de 2017, pelo Instituto de Previdência e Assistência à Saúde dos Servidores Públicos Municipais (Ipassp). Após a conclusão do processo administrativo, ele teve de devolver a quantia de R$ 422 aos cofres do município. Ele ainda foi penalizado com a suspensão de 30 dias.
A prefeitura instalou ponto eletrônico nas duas unidades de saúde onde houve flagrante da RBS TV, informou a GaúchaZH Alexandre Lima, titular da Controladoria e Auditoria do município:
— Esses casos foram tratados com todo o rigor e seriedade que merecem. Estamos atentos e vigilantes. É importante que a sociedade nos auxilie nisso. Até porque quem invariavelmente acaba sendo penalizada é a população de mais baixa renda, que depende do SUS.
O que dizem:
Zeno Bittencourt Souza, advogado de Dalva Maria Dalla Barba Londero
“No processo administrativo (da prefeitura), o que ficou provado é que ela é a única pneumopediatra do município. E enquanto ela trabalhava nesse posto de saúde, a única coisa que a prefeitura disponibilizava para ela era uma sala para atendimento. E muitas dessas crianças precisavam de exames especializados e, justamente, aí que está uma questão central: a prefeitura não dispunha de aparelhos para assegurar às crianças. E muitas das crianças que eram atendidas por ela no posto de saúde precisavam desses exames e a minha cliente acabava atendendo a esses casos específicos no consultório particular dela, já que ela tem essa aparelhagem. E tudo isso feito gratuitamente para essas crianças. Por isso que havia dias que ela saía mais cedo e dava sequência ao expediente no consultório dela. A prefeitura, contudo, não entende que ela estava dando atendimento a essas crianças do seu consultório próprio. Ela jamais deixou de cumprir com o horário e a minha cliente sempre atendeu a todos os pacientes, fosse no posto de saúde ou no consultório médico particular.”
João Batista Sobrozza Neto, advogado de Alexandre dos Santos Leite
“Essa situação se trata de um fato comum junto à rede pública de saúde. O agravante disso tudo é a forma como foi colocado – tanto pela imprensa quanto pela própria prefeitura – o que, sem dúvida alguma, execrou a figura do médico. A situação do meu cliente e da família dele é bem ruim, é, posso te dizer, constrangedora. Ele foi pintado como um criminoso perante à sociedade. A verdade é que ele foi julgado e condenado pela reportagem. E, por outro lado, o município não assumiu que esse tipo de situação se dá desde o princípio do SUS. O horário e a forma como os médicos prestam o serviço é um assunto que diz respeito ao mérito da administração. O serviço foi prestado e não houve ilegalidade alguma. O que temos um problema é que a administração não assumiu sua parcela de responsabilidade. Enquanto o SUS não tiver condições de pagar salários condizente à função médica, isso seguirá ocorrendo."
Tiago Carijo, advogado de José Carlos Pedrotti Rosa
“Isso é, sem dúvida alguma, uma injustiça que está sendo feita contra o meu cliente. Ele esteve, de fato, em laudo e com a anuência do poder público. E sempre que chamado pela prefeitura, ele compareceu. Vamos, então, esclarecer o que aconteceu: ele foi liberado pelo médico dele para trabalhar com restrições. E entre essas restrições estava a que ele não poderia trabalhar em pronto-socorro, que é onde ele está lotado pela prefeitura. Mas para consultório ele estava liberado para trabalhar. E neste meio tempo, o meu cliente acabou sendo chamado para ir à prefeitura, para renovar o laudo médico dele, e ele acabou sendo denunciado por um colega. Ele sempre agiu de boa fé, sempre levou os laudos médicos e compareceu às perícias. Mesmo assim ele acabou sendo punido injustamente."
Mauricio Conceição, advogado de Luiz Antonio Medeiros Bortolotti
O advogado informou a GaúchaZH que seu cliente não se manifestaria sobre o caso.