Uma espessa camada de lama cobria objetos e o assoalho da casa da família Zollner na manhã de sexta-feira, no interior de Rolante, no Vale do Paranhana. Era o vestígio de uma noite de horror no município de 20,8 mil habitantes, afetado por enchente histórica que destruiu casas, matou o gado e devastou lavouras. O grande volume de chuva fez com que os rios que cortam a cidade transbordassem. A força das águas arrastou carros e danificou a ERS-239, principal acesso ao município.
No início da noite de quinta-feira, o motorista Diogo Fernando Zollner, 36 anos, aproveitou que a chuva havia diminuído para verificar o nível do Rio Rolante, a cem metros de sua residência. Impressionado com o volume de água, voltou correndo, temendo pelo pior. Só teve tempo de soltar o cachorro Pipoca, alguns coelhos e galinhas.
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– Começou outra chuva e foi questão de cinco minutos. Parecia um tufão. Saímos só com a roupa do corpo. Não deu tempo de pegar nada. A água subiu até o telhado – contou Zollner, que mora no local há 13 anos.
Ele, a mulher Adriana, 36 anos, e a filha Yasmin, oito anos, buscaram abrigo na residência de um vizinho, mas a água chegou lá também. Para se proteger, as famílias tiveram de subir em um morro, onde passaram parte da madrugada.
Na manhã de sexta-feira, além de se dedicar à limpeza e à reconstrução do local, o casal tentava consolar a filha, que havia perdido o seu companheiro de brincadeiras, o cão Pipoca, um linguicinha de três anos.
– Ela está muito sentida, mas expliquei que a gente fez o que pôde – disse Zollner, que agora pensa em se mudar para outro lugar.
A prefeitura de Rolante decretou situação de emergência devido à grande enchente provocada "pelas fortes chuvas nas cabeceiras dos rios que banham o município e, principalmente, por conta do rompimento de um açude em São Francisco de Paula". No entanto, bombeiros da cidade descartaram a hipótese de o açude ter sido uma das causas da cheia.
Riozinho, vizinha de Rolante, também decretou emergência. O temporal causou danos estruturais, isolou localidades e deixou famílias desabrigadas no interior do município. Duas pontes foram destruídas. Além disso, casas foram destelhadas e invadidas pela água. Equipes da Secretaria de Obras trabalharam ao longo do dia para liberar acessos e atender as famílias isoladas.
Como os Zollner, muitas outras famílias ficaram ilhadas e cerca de 300 tiveram de sair de casa após o Rio Mascarada – que desagua no Rio Rolante – ter atingido nível histórico na noite de quinta-feira. Não há registro de desaparecidos ou mortos. A localidade de Mascarada, que fica no pé da Serra, próxima a São Francisco de Paula, foi a mais atingida.
– Por volta das 18h, o rio encheu
e veio arrastando aquela localidade, e depois Alto Rolante e daí o centro da cidade, às 23h. O que tinha na Mascarada foi devastado. Guardadas as proporções, foi como se tivesse passado um tsunami – relatou o prefeito de Rolante, Ademir Gomes Gonçalves (PDT).
Mobilização e resgate com botes em telhados
Desde a madrugada até o final da manhã de sexta-feira, o principal acesso ao município, pela ERS-239, ficou interrompido pela água. Famílias da região aguardaram resgate sobre telhados de residências, enquanto bombeiros de Rolante, Taquara, Igrejinha e Três Coroas tentavam chegar até os pontos mais críticos.
A enchente que atingiu o município pegou a maior parte dos moradores de surpresa. Proprietário de um restaurante localizado nas imediações do pórtico de entrada da cidade, Volmir Rauper foi avisado de que o estabelecimento estava sendo tomado pela água por volta das 22h de quinta-feira.
– Tentamos tirar algumas coisas, mas sem sucesso. Começou a dar curto-circuito e levei choques. O nível da água subiu muito rápido, e a única alternativa foi arrebentar o forro, subir para o teto e esperar. Perdi tudo.
É muito triste – contou.
O drama vivido por Rauper é semelhante ao de centenas de pessoas que conseguiram sair de casa só com as roupas do corpo. Muitas foram resgatadas em embarcações.
Os alagamentos atingiram toda a cidade. O empresário Lucinei Rauber deu início à ajuda no resgate das famílias no final da noite:
– Nunca vi nada igual. Em 15 minutos, estava tudo inundado. Os barcos não conseguiam vencer a correnteza.
De acordo com o coordenador da Defesa Civil de Rolante, Leandro Gottschalk, a indústria e a produção rural do município também foram prejudicadas. Muitas empresas, de médio e grande porte, perderam praticamente todo o seu patrimônio com a enxurrada. Na agricultura e na pecuária, os danos "são incalculáveis", segundo Gottschalk, que também comanda o Corpo de Bombeiros Voluntários:
– Podemos praticamente assegurar que 90% do rebanho do gado leiteiro e de corte foi levado pelo rio. Morreram, com certeza.
Poucos estabelecimentos comerciais abriram as portas durante a manhã. O nível da água começou a diminuir no final da madrugada, e os moradores iniciaram os trabalhos de limpeza. Na região há 44 anos, Ademir Kehl, dono de uma fábrica de esquadrias, disse que a enchente superou a de 1982, que estava na memória dos moradores mais antigos como a maior de todos os tempos.