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O diretor de cinema Andrea Tonacci morreu na sexta-feira em São Paulo, aos 72 anos, em decorrência de um câncer pancreático. Italiano nascido em Roma e radicado no Brasil desde criança, Tonacci deixa como legado uma produção com poucos títulos mas de alta relevância para o cinema brasileiro. Tonacci deu seus primeiros passos como diretor em São Paulo, com dois elogiados curtas-metragens: Olho por olho (1965) e Bla bla blá (1968). Com seu longa de estreia, Bang bang (1971), alinhou-se à geração de jovens realizadores que radicalizaram as ideias transgressoras do movimento cinema novo em filmes de baixo orçamento que investiam na experimentação estética e circulavam à margem do circuito comercial. Esse chamado cinema marginal desafiava a censura da ditadura militar com suas produções anárquicas e alegóricas e teve como expoentes Tonacci e nomes como Rogério Sganzerla e Júlio Bressane.
Em 2006, após décadas sem filmar, Tonacci apresentou Serras da desordem, inventiva mistura documentário e ficção que recria a história de um índio que perambulou sozinho pelas matas do país. Ganhou no Festival de Gramado os prêmios de melhor filme (divido com Anjos do sol, de Rudi Lagemann), direção e fotografia.
Tonacci levou quase uma década para começar a filmar, em Serras da desordem, a incrível trajetória de Carapiru, índio guajá que sobreviveu ao massacre de seu grupo familiar em 1977 por um bando de homens brancos e perambulou solitário pelas serras do Brasil Central – até ser capturado 10 anos depois, a 2 mil quilômetros de distância de seu ponto de partida. Tonacci ficou sabendo da história em 1993 por meio do sertanista Sydney Possuelo, que levou Carapiru a Brasília e acompanhou o indígena enquanto antropólogos e linguistas polemizavam quanto à origem e à identidade do nômade.
Originalmente, o diretor queria rodar Serras da desordem como uma ficção, mas as limitações de orçamento mudaram o curso do projeto. A solução encontrada foi colocar diante das câmeras o próprio Carapiru e outros personagens que cruzaram seu caminho. O resultado é uma obra híbrida que costura ficção e realidade, cenas atuais e reportagens de TV de época, imagens em preto e branco e coloridas, filme em película e vídeo digital.
O derradeiro trabalho do bissexto Tonacci seria apresentado nove anos depois: Já visto jamais visto (2015), no qual trabalhou sobre imagens registradas por ele ao longo da vida, de gravações domésticas com a família a bastidores e trechos de filmes inacabados. Tonacci deixa a companheira Cristina Amaral, montadora, e um filho.