Rajadas de tiros na minha janela, mulheres gritando e cachorros latindo. Essa tem sido a trilha da minha noite nas últimas semanas.
As pessoas simplesmente desaparecem. Mães que encontro na rua me contam que há 12 dias o filho não volta para casa. Me lembro daquele filme que ensinou aos meninos que queriam ser bandidos: se não há corpo, não há crime.
Depois de um tempo, elas andam com passos arrastados e olhos fundos. Param de me pedir ajuda. É como se, no íntimo, soubessem que o seu menino não somente se foi para sempre, como foi negado a elas o direito de enterrá-lo.
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Pela segurança dos demais membros da família, engolem o choro e não clamam por justiça. Nem a penal, muito menos a social. Ambas estão enterradas, apodrecendo com seus filhos em um lugar desconhecido.
Lágrima
Mas é bom lembrar que, no desconhecido lugar no qual seus meninos estão, há muitas vagas. Então, que somente se ouça o som da lágrima, que abre avenida no rosto enrugado pela dor da espera sem esperança.
Depois das rajadas, um silêncio aguça a minha curiosidade em entender os bastidores dos disparos. Mas vasculho minha mente em busca do sono. Afinal, amanhã, tenho que trabalhar.