Com a divergência aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF), um julgamento que havia começado mal para as pretensões do governo Dilma Rousseff diante do processo de impeachment terminou com sensação de sobrevida.
O voto do ministro relator Luiz Edson Fachin, que derrubava todos os itens relevantes da ação do PC do B questionando os trâmites do impeachment, foi revertido pela maioria. Líder da dissidência, Barroso afirmou ter buscado a formação das suas convicções a partir da repetição das regras aplicadas no impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992.
- Seria gravíssima violação à segurança jurídica se tratássemos esse caso diferentemente de 1992 - concordou o ministro Luiz Fux.
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O Senado terá papel decisivo, com a prerrogativa de analisar a admissibilidade do impeachment, em votação de maioria simples, podendo até optar pelo seu arquivamento. É um fato significativo para o Palácio do Planalto, que contará com a sua base aliada mais confiável no Senado, único poder que poderá decidir pelo afastamento de Dilma após a instalação do processo nesta Casa. O papel da Câmara, onde o governismo está deteriorado, será apenas autorizativo: se dois terços dos deputados votarem pelo impedimento, caberá ao Senado instalar, se assim entender, afastar e julgar Dilma, neste último caso dependendo de maioria qualificada de dois terços para cassar a presidente. Fachin havia decidido por atribuir mais poderes à Câmara, tese que acabou derrotada por oito votos contra três.
- A lógica do Supremo é a do certo, do justo e do legítimo. Nós estabelecemos as regras e, agora, a política vai decidir. O Supremo não está de um lado nem de outro. O fato de circunstancialmente A ou B estarem em uma posição ou outra não muda a interpretação da constituição - respondeu Barroso sobre o fato de a Corte ter atribuído mais poderes ao Senado, onde Dilma tem mais aliados, como o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL).
O raciocínio foi acompanhado por outros ministros.
- Não tem sentido que, em matéria de tamanha sensibilidade e gravidade, se estabeleça subordinação institucional do Senado à Câmara - opinou o ministro Celso de Mello.
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A posição de Fachin, a favor da disputa entre chapas, incluindo as avulsas, para formar a comissão especial de impeachment, foi revertida por sete votos a quatro. A maioria entendeu que os 65 membros do colegiado devem ser indicados pelos líderes de bancadas ou blocos partidários. O voto secreto foi igualmente rejeitado, com margem apertada: seis a cinco.
Com isso, a eleição realizada na Câmara na semana passada, ocasião em que houve confusão entre deputados e quebra de urnas, será anulada. Isso porque ela teve a disputa entre chapas, com a apresentação de uma nominata avulsa, que saiu vencedora, integrada por parlamentares de partidos rachados e descontentes com as indicações de líderes governistas.
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É outro motivo de alívio para o governo: na eleição realizada anteriormente, a oposição havia conquistado 39 das 65 cadeiras da comissão de impeachment, o que lhe daria maioria. Agora, a Câmara terá de refazer a composição, com líderes indicando os seus membros.
- Há, sim, necessidade de nova comissão (especial de impeachment) a ser escolhida pelo voto aberto, observadas as regras de indicação dos representantes dos partidos - avaliou Barroso.
Como Leonardo Picciani (RJ) retornou nesta quinta-feira ao comando da bancada do PMDB, é provável que o governo equilibre forças ou tenha maioria no colegiado, onde é produzido um relatório sobre as causas do impedimento, etapa que antecede a votação da Câmara pela continuidade ou não do processo. A reformatação da composição deverá ocorrer somente após o retorno do recesso, em 2 de fevereiro. O Congresso encerra oficialmente as suas atividades a partir da próxima terça-feira, mas nesta quinta muitos parlamentares fizeram a última aparição de 2015 em Brasília. O fato de a Câmara ter adotado voto secreto e aceito chapa alternativa foi motivo de crítica de indireta Barroso ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
- Se eu for perder, mudo para voto secreto. Se eu for ganhar, mudo para aberto - afirmou.
Gilmar Mendes e Dias Toffoli foram os maiores defensores da hipótese de apresentação de chapas avulsas para a formação do colegiado da Câmara. Para Toffoli, é uma "grave" interferência em tema interno do Legislativo.
- Se se trata de manipular esse processo, então assumamos que é para interferir no processo. Estamos tomando decisões casuísticas. (...) Vinte e seis líderes de bancadas vão definir como será a comissão e não os 513 deputados - protestou Mendes, em uma das mais duras falas da sessão, classificando a indicação de líderes como um reforço de "oligarquias partidárias".
A ação do PC do B também questionava a legitimidade de Cunha, envolvido na operação Lava-Jato e desafeto do Planalto, para aceitar o processo de impeachment. O partido, fiel aliado de Dilma, ainda procurava anular o aceite do impeachment com o argumento de que ela não teve oportunidade de fazer defesa prévia. Esses dois itens foram rejeitados por todos os ministros, que consideraram constitucional o processo de impedimento.
- O impeachment não pode ser degradado ou reduzido a uma figura de golpe de Estado - defendeu o decano Celso de Mello, indicando a legalidade do processo.
Ao final do julgamento, Barroso afirmou que não cabe recurso, exceto embargo para dirimir eventuais pontos obscuros da decisão.
- As questões foram exaustivamente debatidas. Não há dúvida sobre a posição do tribunal - arrematou.
Entenda o julgamento no STF:
*Zero Hora