Dezenas de barcos amanhecem parados na comunidade pesqueira da Vila São Miguel, em Rio Grande, no sul gaúcho.
— Quando é uma safra boa de camarão, está todo mundo pescando — resume Santos Rodalto Gonçalves Oriente, o Darti, 63 anos.
O desinteresse dos pescadores artesanais se justifica pela safra pequena, que os deixa sem uma renda anual importante. No início da temporada, em fevereiro, havia otimismo a respeito de um possível cenário melhor do que em 2024, o que não ocorreu. Segundo especialistas, a enchente de maio do ano passado prejudicou o desenvolvimento do crustáceo na Lagoa dos Patos.
A escassez fez o preço do produto subir na Semana Santa e os vendedores buscarem opções fora do Estado para não ficarem sem a mercadoria. A safra seguirá até 31 de maio, prazo autorizado pelo governo federal. Em Rio Grande, há 3,5 mil pescadores artesanais licenciados.
Eles enfrentam a segunda safra consecutiva com danos na produção causados por enchentes no Interior do Estado — o excesso de chuva no segundo semestre de 2023 prejudicou a captura em 2024.
A rotina na lagoa
Darti foi um dos poucos da Vila São Miguel a se aventurar na captura de camarão na terça-feira (15), quando Zero Hora esteve no município. Entre segunda (14) e quarta (16), ele mostrou à reportagem as particularidades da pesca do crustáceo, ofício que desempenha desde a infância.
É um ritual que dura cerca de 12 horas. Começa no fim da tarde — por volta das 17h30min —, com a ida até um ponto da Lagoa dos Patos para instalação das redes em estacas. Outra etapa é a fixação das luzes, necessárias para atrair os camarões: sem elas, a quantidade capturada pode cair 90%, estima Darti.
O trabalho também inclui visitas à noite e durante a madrugada para checar se o esquema deu certo. Quem mora mais distante do local de pesca opta por dormir no barco para monitorar as redes, evitar furtos ou economizar com combustível nos deslocamentos.
Muito trabalho, pouco volume
A trabalheira do pescador entre a tarde de terça e manhã de quarta-feira rendeu 43 quilos de camarão. Para ele, uma safra boa ocorre quando a maioria dos pescadores consegue obter cem quilos do crustáceo no dia — alguns chegam a 400 em épocas favoráveis.
Eu não estava matando (gíria para 'pescando') nada. De duas semanas para cá que venho pegando 30, 40 quilos, mas outros não conseguem nem isso. Não é uma safra de camarão, isso aí é só para o pescador fazer um rancho.
SANTOS RODALTO GONÇALVES ORIENTE
Presidente da Colônia de Pescadores Z-1
Para Jorge Saveiro dos Santos, 61 anos, pescador do Saco da Mangueira, uma enseada da Lagoa dos Patos, o desenvolvimento do crustáceo também comprometeu a temporada.
— Além de pouca, a produção foi miúda, não cresceu. Não rende na balança: tu mata 500 peças para dar um quilo de camarão, enquanto em outras safras, com 80 peças dava esse mesmo peso — relatou o pescador, na profissão há 44 anos.
Piores resultados foram obtidos pelos pescadores da Ilha dos Marinheiros. A média diária durante a safra tem sido de 15 quilos por dia em alguns pontos; em outros, há quem volte para casa sem a mercadoria, segundo Viviani Machado Alves, 46 anos, pescadora da região.
Não estamos conseguindo pagar as contas. Estamos sofrendo há dois anos com enchentes. A safra do ano passado foi horrível, e esta é muito pior.
JORGE SAVEIRO DOS SANTOS
Pescador do Saco da Mangueira
Outro problema é o preço. Nesta semana, os compradores pagavam aos pescadores entre R$ 7 e R$ 9 o quilo do crustáceo; em fevereiro, no início da safra, quando havia mais quantidade, o valor chegou a cair para R$ 5. Os principais compradores são comerciais locais e de Santa Catarina.
— Há muitos anos está assim: todas as coisas sobem, mas, para o pescador, o quilo está no mesmo preço ou menor — diz Paulo Roberto Bastos, 63 anos, pescador e comprador.
Safra deve ficar 50% abaixo do esperado
A prefeitura de Rio Grande estima que uma boa safra renda 5 mil toneladas de camarão aos pescadores artesanais; neste ano, a projeção é de que o resultado seja metade disso.
— Tivemos um ano de 2024 difícil em função da enchente, que refletiu em toda a dinâmica da lagoa. Tínhamos expectativa de que seria uma safra bem pequena, e foi o que aconteceu. Em alguns lugares, as pessoas capturaram uma boa quantidade, em outros pontos, quase nada. Não tivemos condições favoráveis para uma safra regular — ponderou Cláudio Costa, secretário da pesca de Rio Grande.
Por quê?
O camarão pescado na Lagoa dos Patos tem origem no litoral de Santa Catarina, onde os indivíduos adultos se reproduzem. As larvas nascem no fundo do mar e são transportadas em direção ao RS pelas correntes marinhas na primavera.
— Elas ficam esperando uma oportunidade de entrar na Lagoa dos Patos, onde crescerão na fase juvenil. A pouca chuva e ventos do quadrante sul permitem a entrada de água salgada e carregam essas larvas para um ambiente protegido e rico em alimento — explica Luiz Felipe Cestari Dumont, professor do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg).
Destino da água dos principais rios do Interior, a Lagoa dos Patos aumenta de nível em momentos de chuva intensa no Estado, como foi o caso da crise climática em maio de 2024. A situação demorou meses para se normalizar, e fez com o que ambiente ficasse dominado pela água doce até final de novembro. Em dezembro, as larvas tiveram chance de entrar na lagoa, quando o esperado é que ocorra entre setembro e outubro.
Depois, elas precisam de três a quatro meses para chegar ao tamanho comercial de nove centímetros, o que não ocorreu quando a captura foi iniciada, em fevereiro.
É uma safra com entrada tardia das larvas, que gerou uma produção de camarões pequenos. Além disso, em março e abril, tivemos eventos de chuva, o que diminuiu a salinidade e pode levar indivíduos para fora da lagoa. Também houve queda de temperatura, influenciando no crescimento e mortalidade.
LUIZ FELIPE CESTARI DUMONT
Professor do Instituto de Oceanografia da Furg
Menos produto, mais caro
A crise na safra em Rio Grande fez o feirante Altair Alves da Silva, 57 anos, encomendar crustáceos de cativeiros de Santa Catarina. Ele vendia os produtos no mercado público de Rio Grande na manhã da última terça-feira. No início da safra, quando havia um pouco mais de volume, chegou a comprar 400 quilos semanais no município; na semana anterior, porém, o montante não chegou a cem.
Para trazer de Laguna (SC), o camarão passa por três ou quatro vendedores, e cada um vai botando uma porcentagem em cima antes de chegar no consumidor. Isso deixa caro. Se a safra estivesse boa aqui, não precisaria trazer de lá e seria mais barato para todo mundo.
ALTAIR ALVES DA SILVA
Feirante de Rio Grande
A dona de casa Juraci Jardim Amaral, 61 anos, que comprou dois quilos de camarão descascado para o cardápio da Semana Santa, diz ter observado aumento de preço do produto no mercado público da cidade.
No início, comprava a R$ 35 (o quilo), depois, foi para R$ 40 e hoje paguei R$ 45. É um pouco mais caro, mas é importante para a Semana Santa.
JURACI JARDIM AMARAL
Dona de casa