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Jornalismo é lidar todo dia com a contradição - e aceitá-la. E fazer seu leitor entender que o contraditório é salutar, um processo de crescimento numa democracia, mesmo que o momento seja de polarização ideológica. A definição é de Sérgio Dávila, um dos mais experientes jornalistas de um dos maiores jornais do país, a Folha de São Paulo.
Paulistano, 49 anos, Sérgio foi o quarto convidado do projeto Em Pauta ZH - Debates sobre Jornalismo, promovido por Zero Hora na noite de quarta-feira. O tema foi "O desafio da imparcialidade num país polarizado".
Ex-correspondente em Washington, participante da cobertura dos atentados de 11 de Setembro de 2001 e da Guerra do Iraque, Sérgio é desde 2010 editor-executivo da Folha de São Paulo. Ou seja, é um dos que dá a última palavra sobre o que será publicado. A primeira regra é separar boato de fato - caminho que, para ele, vai garantir a sobrevivência dos jornais, um lugar cativo entre seus leitores, mesmo com a concorrência acirrada das mídias sociais.
O jornalismo moderno se ampara em pesquisas e, ciente disso, a Folha encomendou um levantamento sobre o perfil ideológico dos seus leitores. O resultado, divulgado há poucas semanas, é de que eles são liberais em costumes e também em economia (a favor da livre iniciativa). O curioso é que a pesquisa demonstrou que os leitores estão à direita do jornal, no espectro ideológico. E a média do eleitorado brasileiro, muito à direita da Folha.
O que fazer, nessa ocasião? Aderir à opinião da maioria e publicar o que ela quer, em busca de mais circulação?
Não, rebate Sérgio. Para ele, jornalismo é informação, mas também lucidez, ponderação.
- Não é porque as redes sociais espalham uma porção de coisas que o jornalista tem de segui-las. O Facebook e o Twitter são como grandes condomínios, oferecem ao leitor opiniões semelhantes às tuas, a partir de um algoritmo. São clubes, que só reforçam a opinião que você já tem. Jornalismo é diferente, é oferecer o contraditório, mostrar que opiniões divergentes podem melhorar a sua formação. Mostrar que outros mundos existem - pondera o editor da Folha.
Ele ressalta que a discordância não é só dos leitores em relação à Folha - via de regra, eles estão situados à direita do jornal, ideologicamente. É também interna, no jornal. Os repórteres costumam estar à esquerda das posições da direção. E como então se tenta a isenção? Uma das receitas é a pluralidade de opiniões. A Folha se orgulha de ter 125 colunistas e 60 blogueiros, da extrema-esquerda à direita mais conservadora. Isso ajuda a dar respeitabilidade, o leitor se encontra lá, define Sérgio.
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Outra maneira é a adoção de ombudsman (jornalista que avalia o trabalho dos colegas). Esse personagem faz uma crítica interna diária e outra, para publicação externa, amparada em críticas dos leitores ao que foi publicado no jornal. Sérgio considera essa uma das maiores provas de que a Folha tenta a imparcialidade, já que as observações do ombudsman costumam ser ferinas e dolorosas para quem as recebe.
- Ler o ombudsman é fazer um exercício diário de humildade. É às vezes humilhante para quem produziu o jornal. Ele é o sujeito pago para falar mal do jornal e mostrar problemas que a gente às vezes não enxerga. É duro, mas é democrático - resume o editor-executivo da Folha.
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E o futuro do jornalismo? Passa por essa abertura e franqueza frente ao leitor - e muito mais. Sérgio se mostra otimista.
- A sobrevivência está na nossa relevância. Meu mantra é que a nossa profissão não está em risco. O mundo sempre vai precisar de procedimentos éticos para chegar ao relato de uma história. E isso jornalistas sabem fazer bem e melhor.
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Confira opiniões sobre o evento:
"Esse debate da imparcialidade é um dos melhores da nossa profissão. Um jornalista é um autor, que busca todo dia na sua disciplina a tarefa de se despir da subjetividade. Nas redes sociais, todo mundo tem opinião. Como é que devemos agir? Como marca, temos de tentar garantir a imparcialidade, mesmo que alguns jornalistas tenham opiniões fortes fora da redação. O desafio é se impor limites e achar o ponto sensato. Duvido que alguém tenha respostas prontas. Já o futuro da profissão, me parece, passa pela revalidação do jornalismo. No momento em que tantos dão opinião sobre tudo, precisamos de referências. E quando aparecem 300 coisas no feed de notícias, para onde as pessoas correm? Para a capa do jornal, para saber se é verdade. Esse é o valor da nossa marca, do nosso trabalho".
Andiara Petterle, vice-presidente de Jornais e Mídias Digitais do grupo RBS
"Acho interessante esse tipo de iniciativa de Zero Hora. Trouxeram um diretor de um jornal concorrente, de certa forma...Foi muito bom. O Sérgio Dávila é bom para mostrar se o trabalho que fazemos está no caminho certo. Achei interessante ele mostrar como a Folha de São Paulo define as pautas, os pontos de abordagem com o leitor, as discussões internas. Como lida com pesquisas de opinião para conhecer o seu público e também como dá retorno a esse público".
Luiza Goulart, estudante do 4º semestre de Jornalismo na Unisc (Santa Cruz do Sul).
"Achei muito interessante a palestra. Sobretudo os mecanismos internos de discussão do produto e de produção da informação. A Folha de São Paulo é uma referência em cobertura jornalística e deu para perceber que o público aperta eles, via ombudsman. O público na palestra também apertou o palestrante Sérgio, discutiu as funções, a ideologia do jornal, a linha editorial. Foi bom".
Leo Nuñez, professor de Jornalismo no curso de Jornalismo do Centro Universitário Metodista-IPA.