A crise financeira do Estado foi analisada pelo secretário-Geral de Governo, Carlos Búrigo (PMDB), durante entrevista nesta semana ao Pioneiro. Ele disse que o aumento do ICMS deve-se à falta de alternativa por uma questão simples: não há dinheiro.
Amparado pelas declarações do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que disse na Câmara dos Deputados que o RS aumentou muito as despesas de pessoal, com um crescimento na despesa entre 2011 e 2014 de 46% - de R$ 13 bilhões para R$ 19 bilhões -, abaixo da alta da receita do Piratini, Búrigo não poupou o ex-governador Tarso Genro (PT). Afirmou que ele inchou a máquina pública e concedeu reajustes acima da inflação.
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Sobre o parcelamento dos salários dos servidores, o secretário acredita que se a ampliação do percentual do uso dos depósitos judiciais for aprovada, setembro será pago em dia. Mas não fez qualquer consideração sobre o 13º salário.
Pioneiro: O senhor é uma das pessoas mais próximas do governador. Como funciona a Secretaria-Geral?
Carlos Búrigo: O governador pediu para darmos foco na governança e gestão, fazendo a interface com as secretarias, cuidando dos problemas pontuais. Desde o ano passado, quando a gente foi convidado, começou com o PGQP (Programa Gaúcho da Qualidade e Produtividade) a fazer um mapa estratégico e dividir o governo em quatro áreas importantes. Cada secretaria está num eixo. Levamos fisicamente a secretaria para o Centro Administrativo, fizemos uma sala de governança e estruturamos os departamentos. Temos o setor de convênios com o governo federal. Nem sempre aquela ação ou aquele recurso que vem é da política pública do governo. Muitas vezes ela traz um recurso que lá para o Nordeste é importante e para cá é um recurso que vai criar um custeio maior e não é importante para o centro do governo. Temos recursos que foram captados em 2010, 2009, 2011. Estão em convênio, não estão no caixa único. Se a contrapartida for muito alta, a gente não faz. Temos um departamento que vai cuidar dos convênios com as prefeituras.
Temos o departamento que cuida de informática e tecnologia do governo e o departamento de resultados para identificar o que cada secretaria está fazendo e elencar projetos prioritários. Fazemos um monitoramento com reuniões por eixos a cada 45 dias e semanalmente uma reunião com cada secretaria. Também temos os indicadores de evasão escolar, de mortalidade, segurança e indicadores internos de cada secretaria. Se priorizou projetos e ações que tinham convênio, porque os recursos de convênio não foram para o caixa único, e ações especialmente da Secretaria dos Transportes, os Cremas, as recuperações das estradas, acessos asfálticos de municípios no interior, reformas de escolas, presídios, delegacias e alguns outros valores que foram buscados por empréstimos no governo Tarso Genro. Ele fez empréstimos no Bird, no BNDES, na CAF, mas não usou esses recursos, ele trouxe para o caixa único, são mais de R$ 700 milhões. Existe a conta específica desse dinheiro, a rubrica e qual o objeto para o qual vai servir, mas entrou no caixa único, que gastou esse dinheiro em folha de pagamento e custeio. Esse recurso tem um prazo para ser aplicado, se não aplicar, perde e tem que devolver sem ter feito a obra e pagando o custo desse dinheiro. Agora, esses meses em que atrasamos a folha de pagamento, atrasamos esses repasses também, tem lá R$ 52 milhões que eram para pagamento de obras que a gente não repassou.
Recursos carimbados podem ir para o caixa único e ser usados?
Podem. Em Caxias, tínhamos uma maneira de trabalhar. O recurso específico a gente não mexia, tinha que trabalhar com o dinheiro livre. O que aconteceu com o Estado? Por que está desta forma? De 44 anos, em 37 anos o RS gastou mais do que arrecada. Teve também a questão da inflação. Numa época atrás, ajudava o poder público, as prefeituras, porque tinha uma inflação muito alta e tinha um salário no primeiro dia do mês que pagava no último dia, e era o mesmo valor nominal. Só que aplicava no decorrer deste mês, o recurso rendia muito. Depois tivemos a venda de ativos, principalmente na época do governador (Antônio) Britto, (1995/1998) com a venda de parte da CEEE, da CRT, e isso fez com que entrassem recursos extras no caixa, não recursos orçamentários de impostos. No governo Olívio (Dutra, 1999/2002) surgiu a figura do caixa único.
Com a dificuldade financeira, os servidores da Fazenda, com vontade de acertar o fluxo de caixa, foram criativos. Todo o recurso que está sobrando, por exemplo, na CEEE, na Corsan, no Detran, na conta de empréstimos para obras para presídios, reforma de escolas, todas essas contas, são mais ou menos em torno de 400, criaram uma conta que se chama Siac, caixa único. Desse caixa, o governo paga suas despesas - fornecedores, salário, custeio. Numa certa época, quando chegava em dezembro, devolvia para fazer o ajuste fiscal. Fechava o balanço. Quando viram que não tinham mais condições de fazer isso, acharam outra maneira fiscal de não devolver mais o dinheiro no exercício, e aí virou bagunça. Cada empresa coloca no seu balanço que o dinheiro está no caixa único e o governo fica com esse recurso. Bom, aí terminou o dinheiro. Quando se busca um empréstimo para estradas, o Banco Central e o organismo financiador te obrigam a abrir uma conta específica e depositam o dinheiro naquela conta, e o governo vai lá, saca e bota no caixa único. Vai fazendo a obra, cada vez que tem que pagar, o caixa único deposita naquela conta. Essa triangulação, num ponto de vista contábil, é errada.
O dinheiro pode não ter sido usado para isso, então?
Pode, só que está contabilizado que era para aquilo. Está no caixa único, mas tem que voltar o dinheiro. Quando a obra começa, quem vai dar a velocidade é o governador. Ele não tem feito na velocidade que quer, mas na velocidade que tem recurso para gastar ou para não perder o financiamento. A gente está liberando os recursos no limite para não perder os financiamentos. Se não fizer a licitação, não começar a obra, corre o risco de anular esse empréstimo e devolver tudo, com encargos. Quem está fazendo as obras não está recebendo. Temos fornecedores atrasados mais de 60 dias. As obras estão acontecendo, só que não estamos conseguindo pagar e as empresas fazem na velocidade que elas entendem que têm condições de suportar. Nos últimos 90 dias, a gente pagou muito pouco, por mais que estivesse na previsão orçamentária. Quando terminou o caixa único, o governo começou a usar os depósitos judiciais que tinham as empresas contra ele (por exemplo: tenho uma empresa e não concordo em estar pagando este imposto, depositava judicialmente até a ação se extinguir). O governo resolveu buscar esse dinheiro. Terminou esse recurso também. Aí se usou os depósitos judiciais entre pessoas particulares, hoje em R$ 9 bilhões. O Tarso pegou R$ 5,6 bilhões em 2013. Temos pago mais de R$ 1 bilhão de custo desse dinheiro. O Judiciário hoje tem levado em torno de R$ 400 milhões por ano. Essa é a grande discussão dos depósitos judiciais. O governo deve de caixa único e depósitos judiciais
R$ 12,6 bilhões. Mais R$ 8 bilhões de precatórios, R$ 49,3 bilhões à União, R$ 5,5 bilhões a agentes financeiros: deve hoje 75,4 bilhões, com uma arrecadação líquida de R$ 25,5 bilhões. Até o mês passado, a entrada de dinheiro nos depósitos judiciais estava sendo maior do que a saída, esse mês saiu mais do que entrou, porque ações antigas começam a vencer e tem que pagar.
O PMDB já foi três vezes governo e apoiou o da Yeda. Isso tudo foi descoberto agora?
Não. Isso tudo sempre se fez. O que aconteceu agora, e vou dizer isso com muita tranquilidade: o governo Tarso usou de uma forma irresponsável. Os outros governos buscavam esses recursos gradativos, ele buscou esse dinheiro praticamente de uma vez só, R$ 5 bilhões, e o pior de tudo, ele aumentou. O ministro (Joaquim) Levy disse na Câmara dos Deputados que o RS aumentou muito as despesas de pessoal (na Comissão de Finanças e Tributação, o ministro disse que houve crescimento na despesa com pessoal entre 2011 e 2014 de 46% - de R$ 13 bilhões para R$ 19 bilhões -, abaixo da alta da receita do Piratini). Ele usou esse dinheiro de financiamentos, botou no caixa único e não realizou ações e obras, as estradas estão aí como estão, a saúde está como está, ele usou para despesa de pessoal. Inchou a máquina pública, aumentando salários e botando gente para dentro. O governo usou dinheiro que não era da receita tributária dele para aumentar e inchar a folha de pagamento. E deixou até pagamentos para o próximo governo, caso da segurança, que nós temos dois pagamentos em 2015, dois em 2016, dois em 2017 e dois em 2018, o somatório disso dá mais de R$ 4 bilhões na folha de reajustes de salários da segurança. O Tarso mandou um orçamento que apontava R$ 1,5 bilhão de déficit, porque superestimou as receitas e diminuiu as despesas, para caber no orçamento. Quando fizemos uma análise das contas, verificando o que teríamos de receita e despesa em 2015, nós chegamos àqueles R$ 5,4 bilhões.
Temos um déficit para 2016 de 6,1 bilhões, para 2017, de 6,7 bilhões, e para 2018, projetado de 7,3 bilhões. Se somar tudo dá R$ 25 bilhões de déficit, onde temos uma receita líquida de R$ 24 bilhões/R$ 25 bilhões. Em quatro anos de despesa, nos falta um ano de receita. Para se somar a tudo isso, nós temos um quadro recessivo, o ICMS no RS historicamente sempre tinha um crescimento maior do que a inflação, então nos ajudava. O Tarso teve um período em que a arrecadação cresceu mais que a inflação e ele repassou isso para os servidores ou contratou. Esse é o grande problema. Por isso da lei de responsabilidade fiscal que mandamos para a Assembleia Legislativa, que vai controlar que quando tivermos superávit financeiro orçamentário pode usar apenas 25% para despesa de pessoal e os outros 75% para custeio ou investimento. Isso cria uma trava na despesa com pessoal. Infelizmente, no governo anterior não foi dado limite, foi aumentado os salários acima da inflação - não estou dizendo que os servidores não mereçam, fazem um bom trabalho, quem executa os serviços na função pública não são os CCs, são os servidores de carreira. Professores e segurança, principalmente esses dois setores, não ganham bem. Quando foi pago R$ 2.150 (no primeiro parcelamento), pagamos 43% do servidor público. O RS tem 48 vinculadas, entre empresas e fundações, será que alguns serviços não podem ser realizados pela iniciativa privada?
Quando o senhor fala que o governo passado deu reajustes acima da inflação, quem se beneficiou, se professores e policiais ganham pouco?
O custo da folha de pagamento - quando falo custo da folha, pode ser aumento ou servidores novos - aumentou quase o dobro da inflação. A arrecadação não aumentou isso, então foram utilizados recursos de outras rubricas para pagar esse aumento.
Como vocês lidam com a greve?
Nenhum governante atrasa ou não paga o salário porque é de sua vontade. É por uma necessidade, não tem mais dinheiro, a gente fez de tudo, a gente já enxergou em fevereiro, março que isso ia acontecer. A gente fez um esforço muito grande, diminuindo 10 secretarias, contingenciamos 35% dos CCs, seguramos tudo o que podia fazer, mas isso não é o suficiente. As ações de despesa que podíamos ter feito, estamos fazendo, que chegou a tal ponto que nós não pagamos mais a dívida com a União. Quanto à paralisação, nós entendemos a dificuldade do servidor. É difícil um pai, mãe de família receber R$ 600, mas o governo não paga porque não tem dinheiro. Por isso a gente pede a compreensão dos servidores e dos líderes desses movimentos, porque nós não estamos aqui discutindo um percentual de aumento, nós não estamos pagando o salário porque não existe dinheiro, se existisse dinheiro nós faríamos o pagamento. São legítimas as reivindicações, porém tudo tem um limite. Estamos devendo hoje R$ 745 milhões na folha de pagamento de agosto. Vamos cumprir o calendário.
Vocês imaginavam que a União seria menos dura?
A gente vem conversando com o governo federal. Há bastante tempo o governador tem feito isso, mas a gente sabia da dificuldade que o governo federal teria de ser condescendente conosco, porque existe um contrato entre União e estados que são iguais, com as mesmas cláusulas. Se ele não executasse essas cláusulas do contrato conosco, ele estaria abrindo exceção para os outros estados. Então, o governo federal, que é avaliado pela questão financeira pelas empresas de risco internacional, para que não tenha prejuízo, foi obrigado a executar a cláusula do contrato e bloquear as contas.
E o salário de setembro?
Vamos mandar o projeto buscando 95% dos depósitos judiciais (foi enviado sexta-feira). Se passar os 95%, vamos pagar em dia, sem parcelamento. Se for aprovado, podemos quitar as parcelas de agosto, depende o dia que for aprovado. Isso vai nos possibilitar em torno de R$ 1 bilhão. É muito menos do que nós precisamos, vai faltar para cobrir a dívida. Em setembro, nós vamos ter condições, em outubro, ainda vamos ter recursos para parte dele. Temos algumas ações que vamos fazer internamente, para que possamos pagar a folha. Se a gente conseguir ter os depósitos judiciais, aprovarmos os projetos do ICMS - o ICMS vai resolver um terço do nosso déficit anual - , há outras ações projetadas para equilibrar as finanças, que ainda não vai acontecer em 2016. Esse calendário é conforme o que está acontecendo hoje, que pode mudar se tivermos a aprovação do aumento dos depósitos judiciais.
Sobre aumentar impostos. Que reflexo o senhor vê disso?
O governador não está preocupado com o desgaste político. Infelizmente, quando estamos numa situação como esta, todos têm que perder um pouco. O aumento foi a última coisa que o Sartori pensou em fazer, não tem outra alternativa.
O atraso do pagamento da dívida da União continua?
Isso a gente não sabe. Setembro não sei, mas outubro, novembro, talvez tenha que continuar o atraso. Os R$ 50 bilhões do governo federal vão até 2028, todo ano nós pagamos até 13% da receita corrente líquida - este mês deu R$ 265 milhões.
E o 13º?
Aí nós vamos esperar chegar lá. Estamos com dificuldade de verificar.
Entrevista
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