Imagine o seguinte cenário. Você é morador do Bairro Menino Deus, em Porto Alegre, e, após uma enxurrada, as águas turvas de arroios e esgotos invadem a sua casa. Móveis, eletrodomésticos, roupas, brinquedos dos filhos, entre outros objetos de uma vida, submergem. Paredes são danificadas, e portas, arrebentadas. É água suficiente para afogar a sua dignidade. Você é expulso do lar porque choveu demais, é claro, mas, sobretudo, porque obras básicas de macrodrenagens não foram feitas pelo poder público.
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Após o escoamento, você, sua mulher e seus filhos retornam à residência, que está imunda e parcialmente destruída. Há lama por tudo. Exaustos e humilhados, vocês abrem uma torneira para começar a limpeza, mas, no lugar de água, sai ar. Os canos estão secos. Sim, o inimaginável acontece. A água, antes abundante, agora inexiste. É que a companhia pública que cobra pelo serviço não previu que o local de captação poderia ser atingido pelas cheias.
Por conta da falta de planejamento, você, o suposto morador do Menino Deus, e outras 410 mil pessoas (repetindo: 410 mil pessoas, quase meio milhão de almas) estão sem água. E ficaram assim, com as caixa d'águas vazias, por cinco dias, 120 intermináveis horas (!) - sem que nenhuma autoridade do Estado preste um esclarecimento convincente acerca do colapso, faça um pedido formal de desculpas, reconheça a incompetência no planejamento.
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Pois foi o que aconteceu na semana passada com moradores de Alvorada, Cachoeirinha, Gravataí e Viamão, algumas das principais cidades da Região Metropolitana. A Corsan, responsável pelo serviço restabelecido no sábado, se solidarizou com a população, mas, de concreto mesmo, informou que vai estudar um possível desconto na próxima fatura - fala-se em R$ 20 a menos, valor que, se confirmado, sequer compra uma bombona de 20 litros, que chegou a custar R$ 40, em Alvorada, durante a escassez.
O mínimo que se espera, agora, é que o sofrimento imposto aos moradores daqueles municípios sensibilize administradores públicos. É necessário gastar dinheiro, dinheiro da população, diga-se, com obras capazes de prevenir alagamentos e garantir o abastecimento. Ninguém mais suporta conversa fiada e humilhação.
* Diário Gaúcho