Dona Dalva Pereira Ribeiro completa 90 anos neste sábado. Tem dois filhos, quatro netos e dois bisnetos. Mas de "idosa" só tem a faixa etária. Detesta novela, não faz tricô, não gosta de ir à missa e faz pouco caso para a cozinha. Ficar em casa o dia todo? Acha muito chato. O negócio dela é outro: trabalhar. Há mais de 40 anos atua como despachante e coleciona uma clientela fiel.
De casa, no Bairro Belém Novo, Zona Sul de Porto Alegre, recebe as ligações da freguesia que cativou ao longo dos anos. Como mora a 30km do Centro da Capital, é ela quem se desloca.
Cabelo escovado, batom na boca e pasta debaixo do braço. Lá vai ela de lotação até o local marcado com o cliente. Não é à toa que ganhou fidelidade no setor.
- Sempre fui muito decidida. Quando comecei a trabalhar, andava de um lado para outro na calçada do Palácio da Polícia com uma pasta debaixo do braço procurando cliente. Transferência de carro, vistoria, multa... se queria tirar uma carteira de motorista tu me encontrava ali na rua. Até o dia em que eu cheguei lá e tinha uma fila de gente me esperando. Nunca liguei para a horário de trabalho. Se tinha que ficar até mais tarde, eu ficava - conta.
Quando começou a trabalhar, a profissão ainda estava ligada à Polícia Civil. O Detran surgiu apenas em 1997, ou seja: tem idade para ser "avó" do Departamento Estadual de Trânsito. Não demorou para conseguir alugar uma sala para atender na Rua Professor Freitas e Castro - bem próxima ao Palácio da Polícia.
Natural de Palmeiras das Missões (a 368km da Capital), é a caçula de 13 irmãos. Chegou a Porto Alegre na adolescência, para viver com a irmã e o cunhado.
Como morava na Rua Washington Luiz, no Centro, conhecida na época como "zona do meretrício", não podia sequer ir até a janela durante à noite. Ainda adolescente, antes de ser despachante, chegou a trabalhar como almoxarife de loja e, mais tarde, como balconista de padaria.
Casou aos 18 anos com Mario Telles Ribeiro, então jardineiro do Palácio do Governo que virou secretário direto de Leonel Brizola na época em que governou o Rio Grande do Sul (entre 1953 a 1963). Brizola foi exilado pelo Golpe Militar de 1964 e Mario perdeu suas bonificações.
A renda da família encolheu. A partir daí, dona Dalva começou a se mexer. Surgiu a oportunidade de ser despachante.
- Fui aprendendo e deu certo. Na época ganhava e comprava de tudo, conseguia ir no armazém e fazia rancho. Hoje isso nem em sonho. Meu marido quase não tinha nada e ele me incentivava. Se eu não trabalhasse não ia ter da onde tirar. E com isso fui criando amizades - conta ela, viúva há 11 anos.
"Só paro se me sentir muito doente"
Dona Dalva não é aposentada mas tem a pensão do marido como renda fixa. O trabalho começou para suprir uma necessidade e hoje ela nem pensa em parar por uma razão muito singela: gosta e tem disposição para o que faz.
- Só paro se eu me sentir muito doente, mas por enquanto me sinto muito bem - conta ela, que não tem problemas no coração, diabetes e tem uma pressão arterial invejável.
Mãe de dois filhos, João Fernando, 70 anos, e Cléia, 68 anos, mora com a caçula e o neto, Ricardo, 22 anos.
Desapego às tecnologias
A noventona usa celular e telefone mas dispensa todos os outros apetrechos tecnológicos. Não tem intimidade com o computador e não entende o que leva netos e bisnetos a publicarem fotos da família nas redes sociais.
- Fico pasma ao verem eles fazendo isso. Tem foto de Deus e todo mundo. É coisa de louco. Nunca tive vontade de aprender isso.