Sempre foi claro para mim que jornalista é jornalista em qualquer lugar e, por isso, deve estar preparado para trabalhar em todas as circunstâncias. A divisão do trabalho em áreas de atuação - esporte, política, mundo, geral ou polícia - ajuda a organizar as coberturas. Porém, muitas vezes, as notícias não escolhem o tempo e o lugar para acontecer, e muito menos a editoria do profissional que vai estar próximo ao fato. A noite do dia 6 de junho de 2013 foi uma prova disso.
Eu estava em São Paulo naquela semana para a cobertura de Portuguesa 1 X 1 Internacional, pelo Campeonato Brasileiro. O jogo ocorreu na quarta, 5 de junho, e a delegação colorada permaneceria na capital paulista até sexta, dia 7, quando viajaria para Belo Horizonte, para enfrentar o Cruzeiro. Minha tarefa era cobrir, pela Rádio Gaúcha, os dois jogos e os treinamentos da equipe do então técnico Dunga. Pois a minha missão acabou sendo muito maior. Acabei acompanhando o protesto que mobilizou uma multidão de manifestantes e vários batalhões da Polícia Militar.
“ Achei que tinha relatado apenas um protesto com violência que parou a maior cidade do Brasil. Na verdade, era algo muito maior”
Naquela quinta-feira, o Inter treinou à tarde, no CT do Palmeiras, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo. Após a atividade e a participação ao vivo no programa Hoje nos Esportes, retornei para o hotel, ao lado do técnico de externas Marques Damázio. Após tomar um banho, pouco depois das 20h, o Marques me chamou atenção para o que a Globonews exibia na televisão. Uma multidão protestava contra o aumento da passagem de ônibus, algo semelhante ao que já havia acontecido em Porto Alegre. Eles haviam partido do Vale do Anhagabaú e acabavam de ingressar na Avenida Paulista, acompanhados pela Polícia Militar. Os primeiros confrontos entre PMs e manifestantes começavam a ocorrer.
Na mesma hora parti na direção do local onde ocorria a confusão. O nosso hotel ficava nos Jardins, exatamente entre o Parque Ibirapuera e a Avenida Paulista. Fui a pé, pois o trânsito, que já é normalmente complicado em São Paulo naquele horário, estava terrivelmente caótico.
Quando terminei de subir uma longa ladeira íngreme e finalmente cheguei à Avenida Paulista, não vi o tradicional centro financeiro do País, repleto de bancos e estabelecimentos comerciais, que tantas vezes apreciei. O que visualizei foi um cenário de guerra. Lixeiras e cones pegavam fogo e labaredas no meio da rua iluminavam a noite paulistana. Os manifestantes iam e voltavam pelas duas mãos da avenida, bloqueando o trânsito e depredando placas e estabelecimentos comerciais. A Polícia Militar respondia com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo.
A partir dali, iniciei uma cobertura multimídia baseada totalmente no instinto. Comecei a fotografar, filmar, tweetar, enviar o material para a rádio e, principalmente, a fazer intervenções ao vivo. Lembro que, em uma das participações, no Chamada Geral 3ª edição, entrevistei um cidadão que tomava tranquilamente um chopp em um bar na Avenida Paulista, no momento em que os manifestantes apareceram. O entrevistado contou que, antes que pudesse fugir, foi atingido no peito por uma bala de borracha disparada por um policial. Fotografei o ferimento e o estilhaço da bala.
Entrevistei também o dono do bar, que reclamava dos danos causados pelo vandalismo. Alguns estudantes que circulavam pela Avenida Paulista na hora da confusão gravaram vídeos dos momentos mais tensos e, ao verem que eu era jornalista, me passaram o material por bluetooth. Agradeci a eles. Colaboraram muito com a cobertura e com o serviço que prestávamos. Mandei todo o material para a redação e todas as fotos e vídeos foram publicados no site e no Twitter da Rádio Gaúcha, assim como os meus relatos foram ao ar ao vivo na programação.
Deixei a capital paulista lamentando a violência que presenciei, mas satisfeito com a sensação de dever cumprido, tanto na parte esportiva, como na cobertura do protesto. Porém, cometi um erro de percepção: achei que tinha relatado apenas um protesto com violência que parou a maior cidade do Brasil. Na verdade, era algo muito maior. Foi só o estopim para uma série de manifestações, protestos e atos que, ao longo do mês de junho, pararam o País inteiro.
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