Não fosse a burocracia, o fogo no Taim seria extinto em dois dias. Passados cinco anos de um incêndio que queimou 4 mil hectares da reserva ecológica, a falta de estrutura novamente ajudou a alastrar as chamas causadas por um raio, que desta vez se espalharam por 5,6 mil hectares. As lições de 2008 não foram apreendidas.
O fogo queimou por nove dias em um trecho de difícil acesso da área que se estende por quase 33 mil hectares, no limite entre Rio Grande e Santa Vitória do Palmar, no extremo sul gaúcho. Era preciso utilizar aviões para alcançar o incêndio e eles chegaram com três dias de atraso. Com a demora, o fogo se alastrou.
- Se tivéssemos tido os aviões maiores quando o fogo se iniciou, seria mais rápido. E se não fosse a chuva, ainda levaríamos mais dois dias para apagá-lo - admite o chefe da Estação Ecológica do Taim, Henrique Ilha, no comando desde 2009.
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As aeronaves demoraram porque vieram da Bahia, distante mais de 3,5 mil quilômetros. Elas pertencem a AmericaSul, empresa que recebe R$ 5 milhões ao ano do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) - órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente que administra a reserva e outras 35 no Brasil - para combater incêndios em áreas de preservação no país.
A AmericaSul diz que não participou da licitação para a Região Sul e não tinha obrigação legal de atuar no Taim. Nenhuma empresa teria interesse em fazer o serviço.
Por conta da falta de participantes na licitação, o contrato da AmericaSul teria um adendo que prevê a atuação fora da área acordada, mas com três dias de tolerância para início das operações.
Para apagar o fogo, foram enviados três aviões ao extremo sul gaúcho: dois menores, com capacidade para 2 mil litros de água, e um maior, que consegue carregar 3 mil litros. Por hora de voo dos aviões menores foram pagos R$ 5 mil.
O mesmo tempo de trabalho da aeronave grande custa R$ 7 mil. Cerca de 70 voos foram feitos a cada dia de combate. O tempo de deslocamento até a área do fogo também foi tarifado.
Segundo o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), o que limitou o interesse na licitação foi a exigência de aeronaves com capacidade superior a 2 mil litros de água. Apenas 10% das empresas nacionais têm esses aviões, retirando as companhias menores do negócio.
No Estado, não haveria nenhuma empresa com aeronaves deste porte. Quando o incêndio começou, o ICMBio achou que seria mais rápido usar os serviços da AmericaSul a fazer uma contratação emergencial, levando em consideração empresas locais.
- Por causa disso, as mais de 150 aeronaves que estão trabalhando em um raio de 100 quilômetros do Taim não puderam fazer nada, a não ser voluntariamente. Agora, será que esse número de aviões ajudando não seria suficiente para controlar o fogo no primeiro dia? - provoca o conselheiro do Sindag Júlio Kämpf .
Ao término do incêndio de 2008, foram apontadas medidas urgentes para evitar a repetição do fogo, mas apenas uma foi implantada, a criação de uma unidade de brigadistas, sempre de prontidão. São 14 homens treinados e divididos em dois grupos, que fazem plantão semanal na sede da estação. Em caso de emergência, todos são acionados.
Com a equipe de brigadistas, foram adquiridas três lanchas, três quadriciclos e três camionetes para facilitar a chegada em lugares remotos. Um hovercraft - veículo que se apoia em uma espécie de colchão de ar, capaz de atravessar diversos tipos de solo e água - somou-se à frota. À época, o ICMBio considerou que a presença de brigadistas seria suficiente para evitar incêndios de grandes proporções.
- Vimos que não é assim. Temos que ter uma pista de pouso, um helicóptero para transportar a equipe e reforçar a estrutura - diz Henrique Ilha.
Entre o que não foi feito, o ICMBio, a AmericaSul e o Sindag concordam que a falta de uma pista para pousos e decolagens de aeronaves agrícolas próximo às regiões de difícil acesso fez muita falta.
- Com um trecho de 1,5 quilômetros de comprimento por 40 metros de largura, já é possível voar com segurança. Já havíamos falado sobre isso em 2008. Nem é preciso um grande investimento - afirma o conselheiro do Sindag Júlio Kämpf.
Sem a pista, uma das aeronaves que deveriam ser utilizadas já nos primeiros dias após o início do incêndio não teve segurança para sobrevoar.
- Estive lá no local. Não podíamos arriscar uma vida humana naquela hora. As condições não eram apropriadas - admite Astor Schlindwein, diretor da AmericaSul.
O ICMBio prepara um novo edital para a contratação de uma empresa para apagar incêndios no sul do Brasil até a metade do ano. Não estão descartadas mudanças no edital. O Ministério Público Federal (MPF) deverá protocolar um pedido de explicações sobre o incêndio nos próximos dias.
Progressão da área queimada
1º dia: 30 hectares - 0,09% da área total
2º dia: 1 mil hectares - 3%
4º dia: 2 mil hectares - 6%
7º dia: 4 mil hectares - 12%
9º dia: 5,6 mil hectares - 16%
A boa notícia: nenhum animal morto
O incêndio no Taim só não causou maiores consequências graças ao instinto dos animais e à rápida renovação da vegetação. A constatação é dos pesquisadores Cláudio Trindade e Leonardo Furlanetto, ambos do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg).
Os dois embrenharam-se nas áreas atingidas pelo fogo para avaliar as eventuais baixas de espécies e de flora. Após a pesquisa, a impressão foi positiva: nenhum animal - nem mesmo os menores - foi morto.
- A gente já imaginava que os maiores, como jacarés e capivaras, conseguiriam escapar. Eles têm sensibilidade ao calor e às mudanças na vegetação. Mas constatamos que outros anfíbios e répteis também fugiram. Imaginamos que eles tenham sobrevivido mergulhando e se mantido na água, já que o fogo passava alto - explica Furlanetto.
Já na flora, a alta capacidade de resiliência é uma aliada na renovação do verde. Com apenas dois dias de chuva após o incêndio, as partes afetadas já começam a ser substituídas. A expectativa é que em cerca de quatro meses a situação esteja normalizada.
Erros e soluções
1. Demora na chegada das aeronaves
- Motivo: aeronaves estavam atuando na Bahia, más condições climáticas em São Paulo atrasaram a chegada e falta de pista impediu pouso no primeiro dia.
- Solução: nova licitação para contratar empresa responsável pela atuação no sul do país, mudança na legislação de contratações emergenciais e construção de pista na Estação.
- Prazo: licitação deve ser aberta no primeiro semestre. Mudança na legislação e construção de pista na Estação não têm prazos definidos.
- Quem é responsável: ICMBio.
2. Áreas de difícil acesso
- Motivo: terreno irregular, com água a mais de 1m50cm de altura e lama. Fogo ocorreu a cerca de quatro quilômetros de distância dos canais mais próximos.
- Solução: compra de um helicóptero que pudesse transportar os brigadistas.
- Prazo: sem prazo definido.
- Quem é responsável: ICMBio e Ministério do Meio Ambiente.
3. Impossibilidade de controlar o fogo
- Motivo: cerca de 65% do banhado não está sob administração do ICMBio.
- Solução: adquirir as áreas que são de propriedades privadas, para poder realizar o manejo da vegetação e impedir que incêndios tomem proporções gigantescas.
- Prazo: a aquisição das áreas ocorre até o fim do ano.
- Quem é responsável: ICMBio.
ENTREVISTA - Vinícius Bacelo, brigadista
"Faltou um helicóptero para largar a gente mais perto do fogo"
Brigadista há quatro anos na Estação Ecológica do Taim, Vinícius Bacelo, 25 anos, foi um dos principais combatentes do fogo que consumiu a reserva. Em entrevista, ele revela as dificuldades de acesso e os motivos que atrasaram a extinção das chamas:
Zero Hora - Qual foi a estratégia para combater o fogo?
Vinícius Bacelo - Todas as noites, fazíamos uma reunião para definir o que faríamos na manhã seguinte. Víamos o vento, cuidávamos a previsão do tempo e traçávamos o plano. Depois, lá dentro, combatíamos a linha do fogo. Isto é, ficávamos atentos à fumaça, mas a luta era nos pontos futuros. Tínhamos que ter segurança em caso de virada de vento. Não podíamos perder ninguém ali, né?
ZH - Qual foi a maior dificuldade no combate?
Bacelo - A dificuldade era o acesso. O lugar era muito longe, a caminhada era longa e o terreno, péssimo. Afundávamos na lama, nos buracos que as capivaras fazem para descansar. Eu tenho 1m89cm e teve vezes que fiquei mais de um metro dentro da terra. Precisava de ajuda para ser resgatado. Abríamos caminho nos jogando em cima do junco.
ZH - O que faltou para agilizar o combate?
Bacelo - A gente tinha que chegar mais rapidamente e mais facilmente ao local do fogo. Por isso, um helicóptero teria resolvido vários problemas. Nossa ação seria melhor. Outra coisa foi a condição climática. Foram nove dias sem chuva, o que é raro nessa época. Além disso, o vento virou bastante. É curioso, porque a gente acredita que foi um raio que causou o fogo. Não fomos ajudado pelo ambiente.
ZH - Como é, para vocês que vivem na Estação, ver o Taim sendo incendiado?
Bacelo - A primeira coisa que vem à cabeça é que temos que apagar o fogo de qualquer jeito. A gente cuida tanto de lá, passamos tanto tempo impedindo que qualquer coisa ruim aconteça na Estação. Por isso que quando vemos um incêndio assim, vamos para o combate direto.
PARA SEU FILHO LER
A casa das capivaras e dos jacarés
O Taim é uma reserva ambiental que fica bem no sul do nosso Estado, entre as cidades de Rio Grande e Santa Vitória do Palmar.
A Estação Ecológica foi criada pelo governo federal em 1986, porque aquele lugar foi identificado como importante ponto de passagem de animais que viajam pelo mundo em busca de alimento e descanso.
O banhado do Taim foi formado no último evento de glaciação (derretimento das calotas polares da Terra) ocorrido há milhares de anos. Depois da inundação dos continentes, a Terra resfriou novamente o gelo, e a água regrediu do continente, deixando poças e lagos formados, como no Taim.
Lá, alguns animais e plantas ficam protegidos de ações dos homens.
Quem cuida do Taim é o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O nome é em homenagem a Chico Mendes, um homem que morreu defendendo a natureza.
No Taim moram muitos animais que não vemos pela cidade. Os mais comuns são as capivaras, os jacarés e os cisnes-de-pescoço-preto.
As plantas também são diferentes. O junco é uma delas. São como grama, que encontramos nos jardins. Mas altas, muito altas. Algumas com dois metros de altura. Aguapés, aquelas flores que aparecem na água, também são bastante comuns.
Saiba mais sobre os moradores do Taim
Capivara
Nome científico: Hydrochoerus hydrochoeris.
Maior mamífero roedor da Terra, conhecido popularmente como capincho. Pode pesar até 80 quilos. É comum em ambientes de banhado. O macho diferencia-se da fêmea por apresentar uma espécie de caroço pelado na testa.
Jacaré-do-papo-amarelo
Nome científico: Caiman latirostris
Presença comum nos fins de tarde pelos banhados do Taim, o réptil impressiona pelo tamanho - pode atingir até 2m80cm de comprimento. Alimenta-se essencialmente de peixes e moluscos.
Cisne-de-pescoço-preto
Nome científico: Cygnus melancoryphus
Uma das mais belas espécies de cisne, é comum no sul da América do Sul, vivendo nas regiões geladas do continente, de onde precisam imigrar no inverno. Prefere águas mais profundas e alimenta-se principalmente de plantas.
Natureza em risco
Burocracia e falta de estrutura impediram que incêndio na Estação Ecológica do Taim fosse extinto com rapidez
Fogo poderia ter sido apagado em dois dias caso houvesse aviões maiores para fazer combate
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