Há décadas o porto-alegrense anda em massa ao redor de um único centro que ofereça dezenas de possibilidades de lazer noturno. Lupicínio Rodrigues, um dos maiores boêmios da Capital, que nasceu e viveu na Cidade Baixa, um bairro que o ensinou a gostar de música e noite, morreu há 37 anos conhecendo apenas aquele reduto e seus arredores em Porto Alegre. Mas o que o sambista diria hoje se regressasse em busca de um point na cidade?
Observaria que a região está fechando as portas em uma hora em que, há alguns anos, seria de início de festa. Saindo em busca de novas esquinas de diversão, Lupicínio veria que no restante da cidade, rodas de chope pipocam em locais ermos há cinco anos. Poucas horas seriam suficientes para atestar: a boemia se descentralizou e se espraiou em Porto Alegre.
VÍDEO: por onde anda a boemia?Tatiana Ester, 38 anos, empresária, mora há três anos em Balneário Camboriú (SC), e fazia um ano que não regressava à Capital. Ávida para frequentar os lugares de sempre na Cidade Baixa, foi tomada pela decepção de ver bares de samba rock fechando o caixa à 1h de sábado e botecos se esvaziando antes disso. Informada sobre a ofensiva da Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic), que fechou 22 bares por falta de alvará em novembro de 2011, arrisca um palpite:
- É uma lógica de mercado: toda quebra de sequência acarreta decadência.
Estacionamentos que antes viviam lotados agora dão folga aos manobristas. No sábado passado, o relógio marcava 1h30min e os dois funcionários de um estabelecimento da Rua República amarguravam movimento pela metade.
- Que blitz, que nada. O que espantou os frequentadores foi esse monte de exigência da prefeitura. As pessoas foram procurar diversão em outros cantos - argumentava, entre bocejos, o manobrista Cléber Rodrigues, 31 anos.
Apesar de a maior parte dos bares já estar reaberta, o fantasma da Smic e do Balada Segura (operação itinerante que fiscaliza o álcool ao volante) deixam o ar sombrio na Cidade Baixa. Não tem mesa de bar em que os boêmios restantes não apontem esses como os dois motivos da desidratação local.
Era o que faltava para um fenômeno, que se desenhava discreto, estourar: a proliferação de barzinhos em pontos extremos da cidade.
Boemia de Norte a Sul
A Zona Norte, antes considerada pouco nobre, vem sendo um dos grandes focos da construção civil e atraindo um grande número de famílias e, consequentemente, jovens para aquela região. Quando Júlio André Magagnin, 48 anos, resolveu ampliar o boteco Pedrini, pensou de cara em marcar território por lá. Em 2010, inaugurou na Assis Brasil um bar com capacidade para 300 pessoas.
Nos últimos seis meses precisou duplicar o tamanho. Diferentemente do acontece com outro bar da marca - o Boteco Pedrini, com mesas internas e alvará de 24 horas na Lima e Silva. Para o local, foram contratados cinco garçons. Na noite de sábado, por volta das 2h, três já haviam sido dispensados.
Vanessa Miotti, 28 anos, está na lista dos novos clientes de Magagnin, que agora brindam no bairro Jardim Lindoia, pertinho de casa. A economia é 24 quilômetros dirigindo pela cidade, 20 minutos para chegar em casa ou R$ 60 de táxi nos dias em que resolvesse beber na Cidade Baixa.
- Em dois minutos chego no bar, sem preocupação com as blitze do Balada Segura e com uma economia absurda. Hoje é possível ver movimento e gente bonita em várias partes da cidade - comemora Vanessa.
Vislumbrando o sucesso, Julio já firmou uma parceria com o proprietário do Pinguim, outro ícone da Cidade Baixa, que deve ser inaugurado até meados do ano próximo ao triângulo da Baltazar de Oliveira Garcia.
Há oito anos em Porto Alegre, o Natalício é outra rede de bares que aposta na tendência dos novos bares da Capital: estão mais perto e fecham mais cedo, apostando mais nos happy hours. Neste fim de semana, o proprietário Eduardo Natalício Leite dos Santos, 31 anos, inaugura outro boteco com o seu nome na Avenida do Forte. A região já conta com nada menos que 60 bares, que atendem também a moradores de Gravataí e Cachoerinha.
Outro reflexo da tendência está endereçado na Avenida Teixeira Mendes, próximo ao Shopping Iguatemi. De rua pacata, em 24 meses sofreu mutação e hoje abriga pelo menos três estabelecimentos grandes.
- Já aconteceu de lotarmos e não termos onde guardar as mesas aqui da rua. Um vizinho, que já é cliente, ofereceu o pátio de casa para abrigar o material. Dia desses não tinha onde estacionar e deixei o veículo na garagem de outro vizinho - conta Gelson Larrea, 34 anos, funcionário do Boteco Tirol.
A noite em mutação
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