As Olimpíadas de Tóquio foram diferentes. Além das limitações devido à pandemia, uma série de modificações oxigenou os Jogos. As mudanças são o início de uma transformação para reavivar a chama do espírito olímpico. Para deixar o evento em maior consonância com os tempos atuais, o Comitê Olímpico Internacional (COI) criou, há sete anos, a Agenda 2020.
O documento mostra 40 ações estratégicas pensadas para modernizar o Movimento Olímpico. Credibilidade, sustentabilidade e juventude são os três alicerces da transformação. Agora, a entidade avança com a Agenda 2020+5, em um novo momento da transição.
Regido pela Carta Olímpica, os Jogos têm ideais oriundos da visão de mundo da burguesia europeia do fim do século XIX. Pouco modificado , o documento se tornou anacrônico e começa a ser remodelado para os tempos atuais. Uma delas foi a atualização do lema olímpico. Cunhado em 1894, dois anos antes da edição inaugural, recebeu a adição da palavra “juntos”. Agora, o lema é Mais Rápido, Mais Alto, Mais Forte - Juntos (Citius, Altius, Fortius - Communis, em latim).
– Essas mudanças são aspectos importantes ligados à economia e à sociedade, não apenas relacionados ao esporte. As mudanças não são por causa do COI, elas são demandas da sociedade – enfatiza Lamartine DaCosta, professor da UERJ e curador do eMuseu do Esporte.
Tóquio 2020 apresentou-se mais aberta ao diálogo com a sociedade. Questões forçadamente silenciadas ganharam os holofotes. Os atletas deixaram de ser "meros" executores de suas habilidades físicas. Ao liberar manifestações de cunho político e social, o COI coloca os grandes nomes do esporte como mensageiros explícitos dos valores olímpicos.
Acentuou-se a busca pela igualdade de gênero. A meta é que em Paris, em 2024, haja a mesma quantidade de homens e mulheres. No Japão, elas foram 49% dos competidores — nos Jogos Olímpicos da Juventude já há igualdade total. O número de provas mistas está em franco crescimento. A cerimônia de abertura, cartão postal do evento, destacou a diversidade e a inclusão. Os refugiados começaram a ganhar mais espaço, foram 29 atletas em Tóquio. Ainda há muralhas a serem transpostas, como a maior inclusão de atletas transgênero (somente duas competiram em 2021).
– O COI tem as ferramentas necessárias para abrir lugar em favor de assuntos como paz e discriminação. Mas o Movimento Olímpico, por ser mundial, é muito complexo. As sociedades têm visões diferentes sobre essas questões. É preciso controlar isso – argumenta Cesar Torres, doutor em filosofia e história do esporte e docente da Universidade do Estado de Nova York.
Custo precisa ser mais baixo
O aumento da credibilidade do Movimento Olímpico também está vinculado à viabilidade econômica das Olimpíadas. Nesse aspecto, Tóquio encerra um ciclo. O sucesso agigantou os Jogos a um ponto que ficou difícil de sustentá-lo. O primeiro passo foi basear a organização das Olimpíadas em eventos e não mais na quantidade de esportes. Foi inserido um número limite de atletas (10,5 mil) e de cerimônias de premiação (310).
Com o alto valor necessário a ser desembolsado para ser sede olímpica, o COI viu o número de interessados em receber o evento minguar. Aos poucos, as cidades escolhidas veem o sonho de ser sede virar uma aventura de alto risco que, por fim, se transforma em um fardo a ser carregado por muitos anos.
Somente para apresentar uma candidatura sólida gasta-se entre 100 e 200 milhões de dólares. Além de não gerar um lucro financeiro, o legado passou a ser negativo, com a construção de uma manada de elefantes brancos com elevado custo de manutenção. Nos últimos anos, diversas candidaturas foram abandonadas, seja por iniciativa dos governantes ou por pressão social.
– Só há uma saída, que é ter uma cidade permanente para não ficar precisando construir. Os Jogos são um evento esportivo, não uma competição de construção. Já há um entendimento de que o modelo atual não funciona – sugere o economista Andrew Zimbalist, autor de diversos livros relacionando a economia e os Jogos Olímpicos.
A sugestão não é uma novidade. Os Jogos da Antiguidade, inspiração para o evento atual, eram realizados sempre em Olímpia, na Grécia. No jantar em homenagem aos atletas na primeira edição das Olimpíadas da Era Moderna, em 1896, o rei grego George I, em seu discurso, manifestou o desejo de que Atenas recebesse para todo sempre o evento. Idealizador das Olimpíadas e presidente do COI à época, o Barão Pierre de Coubertein fez ouvidos moucos e colocou em prática o plano de realizar uma competição itinerante.
Desde os anos 1960, somente uma edição teve superávit e todas excederam o orçamento inicial projetado. O gasto final é, em média, 150% maior do que o projetado inicialmente na construção da candidatura, segundo levantamento do economista americano Robert Baade. O primeiro alerta da necessidade de enxugar os gastos foi dado em 1976. Os Jogos de Montreal geraram uma dívida que só foi quitada 30 anos depois. O prejuízo canadense somado à execução de atletas israelenses quatro anos antes, em Munique, afastaram pela primeira vez os interessados.
A situação voltou a se repetir recentemente. Temendo passar pelo constrangimento de não ter candidatos para os Jogos de 2028, o COI definiu de uma única vez Paris e Los Angeles como sedes de 2024 e 2028, respectivamente. As cidades foram as únicas a darem prosseguimento para receber as próximas Olimpíadas.
Agora, o órgão envia cartas convites às cidades. Dentro do novo modelo, Brisbane foi anunciada como sede olímpica de 2032. A medida reduz o custo das candidaturas e concede ao anfitrião mais tempo para se preparar. Porém, o sistema e os critérios de escolha ficaram menos claros. Desde março, a cidade australiana negociava com exclusividade a sua efetivação como sede olímpica.
O que muda em Paris 2024
A dieta financeira das Olimpíadas começa por Paris. O orçamento está na casa dos 4 bilhões de dólares – cerca de um quinto da estimativa do preço final dos Jogos do Rio de Janeiro e de Tóquio. Porém, já houve uma mudança do projeto inicial com a decisão de erguer uma nova Vila Olímpica, uma das poucas instalações permanentes a ser construída.
Os organizadores pretendem apresentar um modelo que conecte mais a cidade aos Jogos. Cartões postais serão palco de diversas competições. A cerimônia de abertura ocorrerá às margens do Rio Sena. A maioria das competições será em até 10 km da Vila.
– O projeto dos Jogos deve se adequar aos projetos da cidade e dos seus países, e não o oposto – ressalta Otávio Tavares, professor da Universidade Federal do Espírito Santo e especialista em estudos olímpicos.
As medalhas terão uma novidade. Serão confeccionadas podendo ser divididas em quatro partes, dando ao medalhista a chance de compartilhá-la com quem fez parte de sua jornada.
A intenção francesa é realizar um evento ecologicamente mais sustentável. Medidas nesse sentido chamaram atenção em Tóquio. A começar pelas camas de papelão na Vila Olímpica. As medalhas e os pódios das cerimônias de premiação foram feitos de material reciclado de cerca de 79 toneladas de aparelhos eletrônicos. Tornar as Olimpíadas mais sustentáveis é percebido como um modo de atrair a parcela do público jovem engajada em questões ambientais.
– Há um monte de moleque que adora jogos eletrônicos, e uma faixa etária que gosta de atividade de contato com a natureza. É um pouco contraditório até – aponta Tavares.
Los Angeles 2028 pode ser novo paradigma do evento
Los Angeles é um caso à parte na história olímpica. Um dos principais polos do esporte americano, tanto profissional quanto universitário, a cidade da Califórnia tem toda a estrutura para receber os Jogos sem precisar erguer um único prédio novo. Essa é a promessa. Será a terceira vez que a principal metrópole da costa oeste dos EUA abrigará o evento e, novamente, deve servir como novo paradigma. As Olimpíadas de 1984 foram as únicas a gerar lucro (cerca de US$ 250 milhões).
Como única interessada a receber os Jogos naquele momento, após os problemas em Munique 1972 e Montreal 1976, a cidade teve maior poder de negociação. Os dividendos gerados voltaram a atrair interessados.
– Se der certo em Paris e Los Angeles, podemos começar um outro ciclo de interesse de países com poucas condições que serão atraídos pelo lucro. Se der errado nesses lugares, teremos que encontrar alternativas. A regionalização pode ser uma alternativa – avalia o economista Robert Baade, especialista em finanças olímpicas.
A mudança do perfil dos interessados não é inédita. Até 1996, 82% das candidaturas eram de cidades em países desenvolvidos, 10% em países em desenvolvimento e 8% do leste europeu. A partir de 2000, o cenário foi outro. Os países em desenvolvimento eram 44% dos interessados em receber as Olimpíadas. As nações desenvolvidas representaram 49%, e 7% dos interessados eram do leste europeu.
Uma candidatura regionalizada, com mais de um país recebendo os Jogos, já é aceita pelo COI. Esse é considerado um caminho que também pode deixar o evento mais sustentável.
– É preciso diminuir o tamanho dos estádios. O fluxo de pessoas em um mesmo lugar também é um grande problema. Dividir em duas cidades vai espalhar as pessoas e as modalidades. Mas a sustentabilidade tem um grande inimigo, que é a política, que gosta de coisas grandes, que aparecem. Sustentabilidade é sinônimo de coisas pequenas, que funcionam – avalia Da Costa, um dos organizadores do livro Reinventando o Esporte e os Jogos Olímpicos após Covid-19: Retorno a Pierre de Coubertin.
Atrair os jovens é um grande desafio
Duas vertentes da juventude tentam ser atingidas para rejuvenescer o programa olímpico. O foco está em trazer para o evento esportes urbanos e também os conectados com a natureza. Para Tóquio 2020 ingressaram na programação karatê e beisebol/softball (por serem populares no país), além de skate, basquete 3x3, surfe e escalada. Para Paris, a grande novidade será o ingresso do breakdance, incluído nos Jogos Olímpicos da Juventude de 2018. A intenção francesa era inserir o parkour, espécie de corrida em que se ultrapassam obstáculos urbanos, mas a sugestão não vingou.
A tríade de iscas para fisgar a juventude se fecha com os e-Sports.
– Percebemos uma mudança da nova geração que não tem um engajamento tão expressivo quando se fala em treinar para se tornar atleta. Não é mais natural que essa geração se atraia para assistir a final dos 100m rasos. Com a pandemia, houve um avanço do entendimento do potencial dos esportes virtuais – observa Luis Henrique Rolim, professor do Grupo de Pesquisa em Estudos Olímpicos da PUCRS.
O grande desafio é descobrir como transformar os jogos eletrônicos de inimigo em aliado. O formato ainda não está claro. Uma possibilidade é criar um evento associado aos Jogos, mas que seja realizado em um outro momento, como os Jogos Paraolímpicos. Outra opção é transformar os e-Sports em modalidade olímpica.
A primeira alternativa está sendo testada. Entre maio e junho foi disputada a primeira edição da Olympic Virtual Series. O modelo teve a criação de jogos únicos, desenvolvidos por federações internacionais. É improvável que grandes games que fazem sucesso sejam utilizados.
– Jogos com bombas, tiro e mortes não são adequados ao programa olímpico. É preciso ter jogos próximos do ideal civilizatório do esporte. Nos Jogos, por exemplo, as lutas que fazem parte do programa não visam a ruína física do oponente – lembra Tavares.
Dentro do molde, também há mais dois caminhos que podem ser trilhados, com a utilização de jogos eletrônicos (como os jogados em casa) ou esportes virtuais (em que há a simulação de uma atividade física).
– O caminho é incluir a juventude através do meio eletrônico. A ideia é criar novos influencers. Jogos que simulam o que é um esporte não se afastam tanto do propósito de um movimento olímpico – enfatiza Rolim.
Brasil inicia planejamento para a edição de 2024
O Comitê Olímpico do Brasil (COB) já está mobilizado para a próxima edição das Olimpíadas. A entidade fez duas viagens para a Europa e fará nova visita em outubro para escolher uma base de treinamento para os atletas brasileiros. O provável é que Portugal seja o local escolhido.
– Essa deve ser nossa base-mãe na preparação que antecede os Jogos. Durante o evento, teremos também uma base em Paris dando suporte aos atletas – afirmou Jorge Bichara, diretor de esportes do COB após o termino da participação brasileira em Tóquio.
Parte dos equipamentos utilizados no Japão nem voltará ao Brasil, indo diretamente para a França com antecedência.