O ex-tenista Gustavo Kuerten, 43 anos, falou sobre as emoções, dificuldades e dedicação na trajetória entre sua estreia como profissional em 1995 até se tornar o melhor tenista do mundo em 2000. Guga concedeu, nesta segunda-feira (8), entrevista coletiva em vídeoconferência para relembrar os três títulos em Roland Garros, conquistados em 8 de junho de 1997, 11 de junho de 2000 e 10 de junho de 2001.
Exatos 23 anos depois da primeira final, ele conta que entendeu ao longo das fases iniciais que não precisava se esgotar fisicamente em partidas menos difíceis. Bem humorado, o ex-tenista diz que, então com 20 anos, as jogadas mais complexas o deixavam mais satisfeito, mas que elas exigiam alto desgaste quando ele enfrentava adversários com o braço mais forte que o seu. “Percebi que com 70% dá para ganhar partida”, comentou Guga.
Por outro lado, precisou usar toda sua chamada “caixa de ferramentas” de jogadas e “artimanhas táticas, técnicas e físicas” para derrotar Kafelnikov, seu maior rival, então número 3 do ranking, nas quartas de final de Roland Garros em 1997. O diferencial, porém, vinha do apoio da torcida, faixas de incentivo e da motivação interna.
— Quando entra coração e a emoção de um atleta que já está jogando em nível de melhor do mundo, ninguém segura. Não importa se está cansado, se está tropeçando, tudo isso fica para trás, ele vai vencer — ressalta, apontando vitórias sobre o russo como fundamentais para Guga ganhar confiança e buscar os três títulos na França:
— Em 1997 ele ia ganhar com a mão nas costas, estava jogando muito. Nas quartas, ele jogou melhor que eu. Mas “tirando coelho da cartola” fizemos ser suficiente. Enrolamos e, no final, o jogo escapou das mãos dele. Ele já tinha ganho e acabou entregando. Eu busquei a chance, empacotei o jogo e levei pra casa.
Guga define o primeiro título como o seu "nascimento para o tênis mundial". Em 2000 conquistou o segundo. A final contra o sueco Magnus Norman durou 3 horas e 44 minutos. Ele perdeu o ponto que lhe daria o título — o chamado matchpoint — 11 vezes. A bola do seu segundo Grand Slam levou 50 minutos para cair depois da primeira chance que o brasileiro teve para matar o jogo.
— Aquela quase uma hora extra foi vencida no coração. Eu achava que tava pertinho. Se eu soubesse que duraria uma hora, não teria aguentado. Isso que é o fascinante do ser humano: às vezes nos assustamos com algo possível. O susto impede mais a ação do que qualquer circunstância da realidade — avaliou.
A façanha colocou Guga na história como o primeiro tenista latino-americano a encerrar o ano como líder do ranking. No ano seguinte, 2001, sagrou-se bicampeão consecutivo do maior torneio de tênis em quadra de saibro.
Idolatria
Perguntado se reconhecia-se causador de equivalente impacto cultural e comercial que Michael Jordan teve no basquete para os estadunidenses, Guga reconheceu o efeito e importância da própria contribuição ao patriotismo no Brasil. Fugindo da comparação com o seis vezes campeão pelo Chicago Bulls, o tenista preferiu colocá-lo no mesmo patamar de outro herói brasileiro que também foi exemplo para ele.
— Jordan era um cara que fazia a gente acreditar no impossível. Isso é uma relação que eu conseguia através do Jordan, assim como eu conseguia antes através do Senna, mesmo depois do acidente. Aquela sensação que dá pra fazer o que ninguém acredita, que lá no fim, tem como — reverenciou Gustavo Kuerten, sem descartar a chance de também produzir um documentário sobre a carreira.
— Eu nunca tinha pensado em fazer um livro, e ele já está pronto há alguns anos. Preciso pensar um pouco mais sobre isso.
Política
Guga é integrante do movimento "Esporte pela Democracia", lançado na última quinta-feira (4) por atletas que mobilizam-se a favor da constituição federal. Morador de Florianópolis, capital que está há um mês sem óbitos por covid-19, o ex-tenista acredita que os brasileiros têm vontade de melhorar o país, porém conflitos e comunicação conturbada impedem que exploremos o potencial do Brasil.
— O país vive um processo de criação da democracia que ainda infelizmente não existiu. A gente pode chamar de pseudodemocracia que traduzindo é a votação direta, mas quando que a gente sentiu o povo, mesmo, no poder, em todas as instâncias? Representado e abraçado pelos seus governantes, quando? — questionou, e declarou:
— Essa esperança de fazer um pouco mais pelo nosso país, deixar as situações mais justas ou pelo menos decentes, ela é comum a todos. Precisa ser cultivada, exercida e defendida pelo nosso país por todas as vozes, não só o atleta.