Ele tem 77 anos e um rosto emoldurado por uma barba branca primorosamente aparada. A simpatia e o amor pelos sonhos é digna de Papai Noel, mas o corpo magro e jeito descolado deixa claro que ele é bem mais brasileiro que o velhinho gordo de vermelho. Luiz Schirmer é médico reformado pelo exército brasileiro e atende em uma clínica em Canasvieiras, na cidade de Florianópolis. Mas a intensidade de sua vida está mesmo a 3 mil metros de altura, em queda-livre com o vento penteando sua barba e zunindo nos ouvidos. Mineiro de nascença, e catarinense por paixão há 28 anos, é o paraquedista mais antigo da América do Sul.
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Neste domingo, Schirmer terá os pés no chão e a cabeça nas nuvens enquanto carregará a tocha olímpica por 200 metros, na Avenida Beira Mar, em Florianópolis. Essa será mais uma história de vida do senhor que nasceu em Belo Horizonte, morou na rua no Rio de Janeiro, se alfabetizou no exército com 18 anos, foi paraquedista militar, virou médico, viu a morte de perto e segue vivo. Muito mais vivo, feliz e agradecido que muito jovem.
– Não há segredo. É o que todo mundo sabe, mas pouca gente faz: comer bem, não fumar, beber pouco e não ter estresse. Amar a vida, fazer o que gosta e praticar esportes. Buscar o que te torna feliz – conta com simplicidade.
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Catarinense por escolha
Luiz Schirmer escolheu morar em Santa Catarina pela beleza e qualidade de vida do Estado. O paraquedista que soma mais de 3800 saltos em quase 60 anos de carreira já despencou pelos céus da Austrália, Nova Zelândia, Bélgica para citar os primeiros países que o aventureiro se lembra. Mas sobre o lugar mais bonito é objetivo na resposta:
– Aqui em Imbituba é muito lindo. Tem a mata verde, a lagoa de Ibiraquera, a praia, as ilhas, o mar o horizonte com morros. É o lugar mais lindo – conta o atleta filiado ao clube de paraquedismo SkyZimba, em Imbituba.
Schirmer é clínico-geral e no verão atende turistas argentinos no Norte da Ilha de Santa Catarina. No tempo livre, viaja para Imbituba onde pratica paraquedismo. A média é de 100 saltos por ano e garante que todos são diferentes.
Mas antes de viver em Santa Catarina, Schirmer acumulou muitas boas histórias. Ainda com 17 anos, viu um oficial do exército pregar um cartaz informando que procuravam-se paraquedistas voluntários. Analfabeto, soube disso ao perguntar para o oficial o que estava escrito. Poucos dias depois, foi fazer o alistamento, mas era magro demais. Faltaram algumas gramas para chegar aos 60 kg obrigatórios.
– Fui a um armazém. Pedi para comer umas bananas que me deram. Comi uma penca. Tomei um monte de água e fui novamente para fila. Passei – conta sobre como ingressou ao exército.
Logo aprendeu as técnicas de salto de paraquedas em um curso intensivo do exército e foi para a aula prática. O dia que fez seu primeiro salto foi também o primeiro dia que entrou em um avião de verdade, em 1957.
Três anos depois, se reuniu com outros colegas para organizar a União Brasileira de Paraquedismo, que mais tarde se tornou a Confederação Brasileira de Paraquedismo. Desse processo, Schirmer guarda consigo a carteirinha de paraquedistas número 002. O segundo registro de uma lista que hoje conta com mais de 80 mil nomes. Entre os colegas de profissão da época estava Senor Abravanel, também conhecido como Silvio Santos.
– Há paraquedistas mais velhos que eu, mas com certeza sou aquele que está há mais tempo em atividade – garante.
Ainda no exército, o adolescente pobre e analfabeto virou paraquedista, estudou e se tornou médico pela Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Agora dá exemplo de como levar a vida.
O dia que achou que iria morrer
Foi em 2011 quando Luiz Schirmer achou que iria morrer. Depois de fazer alguns saltos no interior de São Paulo, onde a altitude do solo era 600 metros, voltou ao litoral. Porém ele esqueceu de regular o paraquedas reserva para a nova altitude, de zero metros. Resultado: a 1400 metros do solo, o paraquedas principal e o reserva se abriram juntos. Se enrolaram e não mais frearam a queda de Schirmer.
Despencando pelo céu azul de Governador Celso Ramos, ele tentou primeiro liberar o paraquedas principal na esperança que o reserva se organizasse. Sem sucesso, ele seguia rumo ao solo em uma velocidade de quase 80 km/h, rodopiando. Achou que aos 71 anos, não escaparia vivo. Lembrou das sua mulher, filhos e netos.
Mas ao chegar no solo, antes tocar a terra, bateu lateralmente em um palanque de uma cerca de arame farpado. Quebrou o toco, caiu ao chão, gemeu de dor e olhou para a câmera.
– Quebrei algo, a bacia eu acho. Mas estou vivo. Sobrevivi – soube dizer.
O dia que viveu eternamente
Um ano antes de quase morrer, Schirmer voltava de Criciúma, onde fez alguns saltos com quatro amigos. Ao ver que sol se punha no horizonte, o grupo decidiu saltar novamente do avião, sobre a cidade de Garopaba.
- Eram 17h30min quando saltamos. Logo que entramos em queda livre fizemos uma formação de círculo e nos damos as mãos - os quatro, um de frente para o outro, girando lentamente, voando. Quando fiquei virado para o Oeste vi o Sol, enorme como uma bola laranja no horizonte. Tudo era laranja. Os morros, as lagoas, tudo alaranjado e aquele círculo enorme ao fundo. Mas não parou por aí - segue Schirmer, salivando para seguir a história.
– Giramos mais um pouco e para minha surpresa ao leste, sobre o oceano estava a lua cheia nascendo. Era um horário perfeito e lá de cima era possível ver isso tudo. A lua deixava um traço prateado no mar que se misturava ao laranja do sol próximo à praia. E nós quatro, amigos, girando lentamente. Era impressionante aquele momento – continua a contar criando um pequeno filme na mente de quem ouve.
– Tudo ficou ainda mais incrível quando mais perto do solo vi um ponto preto. Eu sabia que ela estaria me esperando, ali à beira da praia, na areia. Vi aquele pontinho preto, e o dia sem ventos permitiu que eu guiasse o paraquedas até ela. Encostei os pés no solo alguns metros antes, corri por alguns metro pelo embalo e ela me recebeu de braços abertos com um beijo. Era a minha garotinha de 69 anos – encerra Schirmer sobre como foi recebido pela sua esposa, após o mais lindo salto de sua vida.