O ano de 2016 foi pesado para a torcida do Inter. Logo em fevereiro, D’Alessandro anunciou em uma entrevista emocionada que estava de saída, emprestado ao River Plate — clube que o revelou para o futebol. Coincidência ou não, sem o seu capitão, o time colorado rolou ladeira abaixo e viveu o primeiro rebaixamento de sua história.
Assim, enquanto o meia conquistava os títulos da Recopa Sul-Americana e Copa da Argentina sob o comando de Marcelo Gallardo, o Beira-Rio afundava em uma crise administrativa que se tornaria caso de investigação no Ministério Público. Com a queda para a Série B, havia dúvidas sobre a possibilidade de o jogador, de alto salário e nível técnico, se dispor a atuar na segunda divisão brasileira. Mas, ao final daquele ano, após um clássico com o Boca Juniors, o próprio camisa 10 tratou de anunciar:
— Estou voltando para o Brasil. Acaba o meu empréstimo em dezembro. Existe um tema contratual com o Inter que eu tenho de cumprir — disse ele, em Buenos Aires.
Era meio caminho andado, mas faltava firmar este acordo. Em dezembro de 2016, o mandato de Vitorio Piffero chegava ao fim, e a eleição presidencial reconduzia ao clube dois velhos conhecidos do jogador: Marcelo Medeiros e Roberto Melo, responsáveis por comandar o departamento de futebol colorado em 2013 e 2014.
— Participei de duas renovações de contrato do D'Alessandro. Em 2014, renovamos por três anos. Então, em 2016, quando ele saiu para o River Plate, tinha mais um ano de contrato conosco. Quando vencemos a eleição, entramos em contato para ele voltar. Temos uma boa relação. Fui na casa dele várias vezes, e ele, na minha. Havia mais um ano de contrato para cumprir, mas ele poderia dizer que não queria voltar, assim como outros atletas disseram para nós que não queriam jogar a Série B. Mas ele não pensou duas vezes — revela Melo, sobre o período em que assumiu como vice-presidente de futebol.
Desde 2014, o argentino organizava um evento beneficente, intitulado Lance de Craque, que reunia grandes jogadores no Beira-Rio e arrecadava fundos para entidades da Capital. Em 2016, não foi diferente. No mesmo dia em que anunciou a terceira edição do jogo amistoso, D'Alessandro aproveitou a estadia em Porto Alegre para conversar com os dirigentes colorados.
— No hotel Laghetto, sentamos com o seu empresário, com quem também tenho boa relação, e acertamos o seu retorno. Não foi difícil. Ele queria, mesmo sabendo que jogaria a Série B. Queria ajudar o clube, até por confiar em nós — comenta o ex-dirigente.
Ele poderia dizer que não queria voltar, assim como outros atletas disseram que não queriam jogar a Série B. Mas ele não pensou duas vezes
ROBERTO MELO
ex-vice presidente de futebol do Inter
A volta de D'Alessandro foi motivo de festa para os colorados, que compareceram em peso no aeroporto Salgado Filho. Para retribuir o carinho, o argentino se aproximou das grades do estacionamento, apertou as mãos das pessoas, distribuiu autógrafos e até tocou um bumbo da torcida organizada.
Porém, na abertura da temporada, bastaram algumas partidas para que ficasse evidente a percepção de que o momento era completamente diferente. Treinado por Antônio Carlos Zago, o Inter perdeu a final do Gauchão, nos pênaltis, para o Novo Hamburgo. E, com um time modesto, estreou na Série B contra o Londrina, no interior paranaense. O primeiro gol da campanha, aliás, foi anotado pelo camisa 10.
— Tivemos de montar um elenco todo novo. Se for pegar o time do primeiro jogo de 2017, era muito diferente do que terminou o ano. Não tínhamos dinheiro, e ele teve uma importância muito grande no contexto todo, mas principalmente dentro do vestiário. Ele é uma liderança, é respeitado, reconhecido por todos. Seria bom se tivéssemos cinco D'Alessandros. Não só pela qualidade técnica, mas por assumir esse papel de liderança positiva, e isso foi fundamental — comenta Melo.
Em uma campanha acidentada, terminando em segundo lugar, o Inter voltou à elite do futebol nacional. Em 2018 e 2019, o Colorado voltou a render em alto nível. Mas D'Alessandro passou a experimentar algo que ainda não havia vivenciado no Beira-Rio. No modelo de jogo implantado pelo técnico Odair Hellmann, a equipe passou a render melhor ao apostar em um meio-campo com três volantes, que investia nos contra-ataques. Assim, o argentino foi parar no banco de reservas em muitos jogos.
Mesmo se tornando uma alternativa para o segundo tempo, o camisa 10 não perdeu o status de liderança do vestiário. Um episódio que escancarou este papel, na opinião de Roberto Melo, se deu na decisão da Copa do Brasil, contra o Athletico-PR.
— Ele fez muita falta na final. Fizemos o primeiro jogo em Curitiba e depois fomos jogar em Minas Gerais com o time reserva. Quando estávamos no hotel, em Belo Horizonte, veio a notícia de que o D'Alessandro havia se lesionado em um treino, aqui em Porto Alegre. Isso abalou a questão psicológica do grupo. Ele é uma liderança para os atletas, principalmente os mais jovens. A maioria ali nunca tinha jogado uma final, mesmo os jogadores mais experientes, como o Cuesta. E ele tinha vencido campeonatos importantes, disputado decisões. Então, fez muita falta dentro de campo, mas também pelo aspecto que envolve o vestiário — sentencia o ex-vice de futebol.
Em sua última temporada no Beira-Rio, o meia de 39 anos perdeu totalmente o protagonismo. Apesar de ser comandado pelo amigo Eduardo Coudet, viu sua presença em campo escassear. Dos 55 jogos disputados até aqui, foi titular em apenas 15, o que motivou em parte sua decisão de não renovar com o Inter.
Mirando o que fazem Enzo Francescoli e Marcelo Gallardo no Monumental de Núñez, D'Alessandro começou a pensar no pós-carreira. Além de realizar o curso de treinador a distância da Associação Argentina de Futebol (AFA), passou a conversar com os dirigentes colorados sobre as funções.
— Ele conversou comigo, com o Rodrigo Caetano. Mas penso que ele tem de ser treinador. Tem todos os pré-requisitos, não só por ser atleta e ter jogado em grandes times, mas por ter uma liderança nata, ser muito inteligente. É só uma questão de oportunidade. Em cinco anos de trabalho, pude presenciar o quanto ele é profissional. Era o primeiro a chegar, cobrava performance dos companheiros e às vezes acabava sendo até chato, no bom sentido. Cobrava os outros, queria vencer sempre. Nunca gostou de atletas acomodados. De todos com quem eu trabalhei, era o que tinha mais dificuldades para aceitar a derrota — avalia Melo. — Tenho certeza de que ele vai voltar um dia — conclui o ex-dirigente colorado.