O Guarani que enfrenta o Inter neste sábado é um clube que saiu do coma. Há três anos, agonizava: suas dívidas trabalhistas somavam R$ 100 milhões, os jogadores, com cinco meses de salários atrasados, estavam em greve e os funcionários não viam a cor do dinheiro havia oito meses. Sem alvará, o Brinco de Ouro estava interditado, e o clube mandava os jogos em Bragança Paulista, a 60 quilômetros de casa. O saldo de tudo isso era a borda da zona de rebaixamento da Série C a cinco rodadas do final. O tombo para a Série D seria o nocaute do campeão brasileiro de 1978.
O cenário parecia tão irreversível que o presidente Álvaro Negrão renunciou por carta. Foi quando a cadeira ficou vaga para Horley Senna, candidato de oposição derrotado em três eleições seguidas. Ele e seu grupo político, formado por jovens empresários e advogados, assumiram e tiveram menos de 12 horas para agir.
- O presidente anterior havia pago os salários com cheque pessoal sem fundos. Entramos no vestiário, e os jogadores estavam em greve. Nos deram 12 horas para pagar, ao menos, um mês de salário. Arrecadamos recursos e não pagamos um mês, mas três. Ali começou a virada - conta Palmeron Mendes Filho, que sucedeu Horley no cargo em abril e integrava a direção na época.
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O renascimento do Guarani está totalmente vinculado ao Estádio Brinco de Ouro da Princesa. Encravado no Jardim Guarani, região nobre de Campinas, foi avaliado pela Justiça Federal em R$ 480 milhões. Em 2015, a Maxion Empreendimento Imobiliários, empresa do gaúcho Grupo Zaffari, arrematou o estádio por R$ 105 milhões, valor suficiente para quitar as dívidas trabalhistas.
O Guarani, no entanto, travou batalha judicial e anulou o leilão. Apresentou na Justiça do Trabalho contrato de parceria com a Magnum, antiga patrocinadora do clube. Nele, entregava a área do estádio em troca da quitação das dívidas trabalhistas, da construção de uma arena para 12 mil mil pessoas, de um CT e de uma sede social. Além disso, a Magnum depositaria R$ 350 mil mensais até a troca das chaves dos estádios.
A parceria deu fôlego para seguir em atividade. Os resultados de campo apareceram, porém, apenas a partir de 2016, com o acesso à Série B. Hoje, as dívidas trabalhistas são de R$ 19 milhões. O Brinco de Ouro, onde o Guarani receberá o Inter neste sábado, passou por reformas. O gramado foi trocado, e o tobogã recebeu ajustes estruturais, o que permite público de até 20 mil pessoas no estádio.
As obras da nova casa ainda não começaram. Tampouco do CT e da sede social. Mas o clube está seguro. Só haverá a troca de chaves quando tudo estiver pronto. O Brinco de Ouro dará lugar a torres comerciais e residenciais.
Enquanto esse dia não chega, a direção trabalha para concluir o "Projeto 2020": estar na Série A do Brasileirão e numa competição sul-americana em 2020. Para os atuais padrões do clube, é ousado. A última vez entre os grandes do país foi em 2010.
Antes disso, no entanto, o Guarani precisa recuperar seu lugar na elite paulista. Há quatro anos, o Guarani patina na Série A-2. O clube admite erros na largada de 2017. Vadão chegou apenas em março e não alcançou a vaga nas semifinais. Técnico da seleção feminina até a Olimpíada, ele está em casa. Esta é sua quinta passagem pelo Guarani. Neste sábado, completa 201 jogos pelo clube e fica atrás apenas dos lendários Zé Duarte e Carlos Alberto Silva. Foi com Vadão que o Guarani sorriu nos últimos anos, com os vices da Série B, em 2009, e do Paulistão em 2012.
- Vivemos um momento de transformação. O clube ainda está carente de estrutura. Inclusive, tivemos reunião com o presidente hoje (quinta-feira) para discutir isso. Sabemos que não há dinheiro sobrando. Primeiro, é preciso pagar as dívidas - diz Vadão, engajado no projeto do clube.
O Guarani chegou a liderar a Série B. Mas está sem vencer há cinco rodadas - empatou três e perdeu as últimas duas partidas. O quinto lugar não assombra Vadão. Ele aposta na volta de atacantes. Rentería chegou há três semanas, perdeu peso e ficará no banco. Veio de graça. Como boa parte dos contratados. O presidente Palmeron comemora o auxílio de clubes da Série A, que emprestam jogadores e, em alguns casos, bancam o salário. O Cruzeiro, por exemplo, cedeu o atacante Rafael Silva e o meia Luiz Fernando, o Palmeiras, o goleiro Vágner e o meia Juninho.
A solidariedade permite viver com orçamento de R$ 1,2 milhão mensais, suficiente para bancar a folha de R$ 850 mil - incluindo funcionários. A reconstrução, diz Palmeron, é lenta. Por isso, comemora cada avanço. Um deles, a fidelidade do quadro social, hoje de 5,5 mil bugrinos. O jogo deste sábado é a chance de mostrar que seu Guarani não se esqueceu de ser grande. Mesmo que o adversário viva realidade diferente.
- Só o Damião paga nossa folha - sorri Palmeron, um dos homens que ressuscitaram o campeão brasileiro de 1978.