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Quando o planeta Vênus brilha no céu, ainda à noite, recebe o nome de Estrela-d'alva, apelido do Estádio Antônio Magalhães Rossel, casa do Guarany-Ba. Foi-se o tempo em que, quando o segundo planeta do sistema solar despontava no céu de Bagé, Luis Ely estava em pé para iniciar a lida no quarto estádio mais antigo do Brasil. O passar dos anos derrubaram a necessidade. Há momentos que "ai" de quem incomodá-lo antes da hora.
Morador do Estrela D’Alva, Seu Luis ainda não tinha deixado o seu quarto quando a equipe do Grupo RBS chegou, em uma manhã de segunda-feira, feriado em Bagé. Quem iria acordá-lo? Dois funcionários foram juntos, queriam dividir uma possível bronca. Minutos depois, em passos curtos, ele surge solícito e disposto a contar suas histórias. Impossível pensar que aquele simpático senhor de 75 anos repreenderia alguém.
São 55 anos vivendo o Estrela D’Alva, o Guarany, o futebol. Provavelmente o funcionário mais antigo do futebol gaúcho. Quiçá do Brasil? Pouco importa.
— É muito grande, né? Esse tamanho, esse espaço de tempo. Vim para uma coisa, para um tempo definido. Sinceramente, eu não dava bola que ia ficar aqui no Guarany até agora.
O que importa é que o que começou por acaso se transformou em uma vida inteira. O que era para ser uma semana, viram duas, três…55 anos.
— Eu vou passar aquela semana e vou embora — pensou.
Nas curvas do futebol, o que começa por acaso se transforma em uma vida inteira. A trajetória teve início em 1970, na rouparia, após o responsável pelos uniformes sair do clube. Passada a semana, entregou a chave e se despediu.
Os dirigentes olharam o trabalho feito por Seu Luis. Aquela confusão de chuteiras, calções, meias, camisas se dissipou. Ficou tudo organizado. Foram atrás dele. E assim a relação teve seu pontapé inicial.
Vim para uma coisa, para um tempo definido. Sinceramente, eu não dava bola que ia ficar aqui no Guarany até agora.
LUIS ELY MIRANDA
Oportunidade para sair não faltou. Seu compromisso com o Guarany se eternizou. A fidelidade com o clube falou mais alto.
Nesse tanto de tempo fez de tudo, como muito dos abnegados funcionários do mundo da bola. Trabalhou na lavanderia, na cozinha, cuidou do campo. Se multiplicou pelo Índio (apelido do Guarany).
Alta popularidade
Em cinco minutos no estádio, se vê que Tato Moreira, presidente do Guarany, tem sorte. Não por ocupar o cargo mais alto do clube ou por ter Seu Luis como funcionário, mas por não tê-lo como adversário em uma eleição. Não tem quem não o cumprimente enquanto circula pelo Estrela D’Alva. Todos trocam um abraço, uma conversa fiada. Não há quem não interaja com ele.
— Para mim, o trabalho é a postura da pessoa, é fazer tudo, porque está todo mundo pegando, todo mundo se ajudando. É como eu digo, todo mundo se ajudando vai (para frente). Agora, se não se ajudar, querer fazer só o seu, aí fica difícil — filosofa.
Simpatia, simplicidade, popularidade, conhecedor de cada canto do estádio, faz-tudo, morador. As características também o deixam com um alvo na hora de resolver problemas. Ele é o primeiro a ser chamado, principalmente em horários incomuns.
— É meio de xarope. Porque quando menos se espera, estão ali, chamando. Agora mesmo de manhã, foram lá me chamar, porque tinha uma entrevista. E ele (o funcionário) foi lá porque eu tenho a chave da secretaria. Primeiro sou eu quem sou incomodado. Dizem, “Vai lá e fala com o Luis, pede pro Luis que ele tem a chave de tal lugar”.
Branco, o lateral do tetra
Seu Luis sentou na beira do campo para conceder a entrevista. Enquanto divagava sobre as mais de cinco décadas de história no Guarany, dois guris jogavam dentro da grande área. Um deles vestia uma camisa do Guarany, número 6, com o nome de Branco estampado a parte de cima das costas. O lateral-esquerdo campeão do mundo em 1994 é o filho mais famoso do Guarany.
Para mim, o trabalho é a postura da pessoa, é fazer tudo, porque está todo mundo pegando, todo mundo se ajudando. É como eu digo, todo mundo se ajudando, vai
LUIS ELY MIRANDA
Branco só deve ter dado mais trabalho aos goleiros nas cobranças de falta do que para o Seu Luis. Ele garante que parte dos cabelos brancos são culpa de Branco.
— Vou te dizer, ele era danado. Ele me puxou uns cabelinhos brancos. Era um gurizão. Gente boa. Mas é aquele problema que tu sabe que jogador dá. Treinava quando queria, era meio manhoso — revela.
Em 55 anos, Seu Luis viu de tudo. Viajou por cada pedaço de chão desse Rio Grande. Gauchão. Segundona. Terceirona. Este ano terá muito trabalho pintando as marcações do gramado. Além do Gauchão, pela primeira vez o clube disputará a Copa do Brasil e a Série D. Tudo isso foi testemunhado pelos olhos desse veterano.
— Representa muita coisa. Muita coisa mesmo, porque até hoje, com essa minha idade, eles estão me aturando. Então tem alguma coisinha de bom — afirma.
Exultante, seu Luis viveu os pontos mais baixos da história deste índio da fronteira, agora verá algumas das mais mais brilhantes, tão brilhantes como a Estrela D’Alva.