Foi a doce dona Vera Ribeiro, a vó de 68 anos, empregada doméstica em Eldorado Sul, que decidiu.
- Meu filho, se é o que você quer, se a sua felicidade está numa bola, vá jogar.
O porto-alegrense Wagner Ricardo Silva seguiu o conselho com os olhos vermelhos. Recebeu o apoio sincero da mãe, das três irmãs, dos dois sobrinhos, o pessoal que vive sob a suas asas. Mas não imaginou que as mudanças fossem tão radicais.
- Fecho os olhos e não acredito ainda. Parece um milagre.
O canhoto Wagner, 23 anos, caso você não lembre ou não conheça, foi uma das revelações do Gauchão 2015 com a camisa do Cruzeiro, de Cachoeirinha, e neste domingo pode fazer a sua estreia na Chapecoense contra o Santos, na terceira rodada do Brasileirão. Mas este é o final da história. O começo você começa a ler agora.
Antes, Wagner ralou, cortou Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina em duros bancos de ônibus, intermináveis pinga-pingas. Ele lembra. Emoção é pouco.
- Nas viagens, sonhava. Via gols, passes, os estádios lotados e o torcedor de pé. Ouvia meu nome. Era real, cara, muito real.
Entre os 15 e os 22 anos, ele viveu a experiência de jogar no futebol amador, sempre com uma camisa diferente, um pé na estrada e uma mochila nas costas.
- No ano passado joguei pelo Nova Prata de Iguaçu, do Paraná. Pegava um ônibus às 9h de sábado, chegava à cidade ao meio-dia de domingo, almoçava e entrava em campo às 16h. Fui campeão da região e desfilei em carro de bombeiro. Me senti um herói, mas perto das 22h tomei um ônibus de volta. A ficha caiu quando o ônibus começou a sacolejar na estrada.
Auxiliar administrativo da secretaria da Fazenda de Porto Alegre, Wagner trabalhava de segunda a sexta, treinava à noite - corridas de 90 minutos, caixa de areia, peladas da firma - e nos finais de semana encarava as pegadíssimas partidas do futebol amador em campo de grama rala, buracos, chão batido, capim. A poeira cobria as chuteiras compradas em 10 vezes e as rosetas machucavam braços e pernas.
- Em semifinais ou finais, levantava R$ 500 por jogo, às vezes R$ 800. Aí, era uma festa em casa. Nas partidas normais, os valores baixavam. Recebia R$ 100.
E as despesas?
- Eles pagavam as passagens. Quando precisava dormir na cidade, não no ônibus (risos), pernoitava na casa de técnicos, de dirigentes e até de jogadores. Sempre tinha uma cama e um generoso almoço.
Wagner tentou a sorte nas categorias de base da dupla Gre-Nal. Bateu no poste, na trave. Voltou. Não deu de novo.
- Pensei. Minha vida será mesmo trabalhar e, nas folgas, jogar com os camaradas.
Então, em 2013, foi surpreendido com um convite do treinador Jair Galvão para disputar a Terceira Divisão do Gauchão pelo TAC, de Três Passos. Ele o conhecia do 12 Horas, da várzea da Capital. O Tupy, de Criciumal, o atraiu no ano seguinte.
Olheiros do São José, da Capital, o contataram em seguida. A grande chance surgiu nesta temporada com o Cruzeiro pela mão do dirigente Ernani Campelo.
- Eu sempre acreditei em mim. Não fiz base. Mas o futebol amador me deu armas para atuar em qualquer divisão. Meus amigos diziam para eu tentar algo maior.
Quando o Gauchão se encerrou, ele esteve com um pé na Arena.
- Não teria grandes oportunidades.
O Inter o chamou.
- Jogar no time B não me atraiu.
A Chapecoense foi o caminho, lugar de grandes oportunidades, ele imagina. Em um jogo treino, quinta-feira passada, o time venceu por 5 a 1, com três assistências dele.
- Fui bem recebido. Meus treinos estão legais. Jogo como meia solto, pifando os companheiros, mas nunca deixo de marcar e correr atrás do adversário. Me acho um jogador solidário.
A titularidade é um sonho, um gol mais ainda. Com a bola nas redes, quer olhar a câmera da TV, sorrir e mandar um beijo.
- Vó, eu te amo.
*ZHESPORTES