O ano era 1982. O Circuito de Zolder, na Bélgica, recebia a Fórmula 1 e outras categorias no final de semana do dia 9 de maio. Um jovem brasileiro de 22 anos se destacava na temporada da Fórmula Ford 2000 daquele ano, no qual terminou com 22 vitórias em 27 corridas, conquistando o título de dois campeonatos. Os holofotes da F1 começavam a ir na direção de Ayrton Senna da Silva, que parecia saber exatamente o que fazer com a sua carreira.
Naqueles dias, um dos responsáveis pela ascensão midiática de Senna no Brasil o conheceu. Narrador da Fórmula 1 pela TV Globo, Galvão Bueno havia assumido de vez as transmissões da modalidade, após dividir os trabalhos com o amigo Luciano do Valle no ano anterior.
Era um final de semana triste para o mundo do automobilismo. No dia 8 de maio, durante um dos treinos, o canadense Gilles Villeneuve faleceu após um grave acidente. No entanto, mesmo tendo de lidar com esse fato durante a transmissão, Galvão teve um momento especial e que mudou a sua vida. Senna se dirigia à sala de imprensa após terminar uma corrida com vitória. Foi então que os dois se encontraram.
— Eu vejo aquele molequinho, que tinha recém feito 22 anos, vindo na minha direção. Eu também era garotinho, nem tinha feito 32 ainda. Ele veio e me perguntou: “O senhor que é o seu Galvão Bueno?” — contou o narrador em entrevista ao Esporte do Grupo RBS.
Na sequência, ele respondeu:
— Deixando o "senhor" de lado, sou eu mesmo.
O jovem piloto, então, mostrou sua ousadia ao se apresentar:
– Muito prazer, eu sou Ayrton Senna da Silva e quero dizer que o senhor vai narrar muitas vitórias minhas na Fórmula 1.
Ele tinha razão. Ao todo, foram 35 das 41 das vitórias narradas por Galvão Bueno. A primeira, em 1985, em Estoril, Portugal, pela Lotus. E a última, em 1993, no Circuito de Rua de Adelaide, na Austrália, pela McLaren. Os três títulos mundiais de Senna foram relatados pelo amigo que se tornou algo muito maior.
— Ele era meu irmão mais novo, nós éramos como irmãos, eu o mais velho e ele o mais novo — afirma Galvão.
Uma hora e meia antes da corrida a gente se despedia (...) Ayrton dizia: 'Vai pela sombra'. E eu respondia: 'E você vai por dentro da pista'.
GALVÃO BUENO
A relação dos dois ia além das pistas. Viajavam juntos para as corridas, jantavam, aconselhavam-se e compartilhavam alegrias e frustrações. Ambos tinham até uma superstição antes de cada prova em que estavam juntos.
— Uma hora e meia antes da corrida a gente se despedia. Eu ia para a cabine e ele ia se preparar para a prova. Ayrton dizia: "Vai pela sombra". E eu respondia: "E você vai por dentro da pista". Ele acrescentava: “Boa transmissão”. Eu finalizava: “Boa corrida, te vejo no pódio” — relembra o narrador.
Sonho de Senna que será realizado por Hamilton
Um dos tantos conselhos dados por Galvão, mas que Senna não seguiu, foi em relação a sua mudança de equipe. Em 1993, a McLaren já não era tão competitiva como em outras temporadas. Mesmo assim, o piloto brasileiro conseguiu vencer cinco provas, porém não chegou a brigar pelo título.
Então, Senna decidiu deixar a equipe pela qual foi tricampeão mundial em busca de uma mais competitiva. A Williams era o carro a ser batido em 1994 e ofereceu um contrato para o brasileiro. A Ferrari também tinha interesse e era um grande sonho de Ayrton pilotar pela escuderia italiana. Porém, ele ainda achava que não era o momento, mesmo com os conselhos de Galvão.
— Eu insisti para que ele fosse para a Ferrari: "Vai para lá, monta um time todo para você". O primeiro ano é para consertar a bagunça que estava lá. O segundo é para ganhar alguma corrida. O terceiro é para ser campeão do mundo. Falei para ele em italiano “diventare Dio” (vire Deus) — conta.
No entanto, Senna retrucou dizendo que não podia, pois estava há dois anos sem ser campeão e queria chegar ao mesmo número de títulos do seu ídolo no automobilismo: Juan Manuel Fangio, que conquistou cinco. De acordo com Galvão, a definição de Senna sobre a Ferrari era: “Uma cor. Um ronco. Um sonho”.
— É diferente estar dentro de uma Ferrari. O Hamilton, em 2025, vai ser um pouco de Ayrton Senna na Ferrari — lembra Galvão, sobre a ida do heptacampeão mundial de Fórmula 1 para a equipe italiana no próximo ano.
Lewis Hamilton é fã declarado de Ayrton Senna e já prestou diversas homenagens ao seu ídolo no automobilismo.