Lisete Maldaner conseguiu ingressar na faculdade na faixa dos 20 anos. Mas só agora, aos 56, ela se vê diante de seu primeiro diploma. Ela está a dois semestres de concluir o curso de Gastronomia na Universidade Feevale.
— Entrei na faculdade de Comércio Exterior em 1991, mas não concluí. Casei, tive três filhos e voltei a estudar. Pedi transferência para o curso de Turismo. Mas com as crianças pequenas era difícil. Agora, tive oportunidade de me dedicar — conta.
O caso de Lisete exemplifica um fenômeno identificado pelo último Censo da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC): o número de calouros com 40 anos ou mais praticamente triplicou em 10 anos. Em 2021, eram quase 600 mil pessoas nesta faixa matriculadas. Em 2012, eram 221 mil. O percentual de alta é de 171%. Hoje, os 40+ representam 15,2% do total de graduandos contra 8% uma década atrás. Ao todo, formam uma população de 1,2 milhão de estudantes no Brasil.
A pró-reitora de Ensino da Feevale, Angelita Renck Gerhardt, avalia que além da ampliação de oportunidades, a necessidade tem levado alunos mais maduros às universidades. Ela observa a existência de dois grupos distintos nessa população.
— Há um público em busca de qualificação. As demandas das empresas mudaram substancialmente nesses anos. A digitalização dos serviços, a automação dos processos produtivos e o uso intensivo de sistemas informatizados têm exigido competências que muitos profissionais não possuem. Um segundo grupo é formado por aqueles que buscam a segunda graduação, seja como forma de reconversão profissional, seja como formação complementar, buscando explorar nichos de trabalho e novas competências que só existem na intersecção de duas profissões — diz.
Ao contrário do que alguns podem pensar, o retorno aos estudos nesta fase pode favorecer o desempenho acadêmico. Isso porque, segundo Angelita, a maturidade e a experiência profissional e de vida costumam facilitar a aquisição de conhecimento:
— A única forma de manter o cérebro jovem é desafiá-lo constantemente a aprender e se adaptar a novas situações-problema, o que faz com que um curso superior seja uma excelente oportunidade. Além, é claro, das novas redes de relacionamento que são criadas com colegas e professores.
Há riqueza nessa convivência. Aproximar pessoas com 20, 30, 40 anos ou mais, propicia troca de experiências, conhecimentos e sabedorias.
VANESKA RATUND
Neuropsicopedagoga do NAD/NADi
Já o uso de ferramentas e tecnologias educacionais pode gerar alguma dificuldade inicial nos seniores. Na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), o Núcleo de Apoio Docente e Núcleo de Apoio Discente da Ulbra colabora nessa adaptação.
— Os alunos mais jovens são muito familiarizados com tecnologias, têm outro pique. Há orientações que nem precisamos dar. Já um aluno 40+, que está iniciando ou retomando a graduação, pode sentir dificuldades se o professor pedir para fazer um"mapa mental usando o Canva" ou usar o nosso Ambiente Virtual de Aprendizagem. Então, é preciso ficar atento para que esse estudante não fique com vergonha de pedir ajuda e possa desenvolver plenamente as competências, habilidades e atitudes necessárias para sua formação - comenta a neuropsicopedagoga do NAD/NADi, Vaneska Ratund.
Realidade universitária
Em março, viralizou na internet um vídeo em que três calouras de uma universidade particular de Bauru (SP) debocham de uma colega ingressante de 40 anos, dizendo que já "deveria estar aposentada". Esse tipo de atitude etarista, porém, é pouco observada na realidade universitária.
— Atualmente, trabalha-se com metodologias ativas em sala de aula, com a necessidade de construir soluções para problemas reais. Nessas situações, os seniores acabam se tornando mentores dos estudantes mais jovens, pela amplitude maior da sua visão profissional e de mundo — diz Angelita.
— Há riqueza nessa convivência. Aproximar pessoas com 20, 30, 40 anos ou mais, propicia troca de experiências, conhecimentos e sabedorias — acrescenta Vaneska.
Lisete Maldaner diz que sua idade jamais foi uma questão em sua turma, tampouco para ela. A estudante diz que, cedo ou tarde, o conhecimento é indispensável.
— Vale a pena ter esse propósito de não parar, de voltar a estudar, porque abre muito os horizontes. Estudando Gastronomia, a gente participa de muitos eventos, aprende sobre hospitalidade, turismo, ganha conhecimento regional, nacional e internacional. É um conhecimento mais globalizado de tudo. Eu sou apaixonada pelo curso, é o sonho da minha vida — diz, empolgada.
Prestes a concluir a graduação, a futura chef de cozinha faz planos para o futuro:
— Quero abrir um restaurante, mas antes, vou ficar uns três meses na Europa, em um tour por Itália, França e Espanha para expandir meu leque de conhecimentos. Gostaria de trabalhar nas cozinhas, conhecer as fazendas de queijo, os olivais, o processo de fabricação de produtos. Ano que vem farei isso.