Comissão formada por 11 professores, alunos e técnicos-administrativos da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) decidiu, na quarta-feira passada (1º), pedir a abertura de processo administrativo disciplinar contra Tristão Garcia dos Santos, professor flagrado em vídeo gritando com estudante em aula de Circuitos Elétricos I.
O pedido de abertura, aprovado por unanimidade, será analisado pelo Núcleo de Assuntos Disciplinares (NAD) da Superintendência de Gestão de Pessoas da UFRGS, que decidirá se aprova ou não a solicitação, explica a diretora da Escola de Engenharia, Carla ten Caten.
Caso o processo administrativo disciplinar seja estabelecido, o NAD criará uma comissão especial para investigar o caso, com escuta de testemunhas e de Tristão. O núcleo é uma instituição independente, não ligada à Escolha de Engenharia.
No Direito, o processo administrativo disciplinar busca apurar a responsabilidade de um servidor por infração praticada durante o exercício do cargo. Pode resultar em advertência, suspensão e, em último caso, demissão.
Entre as provas da comissão para sustentar o pedido de abertura de processo, estão o vídeo da aula e abaixo-assinado dos estudantes, segundo os quais a conduta de Tristão não é isolada.
Após a repercussão do caso, Tristão Garcia dos Santos decidiu não prosseguir nas aulas com a turma, informou à reportagem nesta quarta-feira (8) o chefe do Departamento de Sistemas Elétricos de Automação e Energia (DLAE) da UFRGS, Roberto Leborgne.
O DLAE decidiu, em reunião plenária na noite desta quarta-feira (8), pela "substituição de todos os encargos" do professor Tristão. Ele foi afastado das disciplinas de Circuitos Elétricos I e Circuitos Elétricos II durante um semestre.
Em entrevista após o resultado, Tristão explicou que não dará mais aulas neste semestre.
— Estou ali para servir o aluno. Servir o aluno, no meu modo de ver, não é fazer a vontade do aluno necessariamente. É fazer o melhor que tu acha para ele ter o máximo de sucesso possível. Será que tu tá com a visão errada, não está servindo mais, quer que ele aprende mais do que deveria? Aí é outra a discussão. Mas minha consciência está tranquila. Dou o máximo para ensinar — comentou.
Em e-mail enviado aos alunos da turma de Circuitos Elétricos I na última quinta-feira (2), Leborgne lamenta o ocorrido e afirma que trabalha para “resolver esses desentendimentos da melhor forma possível”.
Em entrevista a GZH, Tristão confirma que deixou a turma por “perder a confiança dos alunos”.
— Gosto muito dos meus alunos, mas houve uma quebra de confiança. No início da pandemia, havia alunos que a gente conhecia e, agora, quem nunca me viu na vida. Eu imaginava, pelo carinho que tratava nas disciplinas, que havia empatia. Mas notei, pela reação, que não deu empatia. Não estou aí para atrapalhar a vida de ninguém. Em 40 anos dando aula, jamais me afastei uma semana e deixei para outro colega assumir. Sou um escravo da profissão. Como sou exigente, se eu transferir para outro colega dar aula e depois retomar, como vou cobrar? Cobro em cima do que faço — diz.
Tristão também afirma que é muito dedicado, mas que o ensino remoto atrapalha a relação entre alunos e docentes.
— Tenho carinho muito grande pelos guris. Eu me despedi deles na última aula e teve aluno que não queria. É uma pena, mas bola pra frente — diz.
Questionado sobre a decisão da comissão da Escola de Engenharia para solicitar a abertura de processo administrativo disciplinar, Tristão diz que isso não o preocupa.
— Minha preocupação são os alunos. Dou aula porque gosto e sinto o dever cumprido. Não vejo onde usar a palavra "cacete" possa desmerecer, tem gente até do alto escalão que usa. Olha o linguajar de tanta gente. E eu fazendo um esforço para ensinar — afirma.
A reportagem solicitou à assessoria de comunicação da UFRGS quantos processos administrativos e reclamações na Ouvidoria há contra o docente, mas a universidade afirmou que “as informações de processos e reclamações contra o professor são temas pessoais que não podem ser divulgados”.
A negativa não tem fundamento na visão de Paulo Doering, advogado especializado em Direito Administrativo e sócio do escritório Doering & Darcie, de Porto Alegre. Segundo ele, seria uma proteção demasiadamente desproporcional contra qualquer servidor público.
— Eventualmente, em função do teor do processo, é que se poderia sustentar o sigilo — opina Doering.
Tristão foi filmado durante aula para alunos da Engenharia, na qual grita com estudantes que lhe fazem perguntas.
Segundo estudantes e colegas, Tristão tem histórico de ser impaciente. Em entrevista a GZH, o professor diz que se dá bem com alunos, destaca que foi paraninfo três vezes nos últimos anos e que é rigoroso, mas que incentiva estudantes a crescerem intelectualmente.