O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que suspenda, de forma imediata, o processo de verificação de raça de cotistas. No dia 8, a instituição de ensino anunciou que apenas 35 dentre 274 estudantes suspeitos de fraudarem as cotas foram declarados negros pela Comissão Especial de Verificação da Autodeclaração Racial.
A recomendação, elaborada pelo procurador da República Enrico Rodrigues de Freitas, também sugere que a UFRGS não faça qualquer verificação futura de forma "retroativa" com base nas características físicas dos alunos.
A universidade tem cinco dias para responder se irá ou não seguir as recomendações do MPF. Contatada pela reportagem, a assessoria de imprensa afirmou que a UFRGS está avaliando o teor do documento e que "se manifestará oportunamente sobre as medidas que virá a adotar".
O MPF também afirma que a UFRGS deve considerar como válidas "as autodeclarações embasadas nas características fenotípicas dos brasileiros pardos, inclusive os de pele clara que apresentem outros traços negroides, assim como a autodeclaração baseada na descendência de pessoa negra".
Mesmo nos casos em que a instituição verificou "total incompatibilidade" entre a raça autodeclarada pelo aluno e aquela observada pela comissão especial, o MPF recomenda que a universidade somente desligue o suspeito após instauração de processo administrativo "contemplando o contraditório e ampla defesa".
Para o aluno que passou pelo processo de aferição e teve a autodeclaração indeferida, a recomendação é de a UFRGS oportunize o "pedido de reconsideração, bem como o encaminhamento de recurso à autoridade superior".
Argumentos
Para elaborar a recomendação, o procurador levou em conta os depoimentos de "constrangimento e discriminação" relatados por alunos que passaram pela Comissão Especial de Verificação da Autodeclaração Racial e o fato de que, para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é parda ou negra a pessoa que se autodeclara como tal. Diz, também, que não é apenas a cor da pele que define se uma pessoa é negra.
Outro ponto levantado pelo procurador é que, na região Sul, a predominância de negros é menor do que no resto do Brasil – portanto, "é lícito concluir que a tendência natural é a de que as pessoas pardas ocupem um maior número de vagas destinadas às chamadas cotas raciais, pois compõem grupo mais numeroso do que o das pessoas autodeclaradas pretas".
Em entrevista ao GaúchaZH, Freitas afirma que a UFRGS errou no modo como avalia os alunos e se equivocou ao alterar, de forma retroativa, as regras do vestibular de quando eles ingressaram na instituição.
— Antes de decidir (se defere ou indefere), a UFRGS deveria ter instaurado o devido processo legal e dado as razões de sua decisão para que a pessoa apresentasse a defesa. É o que diz a lei no processo administrativo. Além disso, os alunos entraram com o critério da autodeclaração. Só que, agora, a universidade criou um novo critério, de avaliação com base no fenótipo. Ela até pode fazer isso, mas a análise só pode ser feita daqui para frente, não de forma retroativa.
Sem obrigatoriedade
A recomendação, no entanto, não precisa ser seguida. Segundo Plínio Melgaré, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a medida "não tem obrigatoriedade". Ele lembra que o Santander recebeu do MPF recomendação para reabrir a exposição Queermuseu, mas que a indicação foi ignorada.
— A natureza da recomendação é de que o Ministério Público entende que a administração pública – no caso, a UFRGS – está violando algum direito constitucional. O objetivo é fazer a administração pública seguir o que o MP fala para evitar uma ação judicial. Se a recomendação não for seguida, a UFRGS tem que responder por escrito. Mas o risco depois é o MP entrar com ação judicial — afirma.