Quando Clay Reid decidiu largar seu emprego de professor na Harvard Medical School para se tornar pesquisador sênior do Allen Institute for Brain Science em Seattle, em 2012, alguns de seus colegas o felicitaram calorosamente e compreenderam de imediato por que ele tomou a decisão.
Outros balançaram a cabeça. Afinal, ele estava deixando uma das melhores universidades do mundo para ir ao equivalente acadêmico de uma iniciante pontocom - embora uma bem financiada e ambiciosa, criada em 2003 por Paul Allen, um fundador da Microsoft.
Mesmo assim, Reid declarou que não foi uma decisão nada difícil. Ele queria fazer uma investigação profunda sobre parte do cérebro dos ratos. E embora ele estivesse feliz em Harvard, o Allen Institute oferecia não só excelentes colegas e grandes financiamentos, mas também uma abordagem da Ciência diferente do ambiente universitário clássico. O instituto já vinha mapeando o cérebro dos ratos com um detalhamento fantástico, e se especializou no acúmulo em grande escala de informações em atlas e bancos de dados disponíveis a toda a Ciência.
Agora eles estão expandindo, e tentando mesclar sua abordagem semi-industrial da coleta de dados a uma Ciência mais tradicional, orientada por pesquisadores individuais. Como pesquisador sênior, Reid comandava um grupo de 100 pessoas, trabalhando também com cientistas, engenheiros e técnicos de outros grupos.
Sem a necessidade de se candidatar a bolsas federais, Reid pôde se concentrar em uma peça do quebra-cabeça de como o cérebro funciona. Ele tentaria decodificar o funcionamento de uma parte do cérebro dos ratos, os milhões de neurônios no córtex visual - de "moléculas ao comportamento", como ele mesmo coloca.
Existem muitas maneiras de mapear o cérebro, e muitos tipos de cérebro para mapear. Embora o objetivo final da Neurociência seja compreender como funciona o cérebro humano, muitas pesquisas não podem ser realizadas em humanos, e os cérebros de ratos e até mesmo de moscas possuem processos em comum com o cérebro humano.
O trabalho de Reid, e cientistas que compartilham sua abordagem, faz parte de uma onda de atividade na pesquisa cerebral conforme cientistas tentam construir as ferramentas e o conhecimento para explicar - da melhor forma possível - como funcionam os cérebros e as mentes. Além de US$100 milhões da Brain Initiative, do governo Obama, e de US$1 bilhão do Human Brain Project, da União Europeia, existem inúmeros esforços públicos e privados de pesquisa nos Estados Unidos e outros países - alguns focando no cérebro humano e outros, como o de Reid, voltados a não-humanos.
Enquanto o Human Connectome Project, que se espalha por diversas instituições, busca uma imagem geral das associações entre partes do cérebro humano, outras equipes científicas vêm buscando ir mais a fundo. Por exemplo, o Connectome Project, em Harvard, está pesquisando um mapa estrutural do cérebro dos ratos em um nível de ampliação que mostra pacotes de neurotransmissores nas pontas das células cerebrais.
Em Janelia Farm, o campus de pesquisa do Howard Hughes Medical Institute, na Virginia, pesquisadores estão buscando uma compreensão do cérebro das moscas por inteiro - um tipo de mapa levado a seus limites imagináveis, incluindo estrutura, química, genética e atividade.
Todas essas iniciativas começam com mapas e os enriquecem. Se Reid tiver sucesso, ele e seus colegas encontrarão o que se pode chamar de código de um processo cerebral, a linguagem que os neurônios usam para armazenar, transmitir e processar informações para essa função.
Não que isso seja algum tipo de resposta final. Na Neurociência, talvez mais do que na maioria das outras disciplinas, cada descoberta gera novas perguntas.
- Com o cérebro, você sempre pode ir mais além - explicou Reid.
'Filho de psicanalista sonda o cérebro!'
Reid, de 53 anos, cresceu em Boston, em uma família com profundas raízes na Medicina. Seu avô ensinava Fisiologia na Harvard Medical School.
- Meus pais eram psicanalistas. Eu basicamente sempre soube que queria ser um cientista - contou ele durante uma entrevista no último outono, sorrindo enquanto imaginava um título para este artigo, ''Filho de psicanalista sonda o cérebro!".
Em Yale, ele estudou Física, Filosofia e Matemática, mas no fim decidiu que não queria ser um físico. Biologia era atraente, mas ele estava tão preocupado com sua inclinação matemática que foi conversar com um de seus professores de Filosofia sobre temores de que a Biologia seria confusa demais para ele. O professor lhe deu alguns conselhos.
- Você deveria ler Hubel e Wiesel ) disse ele, referindo-se a David Hubel e Torsten Wiesel, que haviam acabado de receber o Prêmio Nobel de 1981 por seu trabalho mostrando como a visão binocular se desenvolve no cérebro.
Ele leu seus trabalhos, e quando se formou, em 1982, estava convencido de que o estudo do cérebro era, ao mesmo tempo, Ciência e um campo amplamente aberto. Ele prosseguiu para um programa de mestrado e Ph.D. na Cornell Medical College e na Rockefeller University, onde Wiesel tinha seu laboratório (ele acabaria sendo presidente da universidade).
Conforme seus estudos progrediram, Reid começou a ter dúvidas sobre se gostaria de seguir a Medicina ou a pesquisa. Apenas uma semana antes de assumir uma residência em Neurologia, ele se encontrou com um amigo do laboratório de Wiesel e lhe disse:
- Me salve.
Esse pedido levou a uma pesquisa de pós-doutorado no laboratório da Rockefeller. Ele permaneceu como membro acadêmico até se mudar para Harvard, em 1996.
Em Harvard, Reid trabalhou no Connectome Project para mapear as conexões entre neurônios no cérebro de ratos. O Connectome Project busca um mapa detalhado, um diagrama de ligações em um nível fantasticamente mais detalhado do que os trabalhos sendo realizados para mapear o cérebro humano com máquinas de ressonância magnética. Entretanto, microscópios de elétrons produzem uma imagem estática a partir de minúsculas fatias de cérebro preservado.
Reid começou o trabalho amarrando a função ao mapeamento. Ele e um de seus alunos de pós-graduação, Davi Bock, hoje na Janelia Farm, vincularam estudos de cérebros de ratos ativos às imagens estruturais detalhadas produzidas por microscópios de elétrons.
- Ele possui um entusiasmo visceral pelo que é lindo e pelo que é profundo na Neurociência, e ele é praticamente incansável - afirmou Bock.
Mostrando imagens a ratos
Esse instinto e entusiasmo serão necessários em sua busca atual. Para desvendar o código do cérebro, explicou Reid, dois problemas fundamentais precisam ser solucionados.
O primeiro é: "Como a máquina funciona, começando com seus blocos de montar, tipos de células, passando por sua fisiologia e anatomia", disse ele. Isso significa conhecer todos os tipos diferentes de neurônios no córtex visual do rato e suas funções - informações que a Ciência ainda não possui.
Isso também significa saber qual código é usado para transmitir informações. Quando um rato vê uma imagem, como essa imagem é codificada a passada de neurônio a neurônio? Isso se chama computação neural.
- O outro problema altamente relacionado é: como essa computação neural gera o comportamento? - completou ele. Como o cérebro dos ratos decide agir com base naquela informação?
Ele imaginou o tipo de experimento que chegaria a essas questões profundas. Um rato pode ser treinado a participar de um experimento hoje feito com primatas, onde um animal olha para uma imagem. Mais tarde, vendo diversas outras imagens em sequência, o animal pressiona uma alavanca quando aparece a imagem original. Ver a imagem, lembrar dela, reconhecê-la e pressionar a alavanca leva no máximo dois segundos, e envolve atividade em diversas partes do cérebro.
- Compreender isso significaria saber literalmente quais fótons atingem a retina, que informações a retina envia para o tálamo e o córtex, que computações os neurônios fazem no córtex e como isso acontece, como esse nível de processamento é enviado a um centro de memória e armazena os traços daquela imagem por um ou dois segundos - disse Reid.
Então, quando a mesma imagem é vista pela segunda vez, "acontece a parte difícil", argumentou ele.
- Como é tomada essa decisão de dizer, 'Esta é a imagem'?.
Em busca desse nível de compreensão, Reid e outros estão reunindo informações químicas, genéticas e elétricas sobre o que é a estrutura daquela parte do cérebro de rato, e que tipo de atividade está ocorrendo.
Segundo Bock, o ex-aluno de Reid, sua experiência sugeriu que Reid não possui apenas paixão e intensidade pela pesquisa, mas também um ótimo olho para saber o caminho que a Ciência está tomando.
- É isso que Clay faz. Comparando com o hóquei de gelo, ele seria bom em patinar para onde o disco vai estar - afirmou ele.