
Depois do ChatGPT, DeepSeek e seus concorrentes, outras plataformas estão entrando no rol de ferramentas de inteligência artificial (IA) usadas por adolescentes nos estudos. Coconote, PDF To Brainrot, Raena e TurboLearn AI são alguns dos aplicativos usados por estudantes para resumir conteúdos e transformá-los em áudios ou vídeos curtos, auxiliando na concentração.
Por meio dos apps, páginas e páginas de um livro podem ser convertidas em um vídeo de poucos minutos, com o conteúdo do PDF em áudio, e imagens de fundo de memes ou jogos virais, como Minecraft ou Subway Surfers, que nada têm de relação com o conteúdo. Nos Estados Unidos, principalmente, as ferramentas têm sido amplamente utilizadas por jovens para tornar os estudos mais divertidos.
Ao pesquisar no TikTok por brain rot studying (estudar com o cérebro podre, em tradução livre), é possível encontrar centenas de vídeos com dicas para usar plataformas de IA que resumem conteúdo. Nas postagens, os jovens ensinam a usar as ferramentas e prometem bons resultados no estudo.
Em uma publicação com mais de 1,5 milhões de curtidas, por exemplo, uma jovem mostra como usar o app PDF To Brainrot e afirma que conheceu o recurso por meio da irmã mais nova. Nos comentários, há relatos como “isso mudou minha vida” e “genial”.
IA usada com equilíbrio
Mas, afinal, faz sentido estudar dessa forma? Segundo especialistas ouvidas pela reportagem, é preciso ter cautela e equilíbrio, principalmente quando se trata de vídeos curtos. Elas alertam que o mau uso das tecnologias pode causar impactos negativos na aprendizagem.
— Essa tendência é muito forte hoje em dia, mas o vídeo deve funcionar como um complemento. Temos um professor que faz isso. Por exemplo, depois de trabalhar todo um conteúdo em sala de aula, ele gera um vídeo curto e apresenta aquele resumo aos alunos. Mas essa não deve ser a fonte primária de estudos — afirma a professora de Ciência da Computação, Vivian Lisbôa.
É importante oferecer para os alunos múltiplas formas de acesso ao conteúdo. Talvez não apenas um texto, ou um resumo simples, mas um vídeo, um mapa mental, uma imagem que traduz aquele texto maior, tudo isso agrega.
VIVIAN LISBÔA
Professora de Ciência da Computação
Coordenadora da comissão de tecnologia educacional da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, de Novo Hamburgo, ela destaca que as ferramentas de IA podem servir como aliadas para diversificar o conteúdo, trazendo materiais em formatos variados, de modo a contemplar os diferentes perfis de aluno. Essa é uma das estratégias adotadas na instituição.
— É importante oferecer para os alunos múltiplas formas de acesso ao conteúdo. Talvez não apenas um texto, ou um resumo simples, mas um vídeo, um mapa mental, uma imagem que traduz aquele texto maior, tudo isso agrega. Até porque temos uma variedade de alunos com questões de aprendizagem muito diversas.
Tempo para absorver o conteúdo
Com a disseminação dessas práticas, outro ponto que preocupa especialistas são os efeitos cognitivos da diminuição da frequência de escrita e leitura, que são fundamentais para absorver o conteúdo. Ela ressalta que o hábito de fazer resumos à mão auxilia na construção de conexões neurais, contribuindo para a compreensão.
Se o aluno apenas consome resumos gerados por IA sem se envolver no processo de aprendizagem, pode perder oportunidades de desenvolver o pensamento crítico.
NAÍME PIGATTO
Sinepe/RS
Substituir esse processo pelo hábito de assistir um vídeo curto pode resultar em perdas de aprendizagem. Para a assessora pedagógica e de legislação educacional do Sindicato do Ensino Privado do RS (Sinepe/RS), Naíme Pigatto, o desafio nas escolas é garantir que a tecnologia seja uma ferramenta de apoio, e não um atalho que prejudique a formação.
— Se o aluno apenas consome resumos gerados por IA sem se envolver no processo de aprendizagem, pode perder oportunidades de desenvolver o pensamento crítico. E esses impactos precisam ser apresentados aos alunos. Aprender leva tempo. Requer tempo para estudar. E isso envolve habilidades como respeitar tempos, ouvir com atenção, relatar um fato com começo, meio e fim apresentando riqueza de detalhes — argumenta.
Por isso, é fundamental que famílias e colégios trabalhem para conscientizar as crianças e jovens, para que façam uso consciente das plataformas, diz Naíme. Ela defende que as ferramentas não são uma ameaça, mas sim a forma como as utilizamos.
— Escolas e professores podem trabalhar com os alunos para desenvolver a criatividade, a ampliação de vocabulário, a compreensão e interpretação de textos, ajudando-os a distinguir o que é informação e o que é conhecimento — acrescenta.

A gente precisa desenvolver essas habilidades que são mais técnicas, mas junto disso a gente tem que desenvolver as habilidades humanas, que é o que a IA não vai substituir.
CARINA PELLIN
Supervisora de tecnologias educacionais
É o que tem sido feito também no Colégio Monteiro Lobato, de Porto Alegre, conforme a supervisora de tecnologias educacionais Carina Pellin:
— A gente precisa desenvolver essas habilidades que são mais técnicas, mas junto disso a gente tem que desenvolver as habilidades humanas, que é o que a IA não vai substituir. A gente faz esse caminho dentro de ações, onde setor de tecnologias entra, fazendo atividades junto aos professores, e dentro dos componentes curriculares também — afirma.
Ela destaca que é preciso que os estudantes entendam que a IA deve servir como um suporte à aprendizagem, ou como fonte de consulta, e não como o principal meio para aprender. Por isso, a escola vem trabalhando para conscientizar os alunos, trabalhando temáticas como ética e cidadania digital.