
O Ministério da Agricultura detalhou, na última quarta-feira (23), a composição de produtos vendidos como café apreendidos em uma operação de fiscalização realizada nos Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
Conforme a pasta, os itens — de três marcas não reveladas — não continham grão de café na composição. A análise apontou que as bebidas eram feitas a partir de cascas, resíduos e até grãos descartados da lavoura, além de apresentarem toxinas com potencial cancerígeno.
Os itens investigados pertencem a uma categoria chamada "pó sabor café", cada vez mais comum nas prateleiras, principalmente diante da alta no preço do café tradicional, que já chega a quase R$ 50 em alguns locais, dependendo da marca.
Mais baratos, esses produtos custam em média R$ 13,99 e imitam as embalagens de marcas conhecidas.
A descrição "pó para preparo de bebida sabor café", em letras pequenas na parte inferior dos pacotes, costuma ser a única "pista" de que se trata de outro tipo de produto.
Visual engana consumidor
Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), muitos produtos utilizam elementos visuais no rótulo — como fotos de xícaras, grãos de café e cores características — para passar a impressão de que se trata de café.
Algumas marcas chegam a usar nomes e fontes parecidos com os de produtos reconhecidos no mercado. É o caso da marca Melissa, que usou cores semelhantes às da Melitta.
— O problema desses produtos é que eles utilizam no rótulo elementos visuais dando a entender que se trata de café, quando, na verdade, o que tem dentro da embalagem é outro componente — alertou a nutricionista Mariana Ribeiro, do Idec, ao g1.
Composição irregular e uso de impurezas
A análise feita pelo Ministério da Agricultura apontou que alguns produtos levavam resíduos rejeitados da produção do café, como grãos ardidos e quebrados, além de cascas.
Em outros casos, os ingredientes principais eram milho ou cevada — elementos proibidos na composição de café. Além desses, havia a presença de aromatizantes e até substâncias consideradas toxinas.
Segundo a legislação brasileira, o café pode conter até 1% de impurezas naturais da lavoura (como galhos ou folhas). Pela lei, a bebida tem que ser apenas do fruto.
Já os chamados "elementos estranhos", como milho, trigo, corantes e borra de café solúvel, são proibidos. Quando encontrados, indicam tentativa de falsificação.
Ainda conforme o governo, alguns itens não podem sequer ser considerados alimentos e foram retirados dos pontos de venda.
— Recolhemos porque a matéria era toda feita de resíduo, só lixo — disse o diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (Dipov) do Ministério da Agricultura, Hugo Caruso, ao g1.
Produto é ultraprocessado e sem valor nutricional
Além da substituição dos grãos por cereais como cevada e milho, muitos desses produtos contêm aromatizantes e aditivos, o que os classifica como ultraprocessados.
Isso os afasta ainda mais do café tradicional — alimento que é minimamente processado e consumido puro pela maioria dos brasileiros.
A Abic alerta que, em alguns casos, os fabricantes indicam o uso de "polpa de café", mas o termo é incorreto: a polpa adere à casca, que, por sua vez, é uma impureza rejeitada no processo de torrefação.
Entenda as categorias permitidas pela legislação
Apesar das denúncias, o Ministério da Agricultura avalia se esses produtos podem ser enquadrados em outras categorias previstas pela legislação brasileira.
Entre elas, estão as "misturas para preparo de alimentos ou bebidas", regulamentadas pela Anvisa, e os "preparados sólidos", como refrescos e chás.
A regularização, no entanto, exige que o consumidor seja informado sobre a natureza do produto — o que não ocorre no caso do "pó sabor café" vendido.
Os produtos identificados como falsos foram recolhidos dos supermercados e estão sob análise da Anvisa. A operação do governo começou após denúncias e confirmou que as fábricas utilizavam materiais não autorizados na fabricação das bebidas.
Entenda o surgimento do "café fake"
Desde 2024, a indústria de café torrado e moído tem repassado aos consumidores os custos elevados da matéria-prima. Pela média da pesquisa de inflação do IBGE, a alta do café moído foi de 30,76% em 2024 na região metropolitana de Porto Alegre.
A seca em países produtores, como o Vietnã, provocou alta desde o primeiro semestre do ano passado. As queimadas no sudeste e no centro-oeste do país também pioraram a situação dos cafezais.
O café cru, base do torrado e moído, atingiu patamares históricos de preço, tornando o produto final mais caro para o consumidor. Diante desse cenário, surgiram essas opções "mais acessíveis" no mercado.
Como identificar o café verdadeiro?

Para evitar confusões, especialistas recomendam atenção ao rótulo e aos ingredientes listados na embalagem. Veja o que observar:
- Verifique se há a descrição “café torrado e moído”;
- Desconfie de preços muito abaixo da média;
- Leia os ingredientes: o único aceitável é o grão de café;
- Evite produtos com cevada, milho, aromatizantes ou com nomes genéricos demais;
- Procure selos de qualidade ou certificações reconhecidas;
- Evite marcas com nomes ou embalagens que imitam produtos já conhecidos.
Diferença entre café extraforte, tradicional, gourmet e especial
Cada tipo de café apresenta um conjunto de características únicas, ligadas ao seu processo de produção. As bebidas extraforte e tradicional costumam ser mais amargas, enquanto as especiais e gourmet têm sabor mais frutado e adocicado.
Para a ABIC, a classificação do tipo de café ocorre a partir de uma análise sensorial da qualidade do grão torrado, em uma escala de 0 a 10 em que produtos com nota abaixo de 4,5 não são recomendados. Os itens avaliados pela ABIC são:
- Acidez (frescor aromático da bebida)
- Doçura
- Amargor
- Intensidade (nível de sabor da bebida, quanto mais próxima de 10, maior)
- Adstringência (nível de "secura" ao beber o café)

*Produção: Murilo Rodrigues