
Enquanto parte do mercado imobiliário convive com pressões diante da alta do juro, o ramo de imóveis de luxo segue aquecido em Porto Alegre. A venda de unidades de alto padrão cresceu cerca de 50% em cinco anos. O aumento observado no período é o dobro do avanço registrado na comercialização geral de residenciais.
O efeito menor do juro nessa classe, o aumento no número de lançamentos, a demanda por melhor infraestrutura e por investimentos ajudam a explicar o resultado, segundo especialistas e integrantes do setor.
O levantamento é do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (Secovi-RS). A entidade classifica como imóvel de luxo as unidades vendidas por valores acima de R$ 2 milhões. A pesquisa pega residenciais usados e novos.
Em 2024, foram comercializados 425 imóveis dentro dessa categoria — alta de 50,71% ante o montante verificado em 2019, quando ocorreram 282 vendas. Esse avanço é maior do que o observado no total geral de vendas de imóveis residenciais — incluindo de luxo e de outros padrões — , que saltou 24,43%, indo de 15.390, em 2019, para 19.150, em 2024.
O vice-presidente de Comercialização do Secovi-RS, Rafael Padoin Nenê, afirma que esse mercado aquecido responde a uma série de estímulos e mudanças na infraestrutura dos imóveis e condomínios. Na parte do consumidor, o executivo lembra que esse público costuma sentir menos o efeito do juro na aquisição de imóveis.
— É um comprador que já tem uma estabilidade financeira, uma educação financeira mais adequada. Então, ele consegue se programar melhor. Ele não depende tanto de um financiamento imobiliário, de muitos arranjos financeiros ou ajustes na composição de renda. É mais maduro no que diz respeito a organizar o seu patrimônio. Então, consegue conviver com períodos de juros mais altos.
No âmbito da infraestrutura, Nenê destaca o crescimento no lançamento de unidades com mais opções de lazer e reforço no design, com sacadas mais abertas, concreto aparente, uso das madeiras ecológicas e investimento em paisagismo.
— Esses aspectos que vão sofisticando e aumentando o metro quadrado.
O vice-presidente lembra que outros itens podem determinar se um imóvel é de luxo, não somente o valor. Entram nessa lista exclusividade, altas técnicas construtivas, produtos de alto padrão e assinatura de designers, por exemplo, segundo Nenê.
Olhando apenas a comparação de 2024 com 2023, a venda de imóveis apresentou leve recuo em ambos os grupos de imóveis (veja no gráfico acima). No entanto, na categoria de luxo, a retração foi menor. Especialistas afirmam que este fator pode estar ligado ao fluxo de lançamentos.
Lançamentos e investimentos
O professor da Faculdade de Arquitetura e da pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Eber Pires Marzulo afirma que esse cenário também é composto por questões ligadas à produção e ao portfólio de investimentos. Em um cenário onde o juro está alto, quem tem maiores reservas encara os imóveis como uma boa opção para diversificar aportes em busca de uma rentabilidade maior.
— Tem uma maior produção de imóveis de luxo, mais lançamentos, imóveis novos. Mas, além disso, tem outro aspecto. Tanto do ponto de vista das incorporadoras quanto do comprador final, os imóveis viraram investimentos.
O ponto levantado pelo professor também aparece no material que acompanha o dado do Secovi-RS. A entidade cita o imóvel como um investimento seguro e que "tende à valorização no longo prazo". Diferentemente de outros estudos da entidade, o material leva em conta apenas apartamentos e casas. Ficam de fora outras unidades, como garagens residenciais, por exemplo.

Apetite por unidades
O dado apresentado pelo Secovi-RS também reflete na operação das principais imobiliárias com atuação na Capital. Angelo Da Cás, franqueado da Auxiliadora Predial, afirma que esse apetite por unidades de luxo ocorre diante das necessidades dos clientes. Nesse sentido, além do conforto, locais com melhor localização e infraestrutura, cercados por serviços, escolas e opções de lazer, ganham espaço, de acordo com o empresário.
Além disso, Da Cás afirma que hoje o mercado está mais voltado para o comprador. Isso ocorre porque alguns proprietários oferecem melhores condições de compra em um ambiente com menos clientes.
— Existe o investidor, mas tem muito mais o cara que está procurando para morar. E ele está aproveitando este momento, porque, embora a gente esteja com juro mais alto, o mercado está muito mais para o comprador. O poder hoje está na mão do comprador, porque o construtor está com medo, por causa dos juros, e aí ele baixa o preço. Isso traz oportunidade.
O empresário também destaca o movimento de clientes que migram de zonas mais centrais para outros bairros, como Três Figueiras e Bela Vista, em busca de maior gama de opções de serviços e lazer mais próximas.
O CEO da Crédito Real, Carlos Ruschel, afirma que teve uma análise de mercado que identificou a busca por esse tipo de imóvel na Capital nos últimos anos. Isso acabou impulsionando a venda dessas unidades, segundo o diretor.
— Há alguns anos, Porto Alegre não tinha uma quantidade de imóveis de alto padrão como tem hoje. Essa necessidade foi identificada pelas incorporadoras. Um nicho de mercado que não estava sendo atendido. São incorporações não tão grandes, em que o ciclo de venda até é um pouco maior, mas são de valor agregado melhor.
O empresário Marcelo Capeloti Dantas, 55 anos, é uma das pessoas que resolveu comprar recentemente um desses imóveis. Ele e a esposa adquiriram uma unidade no valor de R$ 2,4 milhões no bairro Cristal. Inicialmente, a ideia de Dantas era usar a aquisição como uma opção de investimento.
— Como eu já tenho alguns investimentos em banco e para não ficar tudo num só, acabo comprando alguns imóveis para a gente fazer uma negociação mais na frente. É uma diversificação nos investimentos na realidade.
Agora, ele e a esposa já estudam a ideia de morar no local futuramente, assim que a obra for entregue. Ele afirma que essa opção entrou na mesa em razão da localização da obra.
— Há uma possibilidade de vir a morar depois, mais para frente. Mas estamos avaliando ainda. Como a gente tem duas filhas que, de repente, já vão estar na idade de faculdade, e a gente nunca sabe o que vai acontecer, né?