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E se, além do café, o chocolate também se tornasse uma espécie de artigo de luxo? Essa é uma possibilidade com a qual alguns países já começaram a lidar e que, em breve, pode passar a ser um problema para os brasileiros. Segundo especialistas, as plantações de cacau do Brasil enfrentam dificuldades com o clima e com as pragas, o que, somado à crise na África, têm aumentado o preço da commodity.
De acordo com um levantamento do grupo de pesquisa independente Climate Central, publicado na última semana, os preços do cacau enfrentaram um aumento de 136% entre 2022 e 2024. A análise indica que as mudanças climáticas que afetam o continente africano, onde 70% do cacau é produzido, contribuíram parcialmente para esta alta.
Allana Rodrigues, diretora de relações institucionais da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) explica que, por tratar-se de uma commodity, o preço do cacau é cotado em bolsa de valores. Ou seja, as dificuldades enfrentadas pela África já seriam o suficiente para impactar os valores no Brasil. Somado a isso, as produções nacionais de cacau enfrentam os mesmos problemas.
— A indústria processadora recebe, em média, só aqui no Brasil, 200 mil toneladas de amêndoas de cacau por ano. No último ano, tivemos uma queda de 18,5% no recebimento dessas amêndoas. O que significa que recebemos 179,4 mil toneladas. A diminuição também é refletida em uma pressão no preço dessas amêndoas. A oferta é menor globalmente e a demanda tem aumentado ao longo dos anos — afirma Allana.
Os produtores são responsáveis pelo cultivo da árvore do cacaueiro (Theobroma cacao), que dá os frutos onde as amêndoas de cacau são encontradas. Depois, as indústrias processadoras utilizam as amêndoas para fazer as matérias-primas oriundas do cacau: o pó, o líquido e a manteiga. As outras pontas do setor precisam desses insumos para produzir chocolates e cosméticos, por exemplo.
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Chocolateiras e consumidores percebem o aumento
Quando há redução na produção e processamento, há, também, diminuição na fabricação dos produtos que chegam até o consumidor. O efeito, assegura Allana, costuma afetar todas as pontas do setor. Fabiano Contini, presidente da Associação de Chocolateiros de Gramado (Achoco), pontua que as chocolateiras do Rio Grande do Sul já sentem o impacto nos preços:
— O preço do cacau já aumentou. Desde o ano passado, gradativamente tivemos repasses de aumento de preço. O consumidor também está sentindo. Não só no chocolate, ele sente em outros produtos também, como o café, que teve um grande aumento. Mas o consumidor que busca qualidade em um chocolate, já sabe desse aumento — explica Contini.
Felipe Kalil, engenheiro-agrônomo especialista em cacau e café, percebe que as empresas têm diminuído o tamanho das embalagens para não aumentar tanto os preços. Para ele, trata-se de uma estratégia para tornar o repasse nos valores mais imperceptível para os consumidores.
Os especialistas entendem que, se a oferta continuar sendo afetada por esses problemas, a tendência é de que o valor dos produtos suba ainda mais.
— O preço do cacau aumentou muito em 2024. Tivemos uma redução que só foi consolidada agora. Talvez seja mais natural perceber outro aumento em 2025. Acho que é um movimento de mercado natural que esses custos sejam repassados ao longo da cadeia — defende Allana, da AIPC.
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Impacto das mudanças climáticas nas plantações
A Climate Change analisou como as mudanças climáticas afetaram a frequência de temperatura máxima diária acima de 32°C em países como Camarões, Gana e Nigéria entre 2014 e 2024. A maioria das áreas analisadas enfrentou, pelo menos, seis semanas adicionais por ano de calor limitante para o cacau. O estudo também pontuou a mudança nos padrões de chuva dos últimos 10 anos.
Esses dados são importantes porque, segundo Kalil, a planta de cacau é muito sensível. São necessárias condições específicas de temperatura, chuva e umidade para que floresça adequadamente.
— Essas alterações, por exemplo, alta temperatura, excesso de chuva, ou essa alternância entre períodos de estiagem e excesso de chuva, geram um desbalanço fisiológico na planta e faz com que a planta, por ora, interrompa o ciclo dela de produção, de frutificação. Perdemos pequenos ciclos que, ao longo de 12 meses, acarretam numa quebra significativa na produção — acrescenta o especialista.
Nos últimos anos, o Brasil também sofreu com as mudanças climáticas. O excesso de chuva e a estiagem variam conforme a atuação do La Niña e do El Niño, que causam prejuízos para diferentes setores da agricultura, não só o cacau. Ao mesmo tempo, os padrões de temperatura foram afetados por episódios de calor extremo ou ondas de calor frequentes.
— Aqui no Brasil, nos últimos dois anos, tivemos os dois opostos. De 2022 para 2023, tivemos um período de veranico intenso, de seca e de estiagem prolongada. E agora, de 2023 para 2024, tivemos um excesso de chuva. Fomos acometidos pela falta e pelo excesso de água, o que ocasionou uma quebra na produção — pondera.
Estados como Bahia, Pará, Rondônia e Espírito Santo contam, atualmente, com uma forte produção de cacau. Kalil acredita que a expansão da produção para regiões não tradicionais, como Mato Grosso, Minas Gerais e São Paulo, por exemplo, pode ajudar a driblar alguns dos problemas com o clima.