O cartão de visitas, entregue em mãos, por uma assessora gaúcha da Scala ao governador Eduardo Leite, durante ponte aérea, em São Paulo, selou o endereço de R$ 3 bilhões em investimentos, planejados pela empresa no Estado e, de quebra, fixou um alfinete verde sobre o mapa do Rio Grande do Sul em uma das principais indústrias da nova economia mundial, que é acompanhada de perto por big techs como Google, Amazon, Oracle e Microsoft.
A quantia será aportada na primeira fase do projeto, que prevê erguer, nos próximos 24 meses, em Eldorado do Sul, uma estrutura pensada para atender a demanda por transmissão de dados gaúcha e do Cone Sul por uma década. A capacidade será de 54 megawatts (MW) — sete vezes a atual disponibilidade do RS, maior do que a totalidade existente na Argentina.
O valor, confirmado na semana passada, é apenas a primeira parcela de um plano muito mais ousado e duradouro, cujo cálculo pode chegar a US$ 50 bilhões na construção da “cidade dos data centers”, naquele que foi o município da Região Metropolitana mais afetado pela enchente de maio.
Quando consideradas atividades complementares necessárias na cadeia de suplemento e fornecimento de energia elétrica, entretanto, os números saltam para US$ 120 bilhões. Significam cerca de R$ 500 bilhões, pela cotação do câmbio atual, ou “o meio trilhão de reais”, conforme Leite fez questão de demarcar na coletiva de imprensa que detalhou o que pretende a empresa líder do mercado latino-americano de plataformas Hyperscale — essas gigantescas instalações que dão suporte à armazenagem e ao processamento de dados — ao inserir o Estado na rota de um mercado em ebulição.
O cenário atual é moldado pelas exigências criadas na esteira da explosão do uso de ferramentas de inteligência artificial (IA), que terá a sua demanda ampliada em 33,1% até 2029.
Valores e consumo de energia envolvidos impressionam

As cifras envolvidas impressionam e, não raro, geram a desconfiança de quem se depara com os volumes divulgados até então. Nada mais natural, explica Jorge Audy, referência internacional em sistemas de informação e superintendente de Inovação e Desenvolvimento da PUCRS e do Tecnopuc, quando se está diante de algo novo, mas, sem o qual, não prosperará economia alguma em médio e longo prazo.
Ele explica: tudo que está armazenado "na nuvem", na verdade, está nestes grandes data centros globais. Essas instalações, acrescenta Audy, requerem fundamentalmente fontes abundantes de energia renovável. O crescimento da IA e da ciência de dados acelerou essa necessidade.
Para se ter uma base de comparação, um data center com 10 MW de capacidade consome o equivalente a 6 mil secadores de cabelo de 1.500 W simultaneamente.
É o que faz com que apenas a primeira fase do investimento da Scala no Estado, segundo informa o CEO da empresa, Marcos Peigo, precise de quantidade de energia similar à de Brasília.
Na segunda etapa, quando os servidores seriam 100% destinados à inteligência artificial, os 4,7 mil MW de consumo superariam o consumo atual em todo o Estado do Rio de Janeiro, o que deixaria receitas polpudas de ICMS no caixa gaúcho.
— É isso que induz o crescimento destas infraestruturas em escalas exponenciais. A tendência mundial é essa: se criarem verdadeiros distritos ou cidades de processamento de dados ao redor do mundo. Porto Alegre se posicionar como um destes distritos globais, desde já, é muito importante para o futuro do RS, em especial para tecnologia e inovação, onde além de recursos e empregos diretos gerados nestes megaempreendimentos, efeito de atração de novos investimentos locais e internacionais de empresas de tecnologias, as chamadas big techs, é enorme — resume o superintendente do Tecnopuc.
Oportunidade para tornar o país referência mundial no setor

Ex-secretário da Fazenda e entusiasta de temas que envolvem a educação e a dinamização da atividade no RS, sobretudo, para fazer frente aos desafios das mudanças climáticas e do envelhecimento da população, Aod Cunha percebe no investimento que ajudou a consolidar nos bastidores oportunidade de estabilizar potencial com margem a ser mais bem aproveitado no Estado.
Trata-se da possibilidade de oferecer áreas e energia limpa barata e sustentável em espaços físicos compatíveis com as estratégias de empresas inseridas no contexto da transição energética.
É o caso da Scala, empresa que nasceu em 2019, após a aquisição de dois data centers em São Paulo e, hoje, possui investimentos no Chile, no México, na Colômbia e acabou de concluir aporte de R$ 6,5 bilhões, em Barueri (SP), sem nunca ter usado 1 MW de energia proveniente de fontes não renováveis.
— Por isso é necessário que no Brasil e, aqui, a gente tenha a compreensão dessa imensa oportunidade, porque transição energética, como diz o próprio termo, é transitória. Ela transita, ela passa. Hoje, as principais economias do mundo têm boa parte da sua geração de energia de fontes não renováveis, não limpas, mas com o tempo elas mudarão esse cenário — reforçou o governador Eduardo Leite.
Leite garantiu que o Estado possui energia suficiente para a primeira etapa do investimento, inclusive com subestação localizada ao lado do terreno adquirido pela empresa. Leite comenta que, para a segunda fase, os 27 projetos de geração eólica offshore na fila de espera no RS — a maior quantidade do país — tendem a ganhar celeridade após o marco regulatório, recentemente aprovado pelo Congresso.
Pulo do gato
O economista Aod Cunha lembra que países com demandas mais intensa, como os Estados Unidos não estão dando conta, no curto prazo, de dois a cinco anos, de responder a enorme demanda, principalmente, pela falta de uma combinação mais adequado de oferta de energia menos cara e limpa.
— O investimento inicial de R$ 3 bilhões já é ótimo e dá conta de toda a demanda atual projetada no RS. Mas o “pulo do gato” é outro. É o Estado e o Brasil se tornarem um hub global de oferta desses serviços para empresas gigantes. E aí que se chega a algo que pode ser 10 ou 100 vezes maior do que o primeiro passo que foi dado agora — explica Cunha.