Referência mundial para os temas que envolvem a transição para a chamada economia verde, o indiano Pavan Sukhdev busca mensurar, há quase duas décadas, o valor da natureza, não apenas para os seres humanos, mas também para as economias globais. O analista de mercado que, agora, se define como economista ambiental participou de uma série de inciativas ligadas ao assunto e, atualmente, preside a World Wide Fund for Nature (WWF), uma das principais organizações não-governamentais para as áreas da conservação, investigação e recuperação do ambiente.
E se o uso da floresta amazônica para agricultura fosse remunerado, na condição de “fábrica de chuvas”, responsável por 20 bilhões de toneladas de vapor de água diários, que alimentam uma produção agrícola estimada em US$ 240 bilhões em toda a América Latina? Quantos países pagariam pelo insumo vital para suas economias? E o que aconteceria caso as abelhas cobrassem por US$ 190 bilhões associados aos efeitos da polinização que garante cerca de 8% da agricultura global?
Essas e outras provocações, sempre fundamentadas em dados e cifras, são frutos do icônico estudo TEEB (a economia dos ecossistemas e da biodiversidade, na sigla em inglês), que contabilizou riscos e oportunidades, entre 2007 e 2011, a pedido do grupo dos oito países mais ricos do mundo — o G8.
Comandada por Sukhdev, que também atuou como conselheiro-chefe da ONU no programa Economia Verde, a pesquisa é um marco para a temática, antes mesmo da onda ESG (meio ambiente, social e governança, na sigla em inglês) passar a ditar tendências.
Por e-mail, Sukhdev, que encerrou o ciclo Fronteiras do Pensamento em 2021, concedeu a seguinte entrevista:
Sobre o trabalho realizado desde a época do TEEB, há quase 15 anos, como você percebe a evolução dos processos até agora?
Há mais de uma década, o relatório encomendado pelo G8+5 (grupo das oito maiores potências mundiais — Estados Unidos, Canadá, Japão, França, Itália, Alemanha, Reino Unido e Rússia — mais as cinco principais economias emergentes: Brasil, México, Índia, África do Sul e China), o TEEB, estimou que as perdas chegassem entre US$ 2,5 trilhões e US$ 4 trilhões em valor econômico por causa dos serviços ecossistêmicos gastos anualmente em razão das nossas políticas e práticas “tradicionais de negócios”, somadas ao resultado do desmatamento e da degradação das florestas ao redor do planeta. Veja, dois terços da economia global pertencem ao setor privado no que se refere ao Produto Interno Bruto (PIB) dos países e os empregos gerados. Essa proporção reflete também os danos ambientais na nossa economia. Portanto, para mudar a direção das crescentes degradações e perdas dos ecossistemas e da biodiversidade, é realmente importante traduzir os impactos das empresas do setor privado na natureza em cifras econômicas, para que os executivos e o público em geral possam entende-los e, assim, comecem a responder a eles. Pode-se dizer que, houve, sim, um progresso considerável nessa frente com a formação do TEEB for Business Coalition, em 2012, que, mais tarde, se tornou a Natural Capital Coalition, em 2014, e publicou o Natural Capital Protocol, em 2016. A partir disso, o TEEB atua e atuou como uma orientação fundamental para qualquer empresa medir seus impactos e dependências da natureza. Esse pensamento foi amplamente endossado e espero que também se reflita na orientação a ser emitida pela Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza (TNFD, na sigla em inglês), lançada recentemente. Iniciativas politicamente importantes, como o Pacto Verde da União Europeia para a natureza, também adotaram esse mesmo pensamento.
Você diria que a ideia de atribuir um valor econômico correspondente à biodiversidade tornou-se mais aceitável entre os governos e as organizações privadas?
Está claro para muitos Bancos Centrais e supervisores financeiros que a degradação do ecossistema e a perda de biodiversidade acelerada pelas mudanças climáticas podem ter impactos danosos significativos na estabilidade financeira dos países. Os governos estão cada vez mais contribuindo e fazendo uso do sistema de Relatórios Inclusivos de Riqueza das Nações Unidas (ONU) e os governos mais avançados, por sua vez, estão implementando o Sistema de Contabilidade Ambiental-Econômica (SEEA, na sigla em inglês), também da ONU. A Declaração de Glasgow, na Escócia, da Network for Greening the Financial System (NGFS) mostra a interconexão entre as perdas da natureza e as mudanças climáticas, bem como a intenção de incluir questões transversais relacionadas à conservação e restauração de florestas e outros ecossistemas críticos na transição para um agronegócio formado por práticas agrícolas e de manejo de terra muito mais sustentáveis.
O modelo atual e tradicional de negócios, até hoje, conseguiu entregar um sistema alimentar que causa 23% das emissões de gases de efeito estufa, deixa 800 milhões de pessoas passando fome, já fez dois bilhões de pessoas sofrerem de desnutrição, resultou em 1,9 bilhão de pessoas com excesso de peso.
O Brasil, por exemplo, é um país com economia dependente de commodities agrícolas. Em vez de calcular os danos às florestas ou precificar recursos naturais, há, por aqui, certo incentivo para destinar mais áreas da floresta amazônica para fins agrícolas e de segurança alimentar. O que você pensa sobre o tema?
O modelo atual e tradicional de negócios, até hoje, conseguiu entregar um sistema alimentar que causa 23% das emissões de GEE (gases de efeito estufa), deixa 800 milhões de pessoas passando fome, já fez dois bilhões de pessoas sofrerem de desnutrição, resultou em 1,9 bilhão de pessoas com excesso de peso — destas, 700 milhões são obesas. Nosso sistema alimentar está completamente quebrado e a produção sustentável de alimentos, por outro lado, tem maior rendimento, menores riscos, é mais lucrativa, melhor para a saúde humana e para a saúde das economias globais em longo prazo. O Brasil deveria alavancar o seu tamanho neste mercado para consolidar suas vantagens competitivas e se posicionar, de uma vez por todas, como o maior produtor de alimentos sustentáveis e, com isso, ocupar lugar de referência em soluções baseadas na natureza.
Nesse caso, como é possível contrabalancear a demanda crescente por produção de alimentos para o planeta e a necessidade de preservação ambiental?
Transformar a agricultura usando técnicas agroecológicas e naturais tem demonstrado gerar benefícios consideráveis na mitigação das mudanças climáticas, economizando água e gerando aumento de renda. Além disso, as soluções baseadas na natureza melhoram a captura e armazenamento de carbono, a produtividade agrícola, a qualidade da água, a proteção contra tempestades e ciclones. O Brasil pode definitivamente ganhar escala na produção sustentável de alimentos e criar, inclusive, uma “marca Brasil” para alimentos sustentáveis, obtendo mais valor do que o pago pelas mesmas commodities atualmente.
Outro desafio parece ser a implementação da “economia verde”, porque será necessário usar a “economia poluente” durante a transição. Trocando em miúdos, até que se possa construir fontes de energia renováveis suficientes, não será preciso consumir ainda muito combustível fóssil?
Há uma tremenda oportunidade em se buscar um caminho econômico alternativo, uma Economia Verde inclusiva. Estimativas recentes do Fórum Econômico Mundial sugerem que a transição sustentável em setores centrais: alimentos, uso da terra e oceanos, infraestrutura, construção, energia e extrativos, precisaria de investimentos em capital de cerca de US$ 2,7 trilhões por ano. Por outro lado, isso poderia gerar US$ 10,1 trilhões em oportunidades de negócios anuais e mais de 395 milhões de empregos até 2030, melhorando assim os meios de subsistência e aumentando a resiliência das comunidades em todo o mundo. Mas, para que isso ocorra, tem de haver uma mudança acelerada para fontes de energia renováveis ??que levem a uma pressão reduzida sobre o consumo de combustíveis fósseis e protejam as sociedades e economias dos danos que inevitavelmente serão causados por um colapso climático.
Você acredita que as empresas e governos, especialmente, do Brasil e da América Latina têm sido movidos, no momento, por riscos ambientais ou por oportunidades de negócios?
Como eu disse antes, as oportunidades de negócios não significam necessariamente colocar o nosso meio ambiente em risco. Existem inúmeras oportunidades para obter lucros de forma sustentável. Nossas dependências econômicas da natureza se traduzem em ganhos e perdas financeiras, e negócios inteiros estão surgindo do gerenciamento desses riscos e transições. Os ganhos podem vir do uso eficiente de recursos naturais, soluções baseadas na natureza e a adição de tais serviços restaurará a produtividade e revitalizará a economia do futuro. Olhe para empresas como MSCI (empresa financeira norte-americana), DNV-GL (sociedade norueguesa de classificação e registros credenciada internacionalmente), Sphera (gerenciadora de riscos e performance ESG) e outras, e veja como seus valuations (estimativas de valor) estão subindo!
Embora relevantes, os compromissos voluntários já não são suficientes para reduzir os impactos na natureza ou no clima. menos de 1% dos US$ 27 trilhões de ativos de fundos globais disponíveis hoje no planeta estão alinhados com as metas do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas. No entanto, os compromissos “ESG” e a “Net Zero” ajudam a conscientizar.
Em 2008, você estimou a perda de capital natural em US$ 3 trilhões e disse que essas riquezas naturais fazem parte do PIB dos países. Como os governos globais podem contribuir para a formação de índices econômicos para mensurar e divulgar essas externalidades?
Na verdade, a perda estimada foi entre US$ 2,5 trilhões e US$ 4 trilhões por ano, dependendo de diferentes cenários e de taxas de desconto. Mais recentemente, o relatório Futuro Global do World Wide Fund for Nature (WWF) mostrou que a eventual manutenção dessa abordagem nos “negócios tradicionais” contribuirá para uma perda cumulativa de PIB de quase US$ 10 trilhões até 2050 nas principais áreas de biodiversidade e dos seis principais serviços ecossistêmicos provedores. Por essa razão, a melhor alternativa para os governos é mensurar os seus próprios estoques e ativos de capital natural de forma contínua, medindo a sua depreciação ou valorização anualmente. O ponto de partida é alimentar, gratuitamente e semestralmente, dados melhores no Relatório de Riqueza Inclusiva das Nações Unidas. A partir disso, o próximo passo é reconhecer que os investimentos em capital natural são mais urgentemente necessários em mercados e economias emergentes, alinhando os mandatos das Instituições Financeiras Internacionais com uma estrutura global de biodiversidade pós-2020 e mobilizando o financiamento privado por meio de mecanismos de financiamento misto nesses mercados e economias. Outra maneira, é usar os fundos públicos melhor redirecionando os subsídios: menos para atividades prejudiciais, e mais para atividades positivas à natureza e socialmente inclusivas.
Qual é a influência de iniciativas como a Asset Zero e a onda ESG na transformação das economias mundiais em direção da economia verde?
Embora relevantes, os compromissos voluntários já não são suficientes para reduzir os impactos na natureza ou no clima. De acordo com o último relatório do Carbon Disclosure Project (CDP), menos de 1% dos US$ 27 trilhões de ativos de fundos globais disponíveis hoje no planeta estão alinhados com as metas do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas. No entanto, os compromissos “ESG” e a “Net Zero” ajudam a difundir a conscientização. Devemos saudar os compromissos assumidos pela Glasgow Finance Alliance for Net Zero (GFANZ) por mais de 450 instituições financeiras representando recursos superiores a US$ 130 trilhões em capital para entregar uma economia líquida e zero carbono até o ano 2050. Este é um trampolim para tornar o ecossistema de investidores mais consciente de suas responsabilidades para com a natureza e também para que as corporações comecem a mensurar seus impactos no meio ambiente e a promoverem as mudanças apropriadas em suas respectivas estratégias.
Que outros movimentos seriam necessários para acelerar o processo?
A intervenção de reguladores, supervisores e bancos centrais é urgentemente necessária para garantir que o setor financeiro desempenhe plenamente o seu papel no apoio a uma transição zero líquida e positiva de natureza. Precisamos de novas instituições e “regras de fluxo” que reconheçam que as alterações climáticas e a biodiversidade são importantes e que essas duas questões têm de ser abordadas de mãos dadas. O relatório intercalar do grupo de estudos NGFS/Inspire sobre Biodiversidade, evidencia o fato de que o roteiro do Grupo de Trabalho de Finanças Sustentáveis do G-20 (grupo dos 20 países mais ricos) pretende se expandir além do clima e incluir a natureza como um todo e a biodiversidade em seu escopo de compromissos para acabar com o desmatamento e aumentar os investimentos em soluções baseadas na natureza. Isso ocorreu durante a COP-26 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, realizada em Glasgow, na Escócia, em novembro de 2021), por ocasião do lançamento do TNFD. O foco deve ser na padronização precoce das estruturas de relatórios, a fim de evitar a proliferação de outras diversas e diferentes estruturas.
O quão importante isso seria e que efeito teria nas economias globais? Quem deve liderar esse processo: governos ou organizações?
As externalidades de hoje são os riscos de amanhã e as perdas do futuro. Isso está tão gradualmente se infiltrando no pensamento das corporações — sejam elas grandes ou pequenas — que todas começam a perceber que os investidores estão olhando para o desempenho, além de apenas as previsões de lucro. Os investidores estão olhando para os riscos iminentes no horizonte próximo, olhando para os ativos ociosos, e elas (as empresas) estão tentando entender o tamanho das externalidades que envolvem cada investimento, bem como a probabilidade de internalização. Eu vejo um caminho a seguir como internalização bastante bem desenhado. É por isso que vejo o anúncio da International Sustainability Standards Board (ISSB) como o evento mais significativo da COP-26 de Glasgow. Isso significa que o fornecedor mais importante de padrões de Contabilidade Financeira está agora entrando de cabeça no negócio de fornecer padrões de sustentabilidade para o setor privado, o que é uma excelente notícia! Isso definirá uma mudança fundamental e necessária na forma como o desempenho corporativo é medido e ajudará ainda mais os governos a elaborarem políticas e regulamentos. Essas reformas políticas ajudarão a gerenciar externalidades negativas, divulgando aqueles subsídios perversos e rastreando de perto a transparência.