Às vésperas do último ano de mandato, o governo de Jair Bolsonaro tem ao menos três pautas envolvendo temas polêmicos no Congresso. Uma delas, a PEC dos Precatórios deverá ser retomada nesta terça-feira (30) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Já a reforma do Imposto de Renda (IR) ainda aguarda aval do Senado. E a reforma administrativa — alvo de críticas tanto à esquerda quanto à direita — sequer foi analisada na Câmara, onde Bolsonaro tem maior apoio.
As causas da dificuldade, na avaliação de analistas, vão da falta de consenso à articulação política incerta, além das divergências dentro do próprio governo. A proximidade do pleito de 2022 também mexe com os interesses em jogo.
A revisão do IR, como ficou conhecida a segunda etapa da reforma tributária sugerida pelo Palácio do Planalto, está desde setembro no Senado — e no centro de uma queda de braço entre o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o chefe da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A expectativa é de que só seja votada em 2022.
— Fica para o ano que vem a decisão para esse projeto da reforma do Imposto de Renda — disse Pacheco nesta segunda-feira (29), durante evento na Federação do Comércio do Estado do Paraná (Fecomércio-PR), em Curitiba.
No caso da PEC dos Precatórios, a aprovação é considerada vital pelo governo por ampliar o teto de gastos e viabilizar a expansão imediata do Auxílio Brasil (substituto do Bolsa Família). O texto foi chancelado na Câmara, no último dia 9, mesmo após a suspensão das chamadas emendas de relator pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Essas emendas permitem a liberação de recursos em troca de apoio.
No Senado, contudo, a pauta entrou em ritmo mais lento. O relatório do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo na Casa, foi lido na reunião da última quarta-feira e houve pedido de vista coletivo. Após pressão do governo, a CCJ da Casa avalia nesta terça a PEC, que terá de passar também pelo plenário.
A situação da reforma administrativa é diferente. Por mexer nas regras do funcionalismo e ser criticada inclusive entre quem defende mudanças na estrutura do serviço público, a matéria não mobiliza nem mesmo as forças do governo. A exceção é o ministro da Economia, Paulo Guedes, que tenta levar a discussão adiante em voo solo, entre avanços e recuos.
Essas dissonâncias e, por consequência, a falta de um "norte" nas relações com o Legislativo, explicam, em grande medida, segundo o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a dificuldade de avançar.
Monteiro lembra que Bolsonaro se elegeu com a promessa de romper com o toma lá dá cá da velha política, mas, na avaliação do pesquisador, não conseguiu fazer isso e também "não estabeleceu, até agora, uma estratégia clara para lidar com o Congresso".
A questão é que o Executivo costuma ser o grande propositor de leis e é quem define a pauta do Legislativo, mas, como o governo não tem uma linha clara, a lógica do Legislativo está se sobrepondo. É a lógica da negociação, da busca de recursos.
GERALDO TADEU MONTEIRO
Professor da UFRJ
— A articulação política é confusa, com cada um falando uma coisa, cheios de divergências internas. A questão é que o Executivo costuma ser o grande propositor de leis e é quem define a pauta do Legislativo, mas, como o governo não tem uma linha clara, a lógica do Legislativo está se sobrepondo. É a lógica da negociação, da busca de recursos. Não tem como fugir disso: propor e conduzir grandes reformas é uma tarefa do Executivo, que tem o papel de apontar os rumos — afirma Monteiro.
Desde que obteve o apoio do centrão (bloco informal de partidos de centro e centro-direita que se uniu para ganhar musculatura política), o governo Bolsonaro conseguiu avanços na Câmara, onde mantém linha direta com o presidente Arthur Lira e conta com uma base maior. Ainda assim, ressalta o analista político Carlos Borenstein, da Arko Advice, o apoio é difuso, pulverizado, e não garante fidelidade.
— O centrão, muitas vezes, é vendido como um bloco único, quando, na verdade, é muito fragmentado e tem diferentes interesses, nem sempre convergentes com as pautas governistas. Esse é um ponto que precisa ser levado em conta. Além disso, as dificuldades do governo aumentaram com a decisão do Supremo de impedir, ao menos por enquanto, as emendas de relator, que, na prática, são um instrumento de poder do Executivo — analisa Borenstein.
Não se pode menosprezar, também, o fato de que os temas em questão são complexos e estão longe do consenso. A menos de um ano das eleições, a disposição de deputados e senadores para votar assuntos do tipo diminui. O foco, a partir de agora, são as urnas.
— Isso sem contar que o governo vem enfrentando uma queda de popularidade. Existe um desgaste, e os parlamentares já olham isso pensando na eleição. O próprio presidente do Senado vem sendo apontado como possível candidato à Presidência da República pelo PSD, o que faz com que adote uma posição maior de independência — pondera o analista.
O governo praticamente se tornou refém da Câmara, porque sabe que o processo de impeachment nasce lá, e alguns parlamentares se aproveitam disso para extrapolar. Como resultado, têm chegado textos descalibrados ao Senado, e os senadores têm tido uma atitude mais prudente.
ANTÔNIO AUGUSTO DE QUEIROZ
Consultor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
Na prática, o Senado acabou assumindo, na avaliação do cientista político Antônio Augusto de Queiroz, consultor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), "uma postura de maior equilíbrio", retardando ou reformulando propostas já aprovadas pelos deputados, que se tornaram foco de críticas.
— O governo praticamente se tornou refém da Câmara, porque sabe que o processo de impeachment nasce lá, e alguns parlamentares se aproveitam disso para extrapolar. Como resultado, têm chegado textos descalibrados ao Senado, e os senadores têm tido uma atitude mais prudente. Como os ajustes muitas vezes são ignorados na Câmara, a solução tem sido não deixar andar e propor alternativas — diz Queiroz.
As propostas
1) Reforma do Imposto de Renda
- Na semana passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), voltou a cobrar do Senado a votação da reforma do IR
- O Projeto de Lei nº 2.337/21 foi aprovado em setembro pelos deputados e aguarda deliberação dos senadores, mas não há perspectiva de votação
- Em resposta, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que seu compromisso é com os senadores e com a Constituição
- De autoria do Poder Executivo, o projeto é a segunda fase da reforma tributária e foi aprovada na Câmara na forma de substitutivo (quando o texto original sofre alterações)
- Entre as alterações previstas, estão a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) de R$ 1.903,98 para R$ 2,5 mil mensais e a taxação de lucros e dividendos em 15%
2) Reforma administrativa
- Em novembro, Arthur Lira disse não ver mobilização "nem do governo nem da sociedade" para que o tema da reforma administrativa seja votado ainda neste ano
- A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32/2020 foi apresentada pelo governo federal ao Congresso em setembro do ano passado
- Em setembro de 2021, teve um substitutivo (novo texto, alterando pontos do original) aprovado na comissão especial e está pronto para ir a votação no plenário
- O substitutivo mantém a estabilidade para todos os servidores concursados, mas abriu a possibilidade de demissão por desempenho insuficiente e de corte de salário em até 25% em caso de crise fiscal
- Por ser uma PEC, para entrar em vigor, precisará da aprovação de dois terços das duas Casas Legislativas, em dois turnos
3) PEC dos Precatórios
- Em meio à polêmica das emendas de relator, a Câmara dos Deputados aprovou no início de novembro, em dois turnos de votação, a PEC nº 23/21, do Poder Executivo
- A proposta limita o valor de despesas anuais do governo federal com precatórios, que são dívidas da União já reconhecidas na Justiça
- Além disso, o texto altera a forma de calcular o teto de gastos, ampliando o limite permitido, o que é alvo de polêmica
- Agora, o governo pressiona por aprovação no Senado, onde o texto tramita na Comissão de Constituição e Justiça
- O governo tem pressa, pois precisa garantir espaço no orçamento para poder pagar, ainda em dezembro, o Auxílio Brasil no valor de R$ 400