Em 4.403 municípios brasileiros, 79% do total, o valor injetado na economia local com o pagamento do auxílio emergencial à população vulnerável durante a pandemia de covid-19 superou a arrecadação com os impostos e taxas de competência municipal, como o ISS (serviços) e o IPTU (propriedade urbana).
No total, segundo estudo da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), houve queda de 2,2% nas receitas próprias dos municípios, de origem tributária, que acabou sendo compensada pelo crescimento de 13,4% nas receitas de transferências, incluindo o socorro federal. Com isso, a receita geral teve um aumento de 6,7%. O levantamento considerou 4.681 dos 5.570 municípios do país que repassam dados ao Tesouro Nacional.
O auxílio termina no dia 31 dezembro, sem uma solução para reforçar a rede de proteção para a população que vai perder o benefício e não tem outra fonte de renda. Essa dependência do benefício, a recuperação mais lenta do setor de serviços e as incertezas decorrentes do avanço da pandemia antecipam um risco maior para a atividade econômica dos municípios, aponta o estudo.
Para o presidente da Febrafite, Rodrigo Spada, até março essas incertezas não vão se resolver, e seria necessária a prorrogação do benefício por mais alguns meses.
— O auxílio vai acabar e não tem nenhum plano de saída e nem uma perspectiva de vacinação rápida — disse, ao defender uma prorrogação no trimestre e uma avaliação posterior em relação à necessidade de mais uma rodada da ajuda.
De acordo com Spada, a pandemia acentuou a desigualdade entre os Estados e municípios por causa do sistema tributário, o que reforça a necessidade da reforma em 2021. Boa parte das cidades é muito dependente dos serviços, que foram duramente afetados pelas medidas de isolamento social. As propostas de reforma preveem um tributo único, que seria cobrado de bens e serviços, e cuja arrecadação seria dividida entre União, Estados e municípios.
O estudo da Fibrafite, feito pelos economistas Vilma Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre, da Fundação Getúlio Vargas), e Juracy Soares, auditor fiscal do Estado do Ceará, aponta o impacto heterogêneo da covid-19 nas cidades, muito em razão de como os serviços se recuperam.
Os municípios mais intensivos em serviços prestados às famílias — como turismo, serviços domésticos, salões de beleza, etc, que tiveram desempenho mais afetado pelos efeitos da quarentena —, por exemplo, tendem a ter um impacto negativo em suas receitas tributárias próprias maior do que em outros cuja predominância econômica ocorra em serviços que tiveram uma recuperação melhor no curto prazo.
Bens e serviços
A Febrafite já havia apresentado estudo anterior sobre os resultados do benefício aos vulneráveis nos Estados, que têm o seu principal imposto, o ICMS, cobrado sobre os bens, justamente produtos mais comprados com o dinheiro do auxílio. No caso do tributo dos municípios, o ISS incide sobre serviços, que além de terem sido mais impactados pela pandemia, são consumidos menos pelos mais pobres.
Segundo a pesquisadora Vilma Pinto, do Ibre/FGV, muito se discutiu sobre os impactos que o auxílio emergencial e as medidas de apoio da União desempenharam junto aos Estados, mas pouco se falou das consequências no nível municipal.
A queda abrupta da renda do benefício aliada às incertezas é um risco, mesmo diante do fato de muitos prefeitos estarem com caixa mais gordo devido ao socorro do governo federal.
Fora os setores de tecnologia da informação, serviços técnico-profissionais, armazenagem, auxílio a transportes e Correios, que tiveram impulso devido à alta na demanda por atividades ligadas ao e-commerce e delivery, os dados apontam que será necessário crescimento no volume de serviços em 6,5% para recuperar as perdas sofridas pela pandemia.
— É um desafio enorme, dadas as incertezas econômicas que ainda permanecem no Brasil — afirma Vilma.
Antes da pandemia, o desempenho dos serviços e do comércio varejista apresentavam trajetórias e níveis similares. Mas houve um distanciamento na recuperação. O comércio varejista se recuperou rapidamente, e já se posiciona acima do nível observado antes da pandemia (fevereiro de 2020). Já os serviços, apesar de terem apresentado melhora, ainda sofrem com os efeitos da covid-19.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.