A tensão na área ambiental joga incertezas sobre o andamento de negociações que envolvem o Brasil, dizem analistas. Neste momento, o principal acordo comercial em discussão é o do Mercosul com a União Europeia (UE). Anunciado no ano passado, ainda depende da aprovação parlamentar dos países de ambos os blocos econômicos.
Novo sinal de alerta foi registrado na última quarta-feira (3). Na ocasião, a maioria dos deputados holandeses aprovou moção contra o acordo. Trata-se de um pedido para que o governo local questione, junto à UE, o avanço das tratativas. A questão ambiental brasileira e a preocupação com a Amazônia foram usadas como argumentos para a medida.
Diante do cenário, analistas temem que o acerto se desenvolva em velocidade mais lenta do que a esperada ou até mesmo não saia do papel.
– Não estou no Itamaraty, mas diria que o acordo subiu no telhado. A postura do Ministério do Meio Ambiente tem sido muito destrutiva para o país – afirma o economista Claudio Frischtak, sócio-gestor da Inter.B Consultoria.
Presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro avalia que, apesar da turbulência, não haverá revés no acerto. Na visão do dirigente empresarial, o tratado pode trazer benefícios para ambos os blocos econômicos.
– O acordo interessa aos dois lados. Acho que vai passar mesmo com a turbulência. O ideal seria que não houvesse isso, já que o meio ambiente tem peso muito grande, é uma preocupação mundial – reforça.
Ameaça de boicote
Ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil, Welber Barral avalia que polêmicas envolvendo o governo federal podem ser usadas para restringir exportações verde-amarelas. Em maio, redes de supermercados do Reino Unido ameaçaram boicotar produtos brasileiros em razão de medida provisória (MP) que tratava da regularização fundiária de ocupações em terras da União. A MP semeou divergências entre bancadas ruralistas e ambientalistas, mas não foi votada no Congresso, perdendo a validade.
– O Brasil está, literalmente, brincando com fogo. A movimentação vem crescendo para colocar barreiras contra produtos do país – aponta Barral. – A flexibilização de normas impacta a percepção internacional. Só que boa parte da humanidade nunca veio ao Brasil e imagina que, agora, a produção agrícola depende da destruição da Amazônia. Isso não é verdade. O agronegócio do país é extremamente moderno – acrescenta.
Já o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Bartolomeu Braz Pereira, diz que recentes declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não trazem riscos. O dirigente afirma que defende a desburocratização proposta pelo governo, sem trazer danos à natureza.
– Isso (a fala do ministro na reunião ministerial) não preocupa em nada. Foi balela da imprensa. Aquilo era uma reunião fechada. O ministro explicou depois o vem sendo feito. É a burocracia que leva à corrupção e à propinagem – aponta. – O licenciamento ambiental para retirar uma árvore pode levar anos. O que temos de fazer é melhorar os órgãos para fiscalizar quaisquer crimes – completa.
Mesmo com a recente manifestação de apoio de empresários ao Ministério do Meio Ambiente, declarações de Salles, não ficaram livres de ruídos no agronegócio. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente da Associação Brasileira de Agronegócio (Abag), Marcello Brito, questionou expressão usada pelo ministro em reunião do governo em abril:
– A questão de desburocratização é a pauta há 30 anos. Agora: é daquela forma? Não. Não precisa passar as coisas de baciada. Pega mal para o agro.
GaúchaZH entrou em contato com a Abag, que optou por não comentar o assunto. "Preferimos não polemizar ainda mais", informou a entidade, via assessoria de imprensa.
Desmatamento em alta na Amazônia
O desmatamento da Amazônia seguiu em alta durante a pandemia de coronavírus. Em abril, a área devastada subiu em torno de 64% em relação ao mesmo período de 2019, aumentando para 406,85 quilômetros quadrados. Os números integram o sistema de alertas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao governo federal.
GaúchaZH questionou o Ministério do Meio Ambiente sobre o avanço, mas não recebeu retorno até o fechamento desta edição. Em maio, o titular da pasta, ministro Ricardo Salles, afirmou à imprensa que a alta no desmatamento estava relacionada à pandemia. Devido a restrições impostas pela covid-19 a deslocamentos, a fiscalização teria sido dificultada, segundo ele.
Na ocasião, Salles também criticou governos anteriores e mencionou que o desmatamento vem subindo há anos no país. Em maio, o Palácio do Planalto enviou militares à Amazônia para auxiliar no combate ao problema.
Com o resultado de abril deste ano, o desmatamento na região acumula alta de cerca de 55% nos primeiros quatro meses do ano. Somente neste período, a área desmatada chegou a 1.202 quilômetros quadrados. O atual cenário gera críticas de grupos ambientalistas.
– O aumento é resultado da política do governo, que deixa marcas na floresta. É resultado da flexibilização desde o ano passado – comenta Luiza Lima, porta-voz da campanha de políticas públicas do Greenpeace.
O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que não é ligado ao governo, indicou aumento ainda maior no desmatamento. Segundo a organização, a área devastada subiu 171% em abril, alcançando 529 quilômetros quadrados. É a maior marca para o período desde 2008, afirma o instituto. A título de comparação, supera a extensão do município de Porto Alegre – 495,4 quilômetros quadrados, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em meio à pandemia, o governo federal tenta retomar repasses ao Fundo Amazônia. Alemanha e Noruega haviam suspendido o financiamento do programa, após divergências com o governo brasileiro. O comitê do fundo passou a ser comandado pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão, que substituiu o ministro Salles ainda no final do último mês de maio.