A conta chegou. E a fatura é cobrada de quem não fez o rombo. Vítimas de loteamento político e decisões de investimentos que trouxeram prejuízos e em muitas vezes se revelaram caso de polícia, os gigantes fundos de pensão de estatais como Petrobras, Caixa e Correios tiveram de apelar a contribuições extraordinárias de seus associados para tapar buracos bilionários.
Dados da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) mostram que, ao final do primeiro semestre, 74 entidades – das 308 supervisionadas pela autarquia – somavam déficit de R$ 77,6 bilhões, quase 10 vezes maior do que há cinco anos. Desse valor, mais de 97% das contas que não fecham são dos fundos ligados a empresas públicas.
Os negócios frustrados, em muitos casos relacionados a episódios onde se descobriu corrupção a partir do aparelhamento político dos fundos e negócios direcionados, contribuíram para que as receitas ficassem muito aquém das despesas previstas. Primeiro fundo do trio a recorrer a contribuições extraordinárias, o Postalis, dos Correios, começou a cobrar, em 2016, 17,92% dos salários e benefícios de trabalhadores e inativos. Neste ano, mais 2,73%, mordidas para tapar o rombo de R$ 6,2 bilhões até 2015.
— Isso foi causado por desvios e investimentos bastante duvidosos. Essa gestão fraudulenta tem muito a ver com leilão político e partidário que envolveu os fundos. E agora estamos pagando por isso — protesta Maria Inês Capelli, presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap).
Finalizada ano passado, a CPI dos Fundos de Pensão analisou casos de Postalis, Petros (Petrobras), Funcef (Caixa) e Previ (Banco do Brasil). Os problemas se concentraram nos três primeiros. O relatório final apontou 15 casos de má gestão e fraude que causaram perdas estimadas em R$ 6,5 bilhões.
Trabalhadores e aposentados da Petrobras souberam na metade deste mês o tamanho do desfalque nos seus contracheques, com contribuições que variam de 3,2% a 26,9%, dependendo do nível dos ganhos. Terão de arcar, por 18 anos, com uma conta de R$ 14 bilhões, parte de um rombo projetado de R$ 27,7 bilhões.
O restante será bancado pela empresa, cumprindo a regra de que o buraco também tem de ser tapado pelas patrocinadoras.
Na Funcef, que dobrou o déficit para R$ 12,47 bilhões em dois anos, novo desconto passou a ser cobrado neste mês.
Os funcionários e aposentados da Caixa já pagavam 2,78% desde o ano passado e, agora, são mais 7,86%, por 17 anos.
Para a presidente da Associação Nacional Independente dos Participantes e Assistidos da Funcef (Anipa), Lia Beatriz Menezes, os fundos foram, nos últimos anos, forçados a direcionar investimentos para projetos de risco por interesses políticos e que não eram compatíveis com o perfil dos planos, principalmente os mais maduros, que necessitavam de retorno mais rápido e seguro para fazer frente aos compromissos.
A Funcef, por exemplo, teve perdas bilionárias em investimentos na OAS, Sete Brasil e Engevix, investigadas na Lava-Jato e que acabaram em recuperação judicial.
As fraudes também viraram alvo da Polícia Federal na Operação Greenfield, que analisa especialmente investimentos na Eldorado Brasil, empresa depois vendida pelos donos da JBS.
— O nosso grande temor é que os valores não sejam recuperados, que quem deu causa aos maus resultados não seja responsabilizado e que a conta recaia totalmente sobre nós — diz Lia, da Anipa.
O olho gordo lançado sobre os fundos de pensão é explicado pelo gigantismo dos números. Juntas, as 308 entidades que existem no país, com cerca de 7,2 milhões de associados, somam ativos que chegaram a R$ 808 bilhões no final do segundo trimestre, conforme a Previc, valor equivalente a quase 13% do PIB brasileiro ano passado, de
R$ 6,26 trilhões. Apenas Previ, Petros, Funcef e Postalis têm, em ativos, R$ 326 bilhões.
Na justificativa para lançar mão do plano de equalização, o Petros atribui como causas do déficit um peso de 40% a desajustes estruturais, como mudanças no perfil familiar, e 60% a investimentos que não tiveram retorno esperado.
O fator mais importante, alega o fundo, foi a conjuntura econômica desfavorável e a disparada da inflação, que pegou as aplicações no contrapé, com redução da exposição a títulos públicos e maior participação de ativos de risco, pela expectativa frustrada de que a queda da taxa básica de juro (Selic) seria sustentável.
— Reconhecemos a crise de credibilidade que paira sobre o nosso segmento pelos déficits, que atingiram níveis históricos em 2015, mas estes equacionamentos serão reduzidos à medida que as contribuições são feitas por patrocinadores e participantes — diz Fábio Coelho, diretor-superintendente da Previc, órgão responsável por fiscalizar o setor.
Vindo do Banco Central e à frente do órgão desde março, Coelho avalia que os planos de equacionamento, aliados à recuperação da economia, dos investimentos em ações e de medidas regulatórios, farão os déficits começarem a recuar em 2018. Com isso, seria possível até dispensar a contribuição em parte do período estipulado.