
O alto endividamento das grandes empresas brasileiras e o risco de calote tornaram-se uma forte preocupação tanto dos bancos quanto do governo. As maiores instituições financeiras do país já montaram uma operação orquestrada para evitar a inadimplência de débitos que, somente entre as 15 maiores empresas do país – excluindo a Petrobras –, chega a R$ 50 bilhões com o sistema bancário nacional e a R$ 150 bilhões, se incluídos os financiamentos no Exterior.
O rebaixamento da classificação de risco do Brasil e das principais companhias e bancos brasileiros tornou mais difícil e mais cara a renegociação das dívidas lá fora. Os bonds (títulos no Exterior) da Odebrecht, por exemplo, estão sendo negociados a 12% do valor de face.
Para permitir a renegociação em condições mais favoráveis às companhias endividadas, integrantes do governo vêm pressionando o Banco Central a liberar parte do dinheiro que os bancos são obrigados a deixar na instituição. A ideia é que o BC libere parte dos depósitos compulsórios com a condição de que os bancos usem esses recursos em linhas de financiamento para que as empresas resgatem os papéis emitidos no Exterior.
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Outra medida em estudo, que também a enfrenta resistência da autoridade reguladora, é afrouxar as exigências do chamado índice de Basileia, que institui regras prudenciais às instituições financeiras para manter equilibrada a relação entre o capital próprio do banco e os empréstimos concedidos.
Segundo uma fonte da equipe econômica, há defensores até mesmo do uso das reservas internacionais e de dinheiro público nessas operações. Alguns "balões de ensaio" nesse sentido já foram lançados, mas a adoção dessas medidas é muito improvável.
A meta é evitar que essas grandes companhias – a maioria delas envolvida na Operação Lava-Jato, que apura denúncias de corrupção na Petrobras – fiquem inadimplentes.
Risco bancário
A consequência seria uma "minicrise bancária", como definiu um integrante do governo ao se referir ao risco de insolvência de instituições financeiras de médio porte.
– Na hora em que uma empresa desse tamanho ficar inadimplente ou entrar em recuperação judicial, pode procurar a lista de credores e ver os bancos médios. Com certeza terão sérios problemas – afirmou.
Segundo ele, os cinco maiores bancos, que concentram 70% dos ativos do setor, não correm risco de quebrar. Mas enfrentariam problemas, porque precisariam "baixar" em seus balanços entre 50% e 70% dessas dívidas. Isso num momento em que não há folga de capital.
O Banco Central detectou aumento no volume de renegociações e de reestruturações de crédito ao longo do ano passado, principalmente a partir do segundo semestre. As operações se concentram mais nas empresas. Empréstimos pessoais são mais difíceis de serem renegociados.
Nessas operações, os bancos dão mais prazo para pagamento e chegam a reduzir as taxas fixadas nos empréstimos. Mas essa "personalização" é mais comum quando envolve grandes cifras. Financiamentos baixos, tomados por pequenas e médias empresas, seguem um padrão negociado na agência bancária. Por isso, a inadimplência vai bater primeiro e mais forte entre as pequenas. Preocupado com as consequências, o governo estuda medidas para tentar socorrer também esse segmento empresarial.
Mesmo nos financiamentos concedidos a grandes grupos empresariais, tais parâmetros de renegociação não são admitidos usualmente. Mas este é um momento que beira a exceção por conta da gravidade da crise econômica. Por isso, as instituições têm aceitado reduzir as margens de rentabilidade na recuperação do crédito para tentar compensar a redução na capacidade de pagamento dos tomadores.
Reestruturações
As reestruturações são um passo mais adiante, para casos mais críticos. Nessa etapa, os tomadores já contabilizam operações em atraso. O objetivo nesse tipo de acordo é a recuperação do principal do financiamento.
O volume de empréstimos em renegociação por famílias e empresas com os bancos fechou o ano passado em R$ 245 bilhões, 7,6% de toda a carteira de crédito. Em reestruturação, estavam R$ 61 bilhões, o equivalente a 1,9% do estoque de financiamentos e empréstimos.
Os bancos já começaram a aumentar as provisões (registros, de prováveis perdas) para fazer frente aos calotes, além do que a regulação exige.
– A inadimplência vem primeiro. A provisão é a consequência da inadimplência – diz o diretor de um grande banco.
Levantamento da consultoria Austin Asis mostra que as oito maiores instituições financeiras separaram R$ 157 bilhões – R$ 25 bilhões a mais do que eram obrigadas – para eventuais perdas.
– A preocupação nesse momento é evitar que uma quebradeira resulte em aumento ainda mais nocivo de provisões, o que pode afetar o capital dos bancos – diz Luis Miguel Santacreu, da Austin Asis.