A queda na bolsa e a alta do dólar que se seguiram ao anúncio de um orçamento federal com déficit são tremores incidentais perto da maior ameaça embutida no pacote. Ou alguém guarda muitos ases nas mangas, ou o Brasil acelera para a perda do grau de investimento, espécie de selo de bom pagador que permite juros menores em financiamentos no Exterior e investimentos de determinados tipos de fundações que, por força de seu estatuto, só podem aplicar em países com essa chancela.
O economista Paulo Rabello de Castro vê essa condição como "quase irremovível". E mais, como sócio de uma empresa brasileira que mede rating soberano, a SR Rating, Rabello lembra que, na sua agência, o Brasil nunca chegou a grau de investimento.
- Sempre foi o que é: um país confuso, complicado, com grande potencial para receber grau de investimento, mas que ainda não chegou lá - avalia.
Na avaliação de Rabello, para ser admitido no clube dos bons pagadores, o Brasil teve a seu lado o benefício da euforia de mercado. A outra face agora acentua a visão crítica do país. Em sua opinião, a chancela das três grandes agências de risco internacionais - Fitch, Moodys e Standard & Poors - "já está perdida". Em boa parte, está precificada, inclusive na desvalorização do real. Adverte que isso não significa "efeito zero", quando ocorrer, mas vê maior impacto na redução do fluxo de investimentos novos do que na fuga de quem já está por aqui. Isso significa que um dos dois coordenadores-gerais do Movimento Brasil Eficiente jogou a toalha? Ao contrário:
- O Brasil tem jeito, está muito longe de ser a pior situação que enfrentamos nos últimos anos.
Uma das frases com que Rabello tem provocado seus interlocutores, em palestras e encontros mais reservados, é típica da combinação de um perfil frasista e propositivo:
- Não podemos deixar essa crise escapar.
O que ele quer dizer é que há especialistas em "dar a volta na crise", com falsas soluções e encaminhamentos precários. É por isso que considera o envio ao Congresso da proposta de orçamento com déficit primário (despesas maiores do que receitas, mesmo antes do pagamento dos juros da dívida) "a melhor notícia que poderia acontecer no último dia de agosto". Isso que ele considera muito subestimado o valor do rombo anunciado pelo governo, de R$ 30,5 bilhões. E mais grave ainda por ser um déficit primário, que sequer considera a economia obrigatória para não deixar que se acumulem sobre a dívida os valores devidos a título de remuneração.
Rabello avalia que o maior déficit do Brasil não é de orçamento, mas de ideias. E defende as suas: simplificação tributária radical e a Lei Emergencial de Crescimento e Controle Orçamentário (Leco), proposta que vai entregar amanhã em Brasília com metas anuais de redução de despesas até 2022, bicentenário da Independência:
- O orçamento com déficit vai escancarar o debate necessário.