
Não é só por ser indiano que Ram Charan carrega bem o qualificativo de "guru". Ele já ensinou na Harvard Business School e aconselhou empresas do porte de General Eletric, DuPont, 3M e Tata Group.
Quem o vê hoje discutindo princípios de liderança, governança e resultados pode ter dificuldades de enxergar no experiente especialista em gestão de 76 anos o garoto de 11 que começou vendendo sapatos na loja da família, em Uttar Pradesh, pequena cidade do norte da Índia. Foi assim, conta, que começou a aprender sobre caixa, margem de lucro e balanços.
- Pequenos negócios constroem nações - afirma, sobre a importância do aprendizado com a modesta venda de calçados.
Mas nem tente perguntar quantos países ele já percorreu ou quantas viagens faz por ano. Vai ouvir uma resposta típica de gurus, abertamente em tom de reprovação com preocupações mundanas:
- Eu não conto, isso é vaidade.
Mas não foi a aura de guru desprendido que construiu a fama de Charan - ou Ram, como ele prefere ser chamado. Ao contrário, foram seus diagnósticos pé-no-chão e suas propostas de solução profundamente vinculadas à vida real. Como ele gosta de dizer, são receitas e conselhos "que podem ser colocados em prática na próxima segunda-feira".
Um dos executivos mais admirados no mundo corporativo, o expresidente da GE Jach Welch é um de seus admiradores. Em sua biografia, Welch observou que Ram tem "a rara habilidade de extrair sentido do que parece irrelevante e transmitir de forma calma e efetiva, sem destruir a confiança". Mais incisivo e metafórico, o ex-presidente da Verizon Ivan Seidenberg o chamou, simplesmente, de "arma secreta".
Autor de 15 livros desde 1998, já vendeu mais de 2 milhões de exemplares em 12 línguas. Na semana passada, quando fez mais um circuito de palestras pelo Brasil, reservou alguns minutos para uma entrevista por telefone a Zero Hora. Há alguns anos, vem advertindo que uma das principais características destes tempos, em todas as latitudes, é a incerteza. Veja o que ele sugere para enfrentá-la.
Como é possível manter negócios em boa forma durante momento de incerteza?
A grande prova da liderança é atuar em momentos de adversidade. Uma de suas missões é manter o moral elevado, desenvolvendo resiliência, para permitir ver além das nuvens escuras. Buscar sinais no cenário, ler corretamente as mensagens que surgem e construir alternativas, de forma criativa, é a melhor opção. Se as coisas já não estão dando certo da forma que eram feitas, é preciso encontrar uma nova forma. E a incerteza, no atual cenário, é compreensível. Indústrias estão desaparecendo, a tecnologia muda muito rápido, e assim como cria novas empresas, ameaça as que existem. Em segundo lugar, é preciso relativizar as questões de macroeconomia. É preciso superar a fronteira das políticas fiscal, monetária ou cambial. O Brasil é um país fantástico, com grandes oportunidades em agricultura, aeronaves, recursos naturais, infraestrutura. É preciso ver as fontes do crescimento e usá-las como inspiração.
O senhor costuma dizer que o Brasil é "fantástico". Nesse momento de crise econômica, política e ética, mantém sua aposta neste país?
Não é uma aposta no país, mas nas pessoas que fazem este país, os líderes que trabalham aqui. Se forem capazes de se unir, têm toda a capacidade para enxergar além das nuvens escuras.
O que costuma ouvir de seus clientes sobre o Brasil?
Não comento o que os clientes dizem, é uma questão de confidencialidade.
O senhor menciona a necessidade de resiliência (capacidade de resistir à pressão, lidar com problemas, superar obstáculos). Como é possível desenvolver essa característica?
Conectando pessoas, trocando ideias, trabalhando em equipe, compartilhando experiências, socializando, injetando confiança. Encorajar as pessoas e as equipes é fundamental em momentos de incerteza como este no mundo.
O senhor foi descrito por Jack Welch como uma pessoa capaz de separar o que é relevante do que é insignificante. Nessa era da superinformação, como é possível fazer isso?
O que é relevante é encorajar os negócios, desenvolver valor, dar dignidade às pessoas
Como fazer as empresas se desenvolverem dentro de uma economia fragilizada?
Olhar para dentro de cada setor da economia - agricultura, indústria aeronáutica, infraestrutura. Colocar o foco nessas áreas e dar menos importância à situação política, à política monetária, ou a fiscal. Todo país tem seus problemas. O que é preciso é identificar com clareza o que pode realmente ajudar o país.
O senhor soube que muita gente foi às ruas para pedir mudança de governo no Brasil?
Isso é uma perda de tempo para as pessoas. O Brasil está sofrendo, a indústria está em declínio, o país se tornou muito dependente das commodities. As pessoas percebem isso. Mas o que é preciso fazer é olhar como melhorar o país, setor por setor. Países não conseguem fazer essa tarefa, os setores conseguem.
Como é possível construir confiança neste cenário?
É preciso encorajar as equipes, em vez de focar no governo. É essencial não se lamentar, não compartilhar sentimentos negativos, mas ver o lado bom das coisas.
Como motivar equipes para obter resultados num ambiente desafiador?
Mostrar o que há de positivo. Fazer as pessoas enxergarem as características de cada setor. Não ficar falando do que está ruim, mas procurar fazer o melhor.
O senhor vê sentido em ações conjuntas dos países chamados de Bric (Brasil, Rússia, Índia e China)?
Esses países não estão no mesmo nível, não há sinergia entre eles. China e Rússia têm regimes autoritários, Brasil e Índia são democracias. Alguém na Goldman (o conceito Bric foi criado pelo inglês Jim O'Neill, economista da Goldman Sachs) achou que isso fazia sentido, mas não há associação real. Os países são muito diferentes entre sim, não vão se tornar algo parecido com a União Europeia.
Qual a tendência crítica do universo corporativo hoje?
A rápida mudança de tecnologia. Mas isso não deve ser visto como uma coisa negativa. É uma boa notícia. É possível que alguns concorrentes e alguns líderes fiquem pelo caminho, mas quem for ágil e criativo tem ótimas oportunidades pela frente.
Que aprendizado o senhor teve trabalhando na loja de calçados de sua família aos 16 anos?
Foi aos 11. Aprendi sobre caixa, margens, balanços. Os pequenos negócios constroem nações. Criam empregos, cultivam empreendedorismo. E tive sorte, pude aprender no dia a dia. Isso é o mais importante. É preciso ajudar as pessoas a identificar o que realmente gostam de fazer. Quando isso ocorre, o aprendizado é um prazer.
DICAS DE GURU
1) Identificar tendências: tocar o dia a dia da empresa é importante, mas é preciso detectar as tendências globais. Para isso, é fundamental manter contato com pessoas diferentes, ver o mundo sob outra perspectiva.
2) Definir prioridades: em vez de cuidar de mil coisas ao mesmo tempo, definir três ou quatro prioridades. Detectá-las corretamente é a chave para obter bons resultados.
3) Pessoas certas nas funções certas: profissionais não precisam ser perfeitos, mas precisam estar satisfeitos, à vontade no trabalho que fazem.
4) Ligue pessoas, estratégias e orçamento: definir quais competências são essenciais passa pelo planejamento sobre o objetivo a alcançar e os recursos disponíveis.
5) Avalie o desempenho de olho nas causas: a meta pode não ter sido alcançada e, ainda assim, o desempenho pode ser digno de reconhecimento, se o mercado encolheu e a empresa se saiu melhor que a concorrência.
6) Treine, treine e treine: para alcançar uma boa execução, o essencial é ensaiar: com treino, é possível desenvolver hábitos que se tornam instintivos.