Evanir da Rosa tem dúvidas sobre como será indenizado
Nilson Dawies e sua mulher, Cirlei, receiam perder a convicência com a comunidade
A angústia é grande como o tamanho das duas usinas que Brasil e Argentina querem começar a construir no Rio Uruguai até 2016. Enquanto ouvem e leem notícias sobre a intenção dos dois países de acelerar os projetos das hidrelétricas de Garabi e Panambi, no noroeste do Estado, cerca de 7,5 mil gaúchos de 19 pequenos municípios estão atônitos diante da falta de informações. Todos eles devem ser desalojados pela formação dos reservatórios.
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A espera alimenta dúvidas sobre de qual será a indenização, onde serão reassentados e como ficarão as cidades que terão mais da metade da área urbana engolida pelas águas das duas barragens. Faltam respostas claras da Eletrobras e do consórcio de empresas responsável pelos estudos dos dois empreendimentos. Com idas e vindas desde a década de 1970, as usinas na fronteira devem receber aporte de US$ 5,2 bilhões e gerar 2,2 mil megawatts (MW), energia suficiente para abastecer uma cidade de quase 5 milhões de habitantes, três vezes maior do que Porto Alegre. Se sair do papel, será o maior complexo hidrelétrico e o mais volumoso investimento feito no Rio Grande do Sul.
Nascida junto à barranca do Rio Uruguai, a sossegada Garruchos, onde será o barramento de Garabi, terá grande parte da população retirada em nome do progresso e da necessidade premente de energia nos dois países. As informações preliminares, conta o prefeito Carlos Cardinal (PDT), são de que 85% da cidade, onde vive um terço dos 3,2 mil habitantes, ficará submersa. Prefeitura, igreja, quase tudo, à exceção de residências localizadas em uma parte mais alta, será alagado. Incluindo a área rural, mais da metade dos garruchenses terão de deixar propriedades e encontrar um outro lugar para recomeçar a vida.
- O sentimento, por enquanto, é de contrariedade. Temos uma série de dúvidas. Doze anos atrás, quando construíram a conversora de energia, prometeram progresso e asfalto, mas nada disso veio. Aliás, falta luz na cidade e no interior a toda hora - reclama Cardinal, referindo-se à estação conversora Garabi, a primeira interligação internacional de grande porte entre Brasil e Argentina, que quase nenhum retorno financeiro e de impostos deu ao município de economia baseada na agropecuária e na pesca.
VÍDEO: moradores de municípios atingidos temem pelo futuro
A resistência só será amenizada, avalia o prefeito, se a cidade for beneficiada com compensações que resolvam carências como a falta de um hospital, acesso pavimentado e a reconstrução de tudo à beira do futuro lago.
Típica figura fronteiriça, Evanir Liscano da Rosa, 46 anos, é a personificação da desconfiança. Dono de um pequeno pedaço de terra onde planta mandioca, milho, cana-de-açúcar e cria vacas leiteiras para o próprio sustento, ouve falar que perderá os seis hectares herdados do pai, e se queixa da falta de definição sobre como será indenizado.
- Não tenho informação nenhuma, e ninguém falou sobre como será a indenização. Acho que vai ser ruim para mim - resumia Rosa, enquanto esperava um barco para cruzar o rio e comprar batata, massa, cebola e azeite mais baratos no comércio da margem oposta.
Alguns quilômetros rio acima, o município de Porto Mauá será o mais atingido pela segunda hidrelétrica, Panambi. Na cidade, que também terá mais da metade da zona urbana tomada pelas águas, a confusão é a mesma.
- O povo está apreensivo. Não se sabe o que vai ser feito com os atingidos - protesta o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tuparendi e Porto Mauá, Itálico Cielo, um dos milhares de agricultores familiares que terão de deixar a querência onde cresceram.
Com uma enxurrada de interrogações sem respostas claras sobre como será a compensação dos impactos ambientais e sociais, o prefeito da cidade, Guerino Pedro Pisoni (PTB), também se mostra pouco simpático aos prometidos megaempreendimentos:
- Estamos com uma posição um pouco radical porque não temos informação - justifica.
A figueira hoje frondosa plantada há 15 anos pelo agricultor Nilson Roque Dawies deveria dar o deleite de ver os netos brincarem empoleirados nos galhos esparramados. Nascido e criado na pequena propriedade da localidade de Itajubá, às margens dos rios Uruguai e Santa Rosa, Dawies agora tem dúvidas sobre quanto tempo terá para aproveitar. Se sair a barragem da usina Panambi, só restará uma pequena ilha nos 12,7 hectares onde ele e a mulher Cirlei Heming Dawies, 54 anos, tiram o sustento das lavouras de soja e milho, das árvores frutíferas e da criação de suínos, frangos e vacas leiteiras.
- Vemos essa situação com muita tristeza. Demoramos 35 anos para montar a propriedade como é hoje. E o nosso rumo é incerto. Por mais que a gente procure as informações, elas não chegam - lamenta Cirlei, que costuma participar dos encontros promovidos e ainda busca saber pela internet o que se passa.
A queixa do casal, que receia perder a convivência de décadas com os vizinhos se for realojado em outro rincão, é a mesma de quem teme estar passando os últimos anos no seu chão. Tudo está no ar e nada é confirmado.
Nem mesmo em Porto Xavier, onde o consórcio de empresas brasileiras e argentinas montou um quartel general que teria como principal missão tirar as dúvidas da população, a inconformidade é menor.
- Montaram um escritório de comunicação, mas não sabem dizer nada - lamenta o presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Porto Xavier, Eloi Becker.
Tentando assumir um papel de intermediador, o governo gaúcho promete realizar no próximo mês, em Porto Alegre, um encontro reunindo prefeitos e representantes da Eletrobras. Com a mesma intenção, foram organizadas reuniões nas cidades e com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Embora não esteja formalmente envolvido, o Palácio Piratini demonstra preocupação.
- Ainda há alguns pontos que para a população ficaram nebulosos, e isso gera apreensão - admite Marcelo Danéris, secretário-executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) do governo do Estado.
Para Danéris, grande parte da desinformação ainda é um efeito do projeto antigo para as hidrelétricas no trecho binacional do Rio Uruguai, que traria danos ambientais muito maiores dos que os previstos no novo modelo. Embora apoie o empreendimento, o Piratini também cobra a implantação de um projeto de desenvolvimento regional, indenizações justas e medidas que compensem as perdas.
ENTREVISTA > Valter Cardeal Diretor de geração da Eletrobras
O gaúcho Valter Cardeal, responsável pelo projeto, garante que os atingidos pelas barragens começarão a ter respostas neste semestre.
Zero Hora - Existe muita falta de informações na região. É problema da atual fase ou é uma falha?
Valter Cardeal - É absolutamente normal, é próprio da fase. Havia um estudo da década de 1980 que nós refizemos. Agora com os estudos de impacto ambiental e de viabilidade técnica e econômica, poderemos ter certeza de que (as usinas) são viáveis e poderemos começar as discussões com a comunidade. Vamos entrevistar todas as pessoas, cadastrá-las. Mexer com a vida das pessoas nunca é fácil, mas quero tranquilizar a todos porque nunca fizemos nada que não fosse correto com a questão social. Todos terão uma vida, no mínimo, igual à que tinham.
ZH - Quando as dúvidas das pessoas começam a ser tiradas?
Cardeal - Neste primeiro semestre. Vamos ter audiências públicas, e todo mundo terá a oportunidade de se manifestar.
ZH - Como será a reconstrução das cidades?
Cardeal - Isso é o que fazemos de melhor. Vamos definir com a população da parte urbana atingida uma nova área de interesse deles, que atenda a todas as necessidades. Essa cidade terá toda a infraestrutura necessária, saneamento, água tratada, drenagem, tudo. É uma cidade nova. Se for necessário hospital e escola, serão feitos.
ZH - O Salto do Yucumã e o Parque do Turvo serão atingidos?
Cardeal - Os dois serão 100% preservados. O que pode ter é uma pontinha do Turvo alagada no período de cheia. Se isso acontecer, vamos compensar comprando uma área contígua e plantando árvores nativas.