
A cerveja Stella Artois tem sua origem em 1366. Três brasileiros vestidos de jeans e camisa convenceriam seus fabricantes belgas, no ramo há mais de 600 anos, de que o modelo de gestão deles seria o melhor para a empresa? Eles sabiam que não. Então, convocaram o pensador americano Jim Collins como porta-voz e fizeram apresentações de seu método. Os belgas aprovaram.
O pequeno cuidado, em 2004, explica um pouco como os cariocas Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto "Beto" Sicupira se tornaram os principais acionistas individuais da maior cervejaria do mundo (AB InBev) e por que empresas que movimentam mais de US$ 64 bilhões ao ano estão ligadas a eles. Não é só o dinheiro. Eles têm nas mãos marcas globais, de Budweiser a Heinz, de Burger King a Stella Artois.
Cerveja pode ser um negócio tradicional, mas o detalhismo e a atenção à comunicação observados são sinais que revelam um modelo de gestão inovador. Para entender melhor o que eles fazem, observamos os quatro modelos de empresas:
1. Modelo de negócio/produto tradicional + modelo de gestão tradicional
2. Modelo de negócio/produto inovador + modelo de gestão tradicional
3. Modelo de negócio/produto tradicional + modelo de gestão inovador
4. Modelo de negócio/produto inovador + modelo de gestão inovador
Jorge Paulo, Marcel e Beto costumam encaixar seus negócios no terceiro tipo, contrariando pesquisas e análises segundo as quais é preciso ser um Google ou uma Amazon, inovando em tudo para ter sucesso. A 3G Capital, empresa voltada a investimentos globais de longo prazo que pertence ao trio, mostra que um modelo de gestão inovador é suficiente para destacar um produto/modelo de negócio tradicional. É o oposto da Apple, que reúne produto inovador e modelo de gestão tradicional. Mas tem afinidade com o que fez o grupo brasileiro Odebrecht durante bom tempo. Só recentemente este vem investindo mais em inovação, com Braskem e ETH.
A vitória segue ao alcance dos mais tradicionais, mas é necessário desenvolver um modelo de gestão inovador e eficaz. Como fizeram os empresários, que em 2013, só cinco anos depois de a InBev se tornar AB InBev, atreveram-se a comprar a fabricante de alimentos Heinz em parceria com o investidor Warren Buffett.
Como Jorge Paulo, Marcel e Beto têm low profile, arredios a exposições públicas, todos buscam entendê-los por meio das histórias contadas por quem priva de seu convívio - o primeiro livro sobre o trio, que acaba de sair, traz muitas delas.
A primeira conclusão é que o trio coloca a simplicidade em primeiro lugar - como diz Jorge Paulo, isso pode ser um diferencial em uma cultura como a brasileira, que tende a complicar. Benchmarking, que significa cópia das melhores práticas alheias, é palavra-chave na 3G. A seguir, uma lista dos principais aprendizados do grupo.
O Garantia e as três vertentes
- Nossa cultura teve origem no Banco Garantia, onde estávamos Marcel, Beto e eu, além de outros sócios. Copiamos pessoas e culturas que achávamos eficientes e fomos adaptando ao nosso jeito - explica Jorge Paulo.
Segundo o empresário, houve três grandes influências: a do Goldman Sachs, que os ensinou a cultura meritocrática, a treinar pessoas, a lhes dar oportunidades. Outra foi o Walmart, de Sam Walton. Não adianta ir direto ao pote de ouro, é preciso percorrer o arco-íris antes, motivando funcionários e tratando bem os clientes. E a terceira foi a GE. Os relatórios anuais da empresa eram uma bíblia sobre eficiência e eficácia.
Se não manteve contato direto com Jack Welch, Jorge Paulo fez questão de conhecer Sam Walton e os banqueiros do Goldman Sachs. A isso, somou traços de sua personalidade. Os mais notáveis são competitividade e fanatismo de esportista - como diz José Salibi Neto, da HSM, ele disputa uma partida de tênis com amigo como uma final de Wimbledon.
Matsushita
Quando o foco dos três começou a migrar do banco de investimentos para negócios voltados a consumidores, como Lojas Americanas e Brahma, foram necessárias mudanças. Eles aplicaram características do setor financeiro ao comércio e à indústria, como a aposta em talentos - Jorge Paulo e Marcel se envolvem na seleção de funcionários até hoje - e a disposição de correr riscos com o patrimônio. Mas uma influência forte veio da terra do sol nascente.
- Estive no Japão com o Konosuke Matsushita, empresário que construiu a Panasonic. Perguntei o que recomendava para ter sucesso. Ele disse: 'Você tem de ser amado - pelas pessoas que trabalham na empresa e por quem compra os produtos'. Nunca esqueci - diz Jorge Paulo.
O trio conseguiu ser amado por suas equipes. Há quem diga que os funcionários se inspiram em seu modo de vestir e falar.
Jim Collins
A relação do especialista apontado como sucessor de Peter Drucker como guru da administração com o trio começou com Jorge Paulo, nos anos 1970, quando ele assistiu a uma aula do professor em Stanford. O tema era Sam Walton, que, como Collins reforçava, preparara o Walmart para existir sem ele. Jorge Paulo discordou, argumentando que Sam era fundamental para a empresa. Os dois discutiram, e o impacto sobre o brasileiro dura até hoje: cultura é um dos alicerces da 3G Capital e ter negócios "feitos para durar" é uma máxima.
Vicente Falconi
O brasileiro mais influente na cultura 3G é o discreto consultor mineiro, de quem vem o tripé "liderança-conhecimento técnico-método analítico". Em contato com eles desde os tempos de Brahma, Falconi não se cansa de elogiar o rigor com que implantam suas ideias.
Warren Buffett
Amigo de Jorge Paulo desde o final dos anos 1990, o megainvestidor influencia os três empresários e se deixa influenciar por eles. Compartilham o foco em negócios tradicionais - simples e fáceis de compreender. Também encontram eco no trio sua aversão à ostentação e a visão de que executivos precisam se sentir donos da empresa para desempenhar bem seu papel. Fiel a sua máxima de simplificar, Jorge Paulo resume:
- A gente acredita no indivíduo, mas sabe que as pessoas têm de trabalhar juntas e na direção de um sonho. Também crê em rachar lucros. O resto é trabalhar duro, com todos tentando educar a todos.
Sonho Grande
Como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sucupira Revolucionaram o Capitalismo Brasileiro e Conquistaram o Mundo, de Cristiane Correa
Editora Sextante
Lançado em abril deste ano, a primeira edição, com 30 mil exemplares, esgotou em poucos dias e outros 25 mil já foram encomendados, segundo a autora.
Um pouco mais da trajetória do trio
Anos 1950-60
Harvard Business School, surfe e tênis - Surfista no Rio, Jorge Paulo tenta a carreira de tenista. Disputa provas do Grand Slam, mas, percebendo que não estará entre os primeiros, desiste. Mergulha na gestão americana, faz estágio no Credit Suisse e, voltando ao Brasil, trabalha na Invesco, financeira que quebra.
1971-1982
O início do Garantia - Aos 31 anos, com sócios, Jorge Paulo compra a corretora Garantia. Em 1972, Marcel ingressa na empresa e, em 1973, é a vez de Beto, companheiro de pesca submarina. Em 1982, já banco de investimentos, o Garantia assume o comando das Lojas Americanas - Beto, 34 anos, vai gerenciá-la, nos moldes do Walmart.
1989-1993
Brahma e GP Investimentos - Às vésperas da eleição de Collor, o Garantia compra a cervejaria Brahma pelo equivalente a US$ 60 milhões e coloca Marcel, 39 anos, para geri-la. Pega fogo a guerra das cervejas com a rival Antarctica. Em 1991, Jorge Paulo cria a Fundação Estudar, que dá bolsa de estudos a talentos potenciais. Em 1993, o trio lança o segmento de private equity no Brasil, com a GP Investimentos, a cargo de Beto. O objetivo? Adquirir negócios, melhorá-los e vendê-los. ALL, Gafisa, Telemar e Hopi Hari passam por ali. Eles aprendem que, quando não conseguem implantar sua gestão, as coisas não vão tão bem e que startups, como o Submarino, absorvem atenção demais.
1998-2000
Ambev - Em meio à crise asiática, eles vendem o Garantia ao Credit Suisse - os jovens não querem tocar o negócio, o que é uma decepção. Em 1999, compram a Antarctica, criando a Ambev, onde se dedicam a implantar seus princípios de gestão. A cada cinco anos, o negócio cresce mais que nos cinco anteriores. Em 2000, trazem a Endeavor para o Brasil e criam a Fundação Brava.