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Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) chega ao 70º aniversário, este ano, debilitada por uma trajetória de falcatruas, esbanjamentos, intromissões políticas e desleixos administrativos.
O que mais desfigura a maquiagem da provecta senhora é um passivo trabalhista de R$ 407 milhões, fermentado pela privatização parcial de 1997, que corrói o orçamento e compromete a finalidade da empresa: investir na melhoria dos serviços de energia elétrica aos consumidores.
Leia mais:
Dívidas superam verba para investir
Servidor teve dois cargos por 13 anos
Técnico bateu recorde e fez 169,4 horas extras em um mês
Diretores acumularam cargos com dupla remuneração
Média de quatro passagens aéreas por dia em 2012
Suspeitas de falsificação em consertos
Maior estatal do Rio Grande do Sul, a CEEE foi saqueada por diferentes golpes, em diferentes épocas. Documentos exclusivos obtidos por ZH junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), com amparo na Lei de Acesso à Informação, revelam que grupos se organizaram para furtar no abastecimento de gasolina, simular consertos mecânicos, cobrar horas extras indevidas, exceder-se em plantões de sobreaviso, abusar das diárias de viagens e cometer outros delitos.
Essas irregularidades tiveram um efeito de ratazana no imenso queijo chamado CEEE. Arrancaram pequenos nacos, os quais, somados ao longo dos anos, formam uma montanha de prejuízo. Prosperaram porque sucessivas gestões - especialmente as comandadas por políticos sem preparo técnico, indicados como consolo por alguma derrota nas urnas - não zelaram pelo dinheiro público.
Nenhum dos ataques foi tão nefasto como as ações trabalhistas em massa. A primeira torrente - prolongada até os anos 1990 - foi patrocinada por funcionários que tinham estabilidade no emprego, graças a um acordo sindical permissivo. A outra leva eclodiu em 2006, quando a CEEE foi desmembrada em duas por força de lei federal: CEEE-GT (Geração e Transmissão) e CEEE-D (Distribuição). Hoje, são 9,4 mil ações - o dobro do quadro de servidores.
Quem acaba pagando pela incúria são os 4 milhões de consumidores. No ranking de qualidade da Agência Nacional de Energia Elétrica, a empresa amarga o 28º lugar num levantamento com 35 posições. Perde feio para as concorrentes gaúchas AES-Sul (14º) e RGE (11º). É superada por companhias de Estados menores, como Maranhão, Rio Grande do Norte e Tocantins.
Presidente reconhece "caveiras" no armário
Os consumidores são diretamente prejudicados por cortes de energia acima da média (maiores duração e frequência) e nas oscilações de tensão. O especialista em reduzir contas de luz Paulo Milano alerta que os baixos investimentos agravam as deficiências. Lembra que o número de usuários cresceu, assim como o consumo das pessoas, cada vez com mais acesso a splits, TVs e refrigeradores.
É um circuito de perdas. A empresa também é afetada, porque a Aneel concede recompensas tarifárias a quem investe. Milano compara que a CEEE pode cobrar R$ 0,27588 por kWh - abaixo dos R$ 0,32909 permitidos à RGE.
O atual presidente da CEEE, Sérgio Souza Dias, admite a herança de malfeitos. Avisa que a empresa ainda vai operar no vermelho ao menos nos próximos quatro anos, até que R$ 3,5 bilhões recebidos do governo federal em pagamento de uma dívida depois de 18 anos de disputa (leia mais na segunda-feira) revertam em obras. Se der certo, a septuagenária poderá retomar o fôlego.
- A quantidade de caveiras escondidas no armário é bastante grande - reconhece Dias.
Esta reportagem foi baseada em inspeções extraordinárias de auditores do TCE. Os documentos eram reservados antes de vigorar a Lei de Acesso à Informação. Servem para o julgamento final dos conselheiros do tribunal, que nem sempre concordam com as decisões técnicas dos auditores.
Administração sem energia
Irregularidades que lesaram a CEEE nos últimos 20 anos:
Dívida trabalhista: conta que tem altos e baixos há 20 anos, chega R$ 407 milhões.
Cabide de emprego: funcionário recebeu salários indevidos por 13 anos, segundo o TCE. Em valores de 2007, foi um rombo de R$ 640 mil.
Horas extras: servidor bateu o recorde cobrando 169,4 horas extras, em janeiro de 2010. Um ano de plantão de sobreaviso de apenas um funcionário rendeu R$ 27,6 mil.
Viagens a mil: gastos com viagens dobram nos últimos cinco anos. Em 2012, CEEE bancou 1.558 bilhetes aéreos - média de 4,2 por dia e gasto de R$ 6,5 milhões no ano.
Farra da gasolina: um funcionário apresentou a conta de um litro de combustível com preço de R$ 202. Carros sem registro na CEEE abasteceram, inclusive um com alerta de roubado no Detran. Abastecimentos suspeitos em alguns meses somaram R$ 134,5 mil.
Mecânica superfaturada: em 2007, surgiram indícios de fraude em consertos de picapes da CEEE em Pelotas. Uma conta suspeita de manutenção de cinco picapes foi de R$ 12,5 mil.
Salário duplo: com a separação da empresa, diretores acumularam cargos de forma irregular, segundo análise prévia do TCE, entre 2006 e 2007.
A companhia
Fundação: em 1º de fevereiro de 1943, pelo Decreto 328, é criada a Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE), então subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios das Obras Públicas.
Funcionários: 4.594 (em dezembro de 2012).
Orçamento: R$ 4 bilhões anuais para o Grupo CEEE. A CEEE-D (Distribuidora) fica com R$ 3 bilhões. Descontados os gastos com manutenção e compra de energia, sobram R$ 500 milhões para investimentos. Desses R$ 500 milhões, R$ 300 milhões são reservados para abater a dívida trabalhista.
Abrangência
Geração e transmissão: produz 18% da energia consumida no Rio Grande do Sul e tem uma rede de 6 mil quilômetros de linhas de transporte de eletricidade em alta voltagem.
Distribuição: 72 municípios da Região Metropolitana, Litoral, Sul e Campanha, o que equivale a 34% do mercado gaúcho.
Atendimento na distribuição: 1,534 milhão de unidades consumidoras, ou 4 milhões de gaúchos, com distribuição 8,3 mil GWh.
Rede elétrica: 72.138 quilômetros de linhas urbanas e rurais.
Empresa: o controle acionário do Grupo CEEE é da da CEEE Participações (65,92%), empresa com 99,99% das ações pertencentes ao governo do Estado, com participação minoritária da Eletrobrás (32,59%).