Robustos bancos de dados ganham cada vez mais importância na pecuária. Eles trazem informações relacionados a características específicas de cada animal, como facilidade para ganhar peso, consumo de alimentos e até mesmo presença de carrapatos. As novas ferramentas chegaram para se somar à experiência dos produtores e fomentar o melhoramento genético das raças, entregando produtos com maior valor agregado ao consumidor final.
Um dos principais saltos foi dado com a introdução da informação genômica, que usa dados extraídos diretamente do DNA dos animais para fazer a seleção de reprodutores — antes restrita à observação fenotípica, no campo. São lidos cerca de 100 mil marcadores, cada um relacionado a uma característica. Todas essas informações são reunidas, organizadas e cruzadas de forma que apontem o potencial de transmissão desses traços para as próximas gerações.
O grau de detalhamento cresceu de tal forma que permitiu o aprimoramento de novas características, de alto valor econômico, que levariam muito mais tempo para serem atingidas apenas pelos métodos convencionais.
Depois, os cruzamentos também são feitos de forma cada vez mais apurada, com técnicas como inseminação artificial e transferência de embriões.
— No Brasil, focamos na adaptação tropical dos bovinos taurinos, oriundos do Hemisfério Norte, que são altamente produtivos, raças como jersey, angus, brangus, hereford e braford. Trabalhamos na resistência ao carrapato e também selecionamos animais de pelo mais curto, com melhor termorregulação — explica o pesquisador e chefe-geral da Embrapa Pecuária Sul, Fernando Flores Cardoso.
Conforme mais traços vão tomando corpo, diferenciais como a sustentabilidade na produção também são trabalhados. As pesquisas, agora, incluem o monitoramento da emissão de metano, analisando microrganismos que ficam depositados no rúmen dos animais. Segundo Cardoso, os estudos já mostraram que é possível aumentar a produtividade e reduzir as emissões, identificando animais que cresçam mais rápido e entreguem ótimos resultados em um ciclo mais curto.
— Começamos as coletas de dados no ano passado, em um trabalho diário, de médio prazo. Em dois ou três anos, devemos disponibilizar informações desses reprodutores que reduzem a emissão de metano — completa.
É justamente esse tipo de dado que ajuda no salto do melhoramento genético dos rebanhos. Com acesso a guias que mostram as características predominantes em cada reprodutor de forma compreensível, os criadores conseguem definir os melhores cruzamentos para o que pretendem entregar.
— As instituições têm o papel de auxiliar o produtor na hora de fazer essa escolha, assim como na divulgação da raça, na coleta e na organização desses dados — defende o assessor técnico de bovinocultura de corte da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rafael Lima Filho.
Definição de atributos
Na hora de definir os cruzamentos de cada rebanho, os produtores levam em consideração as chamadas DEP: Diferenças Esperadas de Progênie. Elas mostram a capacidade de transmissão de características, de forma hereditária, em cada exemplar da raça. Esta é a função dos sumários de reprodutores, que apresentam, de forma visual, os parâmetros que orientam a seleção.
O pecuarista que busca animais com pelo mais curto para se adaptar ao clima, por exemplo, procura exemplares que apresentem predominantemente esse traço. O mesmo vale para a qualidade de lã, marmoreio da carne, eficiência nutricional, entre outros quesitos, que variam conforme a raça. No campo, a seleção que leva em conta o fenótipo dos animais não perdeu relevância, assim como o manejo adequado. Genética, nutrição e sanidade precisam andar de mãos dadas, pois negligenciar qualquer um desses pilares coloca toda a produção — e o aprimoramento das raças — em risco.
A superintendente do Serviço de Registro Genealógico da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (ARCO), Magali Moura, conta que a produção trilha o mesmo passo da criação de bovinos. Por meio de uma mecha de lã, é possível determinar se o animal atravessou períodos com alimentação insuficiente ou se teve verminoses.
— Hoje a gente está começando a ter um passo à frente, com ferramentas para medir a qualidade dos animais, não descartando a questão fenotípica de cada padrão racial — observa Magali.
Em busca do aperfeiçoamento constante
Sempre que o avanço tecnológico e científico permite a definição de um traço diferente, ele é analisado até se ter segurança de que será passado de geração em geração, aprimorando uma raça. Quando ela se torna passível de seleção, é lançada no mercado.
O exemplo mais recente é a eficiência alimentar, analisada há mais de 10 anos e, agora, ganha não apenas a possibilidade de seleção, como uma ferramenta que vai facilitar bastante a vida dos produtores (veja mais abaixo).
— Toda informação genética lançada tem um longo período de estudo e de compilação de dados. Para começarmos a avaliação genômica em 2021, tivemos de ter mais de 4 mil animais genotipados. A Argentina iniciou em 2019, com pouco mais de 2 mil animais, e os Estados Unidos em 2012, com a mesma quantidade. Hoje, já passamos da casa dos 10 mil — conta o gerente de fomento da Associação Brasileira de Angus, Mateus Pivato.
Para manter um histórico da evolução genética, a associação organiza, anualmente, o Sumário de Touros Angus. Na publicação, é possível ver as tendências genéticas da raça, ou seja, que características estão sendo aprimoradas e priorizadas. Existe o progresso genético para ganho de peso até a desmama e para marmoreio da carne, por exemplo.
A beleza do melhoramento genético está no fato de que sempre pode evoluir. Entre os caprinos, há o entendimento de que a qualidade do leite seja satisfatória. Ainda assim, a busca é por maior período de lactação, aumentando a produtividade. Paralelamente, avança o aprimoramento da carne.
— A Embrapa e a Associação Brasileira de Criadores de Caprinos fazem um trabalho em cima de marcadores genéticos, alcançando bons cruzamentos e o aumento de animais com aptidão para pecuária de corte — destaca o presidente da Associação dos Caprinocultores do Rio Grande do Sul (Caprisul), Jônatas Breunig.
Para as lideranças, o aperfeiçoamento das raças avança graças à combinação do olhar atento dos produtores, do acompanhamento técnico, da organização das entidades e das pesquisas.
– (O melhoramento) veio para ficar. No momento em que o produtor sentir que aquele animal bem avaliado vai ter um valor maior no mercado, outros irão aderir — acredita Magali Moura.
Atenção às matrizes na Estância Tradição
Comprovando que as novas ferramentas devem estar somadas ao conhecimento de campo, o produtor Rogério Rotta Assis, da Estância Tradição, de Santa Vitória do Palmar, explica que o trabalho na propriedade é feito com muita atenção para as matrizes. Na seleção de vaquilhonas, as que não apresentam dados positivos de performance são removidas do rebanho da raça angus — o destino é o abate ou rebanhos de gado geral.
— Também buscamos muito a habilidade materna. Todas as nossas vacas são excelentes mães, produzem bastante leite, criam muito bem seus terneiros. Todo melhoramento genético começa pelas matrizes. Procuramos os reprodutores que produzem muitos terneiros por ano, mas as fêmeas devem estar dentro de um nível acima da média para se manterem dentro da propriedade — sustenta.
Ele destaca a organização das informações como a coroação desse trabalho — como o sistema de acasalamento dirigido lançado pelo Programa de Melhoramento de Bovinos de Corte (Promebo). No entanto, também faz questão de frisar que não abre mão da avaliação fenotípica em nome da pureza racial.
— A ciência do negócio é ter boas matrizes e reprodutores, pela facilidade atual de se escolher. Mas, sobretudo, ter boas mães dentro do campo. O segredo é a gente saber o que está acontecendo no mundo, o que estão fazendo e o que a gente pode melhorar cada vez mais — acredita.
Como nasce uma qualidade de melhoramento genético
- Um grupo de animais passa a ter determinada característica monitorada.
- Os dados são coletados e organizados.
- Se os resultados são satisfatórios, os testes são reproduzidos em população maior.
- Quando uma característica se mostra passível de seleção, ganha status de Diferença Esperada de Progênie (DEP) – em função do rigor científico, pode levar uma década ou mais.
- Bancos de dados cruzam informações das DEPs de matrizes e reprodutores, apontando os acasalamentos mais adequados de acordo com a característica que o produtor quer aprimorar em seu rebanho.
Cabanha Criúva mantém olhar criterioso e aproveita as novas ferramentas
Definindo a equipe como melhoradora nata, o médico veterinário Éverson Bravo dá uma ideia da obsessão que a Cabanha Criúva tem com o aperfeiçoamento das raças de ovinos texel, texel NC e merino. Aliás, a perseguição pela excelência alcança também os caninos da propriedade, que fica na divisa de Glorinha e Santo Antônio da Patrulha.
— Não tem animal que a gente não queira que os filhos sejam melhores que os pais — resume Bravo.
Segundo ele, é sempre mais fácil selecionar as características qualitativas, pois a herdabilidade do gene é muito maior do que nas quantitativas. Graças ao trabalho de associações como a ARCO, da qual é inspetor técnico, os dados quantitativos podem ser acompanhados com precisão cada vez maior — a entidade, inclusive, disponibiliza equipamentos para exames minuciosos.
— Vamos trabalhar incessantemente para que os números venham sempre a ser acrescidos em condição produtiva e zelosa com os animais. Não vamos produzir a qualquer custo, mas não temos um teto — afirma.
Mesmo garantindo que os produtores querem quebrar recordes, isso não significa apenas volume. Pelo contrário: se antes o peso do animal era sinal de produtividade, isso já vem mudando.
— Um texel adulto chegava na Expointer, nas décadas de 1990, 2000, com no máximo 100 quilos. Depois, chegamos a 150 quilos e até 170 quilos. Hoje já estamos baixando o peso para termos mais eficiência zootécnica. Queremos trabalhar em torno de 140 quilos. Os números vêm em uma crescente que nos enchem de alegria e esperança — conclui.
Calculadora de dados é lançada na Expointer
- Para facilitar o trabalho dos produtores na busca por melhores cruzamentos, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Associação Nacional de Criadores Herd-Book Collares (ANC) desenvolveram uma calculadora. A plataforma permite que os pecuaristas cruzem os dados de touros reprodutores e vacas matrizes, definindo o acasalamento que mais potencializa as características desejadas.
- As informações são reunidas com base em avaliações genéticas atualizadas e aprimoradas, com dados de rebanhos próprios, de outros pecuaristas e também centrais de inseminação. A ferramenta foi desenvolvida no âmbito do mestrado em computação aplicada à agropecuária, em parceria com a Universidade Federal do Pampa (Unipampa), e permite visualizar os resultados dos cruzamentos sob a perspectiva de cada Diferença Esperada de Progênie (DEP). O sistema fica disponível dentro das páginas Origen, para criadores vinculados à ANC.