
De 2024 até março de 2025, o público testemunhou Kamala Harris, aos 60 anos, entrar na disputa por um dos cargos políticos mais importantes do mundo: a presidência dos Estados Unidos. Também viu a estrela de Hollywood Demi Moore e a atriz brasileira Fernanda Torres serem indicadas ao Oscar pela primeira vez, ou então levando para casa suas primeiras estatuetas do Globo de Ouro aos 62 e 59 anos, respectivamente.
Possivelmente esse público também leu Tudo É Rio ou Véspera, obras da mineira Carla Madeira, que é a escritora mais lida do Brasil – aos 60 anos, está prestes alcançar a marca de 1 milhão de livros vendidos.
Quando colocados lado a lado, esses feitos são uma oportunidade para debater sobre reconhecimento profissional, etarismo e a possibilidade cada vez maior das mulheres alcançarem sucesso na maturidade.
É na maturidade que a grande maioria das mulheres atinge seu auge e floresce.
MIRIAN GOLDENBERG
Antropóloga
Segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, que pesquisa envelhecimento há mais de 30 anos e é autora do livro A Invenção de uma Bela Velhice, o que mudou atualmente não são as capacidades das mulheres mais velhas, e sim o espaço para que seus talentos sejam reconhecidos, que antes era mais restrito:
— Não compartilho da ideia de que era “inesperado” que, na maturidade, as mulheres atingissem o auge da carreira, beleza e felicidade. É com anos de carreira, atuação e escrita que se chega ao topo. Tempos atrás não tínhamos a possibilidade social de mostrar isso, não tínhamos espaço para aparecer. Éramos e ainda somos aprisionadas em uma cultura que diz que uma mulher que envelhece perde o seu valor.
Aos 68 anos, Mirian revela que acabou de finalizar seu livro mais bonito, uma obra que não tinha as ferramentas para escrever mais cedo: Memórias de uma Antropóloga Malcomportada, que será lançado no dia 10 de março.
No entanto, ela enfatiza que o espaço que permite às mulheres seguirem produzindo e brilhando na maturidade ainda é resultado de uma revolução comportamental iniciada há cerca de 60 anos, que abriu caminho para a libertação dos corpos femininos, além do direito ao divórcio, ao trabalho e ao uso da pílula anticoncepcional.
— Essa geração que está envelhecendo é filha da que fez revolução nos anos 1960 e 1970. Estamos seguindo as conquistas iniciadas na geração de Leila Diniz, de Simone de Beauvoir, mas a luta continua diariamente, dentro de casa, porque não vencemos ainda. Muito pelo contrário: quantas mulheres não acham melhor o que as nossas mães e avós viviam? Beauvoir já dizia que algumas preferem suportar uma escravidão cega do que trabalhar para se libertar, porque a liberdade dá trabalho — recita a antropóloga.
As mulheres se empoderaram, usaram sua força para estar nesse momento com qualidade de vida, autenticidade e potencial. E tudo isso traz um pouco mais de visibilidade.
FLAVIA CHAVES
Consultora de carreira
Tendência global
A ideia de que é possível envelhecer com produtividade e beleza é uma tendência que vem ganhando força há algum tempo, muito ligada ao fato de que os seres humanos estão vivendo mais. No que diz respeito às mulheres, soma-se a outro movimento, que é o de apostar cada vez mais em uma vida focada na satisfação pessoal, e não na aprovação alheia, conforme explica Mirian:
— A mulher vivia, e muitas ainda vivem, para cuidar dos outros, para ser bela para os outros, para agradar a todos. Mas cada vez mais, até em função de uma cultura que adotou as ideias da psicanálise, do feminismo, da contracultura, nós estamos apostando em sermos nós mesmas.
Segundo a consultora de carreira Flavia Chaves, diretora do Instituto Vasselo Goldoni (IVG), que oferece programas de mentoria gratuita para o público feminino, o sucesso nas gerações mais maduras se dá também pelo fato de que as mulheres estão cada vez mais preparadas para passar dos 50 anos com autonomia, saúde e ambição:
— É uma geração que não envelheceu tanto. Me sinto muito melhor com 50 anos do que me senti com 20 ou 30, e me preparei para esse momento. As mulheres se empoderaram, usaram sua força para estar nesse momento com qualidade de vida, autenticidade e potencial. E tudo isso traz um pouco mais de visibilidade.
O que é sucesso?
Talvez o “auge” para Khamala Harris tenha sido poder trabalhar como senadora ou advogada, assim como é possível que um dos momentos de maior satisfação profissional para Fernanda Torres tenha sido Os Normais ou Tapas e Beijos, não há como saber.
Segundo Flavia, o conceito de sucesso é muito particular e tende a mudar com o tempo: existe aquilo que é reconhecido socialmente como sucesso – a fama, o dinheiro, o poder – e existe o sucesso da satisfação pessoal:
— Quando a gente é jovem, acha que sucesso é ganhar dinheiro, ficar milionário. Mas quando você vai tendo um pouco mais de maturidade, percebe que sucesso é ter autenticidade, fazer o que você quer e gosta. Estou no pico da minha vida, com certeza, porque hoje tenho liberdade de agenda, escolho o que faço, a hora, quem é meu cliente e tenho muito mais qualidade de vida. É uma questão de escolha.
Espero que meninas quando conhecerem a minha trajetória digam: "Que legal, como mulher posso fazer tudo isso". Acredito que só se muda uma nação pela educação e pela ciência.
HELENA NADER
Biomédica e presidente da Academia Brasileira de Ciências
Aos 77 anos, a biomédica Helena Nader é a primeira mulher a assumir a presidência da Academia Brasileira de Ciências (ABC) – uma instituição de 109 anos de existência. Ela está no comando da ABC desde 2022 e, além disso, é pesquisadora na área da glicobiologia, professora emérita da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que comandou por seis anos.
Mesmo com todos esses títulos que reluzem no currículo e lhe rendem reconhecimento do público amplo, Helena deixa claro que sucesso para ela é o respeito e carinho dos seus estudantes:
— Um dos momentos em que mais senti sucesso foi com meus ex-alunos, e fico emocionada ao falar disso — diz ela, com a voz embargada. — Formei muitos mestres, doutores, pós-doutores, e vê-los dizer com orgulho "Obrigada por aquilo que você me ensinou" não tem preço. É claro que, em um cargo, você faz muita coisa e é prestigiada. Mas o agradecimento dos indivíduos para quem tentei dar instrumentos e condições é o que há de melhor, pois vem de dentro — afirma Helena.
Descendente de imigrantes italianos e libaneses, ela foi a primeira da família a ir para a universidade, incentivada pelos pais que diziam: “Não há limite para o que você quiser fazer, a não ser aquele que você mesma colocar.”
Helena Nader fez parte da segunda turma de Ciências Biomédicas da Escola Paulista de Medicina – uma formação inovadora no país à época – voltada para a criação das bases das pesquisas na área da saúde. Não se deixou frear diante da ditadura – que estava presente em sala de aula por meio de informantes que reportavam as atividades aos militares –, nem pela falta de colegas mulheres no seu campo de atuação, nem pelo etarismo.
Muitas vezes, querer que tudo esteja perfeito impede o sucesso da pessoa no futuro, porque o sucesso se baseia em pequenas vitórias e construções.
EDIS LIMA
Mentora de carreira
Hoje, quando questionada sobre a importância de ser uma mulher com mais de 70 anos à frente da ABC, ela responde:
— É fantástico! Espero que meninas quando conhecerem a minha trajetória digam: "Que legal, como mulher posso fazer tudo isso". Acredito que só se muda uma nação pela educação e pela ciência. E se tiver um outro lado, eu vou estar lá, lutando pela educação, te garanto.
As mulheres estarem conquistando grandes feitos em idades cada vez mais avançadas, para Helena, se deve, em parte, por conta do esforço de ensinar sobre igualdade de gênero nas escolas e também em casa. Ela cita, inclusive, o exemplo de Fernanda Torres, que em diversos discursos, agradecia aos pais por não terem colocado limites ao que poderia fazer e conquistar. Contudo, ainda é necessário intensificar esse movimento, avalia Helena:
— É preciso educar homens e mulheres da mesma maneira. Chega de ser o homem o que vai ser servido. A mulher não é feita para cuidar. Ela é para o que quiser ser, inclusive, cuidar, se ela desejar. Tem que pensar sobre isso, porque, se não for ensinado enquanto são pequenos, será difícil mudar quando for mais velho.
Dicas de ouro
Para ter sucesso e evoluir no âmbito profissional, o ideal é evitar comparações nas redes sociais, lembrando que as publicações, geralmente, passam por filtros de narrativas vencedoras, tons vibrantes e texturas lisas.
A recomendação da mentora de carreira Edis Lima – que atua em Paris com foco na reinvenção profissional de mulheres expatriadas – é olhar para si e lembrar de onde veio, valorizando seu caminho. Ela também cita como exemplo a atriz brasileira vencedora do Globo de Ouro e indicada ao Oscar pelo filme Ainda Estou Aqui:
— Com a internet, a impressão que as pessoas têm é que o sucesso é a mesma medida para todos e ocorre de repente, quando na verdade o sucesso é individual e não ocorre por acaso. No caso da Fernanda Torres, uma atriz que muitos que não são da geração dela não conheciam, estão descobrindo o seu trabalho nesse pódio, quando, na realidade, é uma construção de anos. É muito importante a pessoa enxergar sua própria trajetória e se valer dela.
Também contribui para a autoestima profissional e a evolução da carreira buscar se aprimorar de pouco em pouco por meio de novas formações, mas sempre respeitando o processo, que naturalmente tem tropeços.
— Muitas vezes, querer que tudo esteja perfeito impede o sucesso da pessoa no futuro, porque o sucesso se baseia em pequenas vitórias e construções. O que vejo muito em minhas mentorandas é um excesso de comparação e um sofrimento causado pelo perfeccionismo. Elas chegam a perder a noção do que é sucesso para si, pois se comparam com o sucesso das outras, quando, na verdade, o sucesso vem muito da nossa história de vida. Hoje me considero uma pessoa de sucesso porque sei de onde venho.