Se as causas para as feridas emocionais e os corações partidos são muitas, Bruna Lombardi está convicta de que o remédio que cura todo esse infortúnio é um só: o amor, nas suas diversas formas. Amor consigo e com cada fase da vida, para com o planeta e os outros, até o amor da vitalidade do sexo.
A convicção resultou no livro Manual Para Corações Machucados, o sexto volume que produz em parceria com a Editora Sextante. Segundo a autora, a coletânea de 88 crônicas oferece um repertório que pode ajudar as pessoas a se “compreenderem melhor” no seu dia a dia. Alguns dos textos já foram publicados no jornal Zero Hora, outros são inéditos.
— A cura vem de você mexer livremente com as suas emoções, passar a vida a limpo. É como arrumar um quarto desarrumado, que estava lá esquecido. No fundo esse quarto é você mesma. Essa busca é feita aos poucos, na medida do que é possível, mas é preciso fazê-la porque não se pode viver inconsciente daquilo que se passa com você emocionalmente — confia Bruna.
Com 72 anos, a atriz fez questão de passar por Porto Alegre para o lançamento do livro, no final de novembro, porque a cidade tem um lugar especial no seu coração, já que foi um dos primeiros lugares a dar boas-vindas à sua versão escritora, ainda nos anos 1970.
Porto Alegre é um lugar que mora no meu coração e onde coisas muito importantes aconteceram para mim
BRUNA LOMBARDI
Bruna veio à Feira do Livro de Porto Alegre de 1976 para lançar o primeiro livro, No Ritmo Dessa Festa, sem imaginar que ali faria amizade com ninguém menos que Mario Quintana, de quem era fã. O poeta, relembra Bruna, foi uma das pessoas que fizeram fila pelos autógrafos daquela escritora debutante. Foi o começo de uma relação duradoura com o município e as terras gaúchas:
— Fiz campanhas e arrecadações na enchente, todo santo dia eu postava sobre o Rio Grande do Sul, para mim era uma causa pessoal porque tenho uma forte ligação com o lugar. Minha vida de escritora praticamente começou em Porto Alegre, onde conheci grandes escritores e fiquei amiga não só do Mario Quintana, mas de Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles. Naquele instante a cidade me abriu os braços de tal maneira que serei grata para sempre. É um lugar que mora no meu coração e onde coisas muito importantes aconteceram para mim — relembra a carioca.
Flanar Por Aí, uma das crônicas incluídas no novo livro, se dedica justamente a defender o tempo livre para passear por lugares como a orla do Guaíba, mas com um olhar observador, que permite o encantamento mesmo ao caminhar por ruas e esquinas já conhecidas.
A multiplicidade de talentos da carioca, que também é ativista ambiental, empreendedora e roteirista, se reflete nos assuntos que compartilha com os leitores nesta entrevista para Donna.
Bruna fala de espiritualidade como ferramenta para envelhecer bem e incentiva as pessoas a fazerem um mergulho interior, acolhendo bem a si mesmos – especialmente as mulheres, sempre tão condicionadas a cuidar dos outros que acabam ficando como “as últimas da fila a se cuidarem”, diz ela.
A artista também compartilha algumas descobertas da maturidade e descreve como o humor e a vulnerabilidade são essenciais para construir relacionamentos fortes.
Entrevista com Bruna Lombardi
Qual é o remédio para as feridas emocionais?
Todas essas sensações que temos de coração machucado não vêm só de relacionamentos amorosos, elas podem estar ligadas a outras coisas — amizade, decepção, bullying, sensação de não-pertencimento, frustração — e nos fazer mal da mesma forma.
Um dos caminhos para lidar com as sensações que carregamos é se conscientizar, trabalhar na compreensão do que te causa dor, do motivo pelo qual você está sentindo aquilo e porquê esse sentimento doloroso está se prolongando.
Temos machucados desde sempre, inclusive da infância, não é?
Muitos dos traumas vêm quando somos crianças, pois é o momento que não sabemos nos defender e isso fica guardado como machucados que não são medicados. O problema é que, às vezes, a pessoa fica com essa inconsciência quando cresce e não tem tempo para perceber em meio às tarefas da vida e cobranças da sociedade.
A mulher tem a tendência de achar que tem o dever de cuidar de todo mundo e é sempre a última da fila na hora de se cuidar. Isso foi naturalizado. É como se nós tivéssemos uma superforça – e temos em muitos aspectos – só que por trás disso existe uma mulher enfraquecida, precisando de colo.
Qual o caminho para se recuperar dessas dores?
Fazer as coisas que você gosta. Depois, é hora de descobrir o que há por trás das suas sensações, “fazer um mergulho em você”, e cada um tem a sua busca. Então, você pode ir atrás de aconselhamento, terapia, dança, pinturas, o que quiser, não há uma regra, mas viver essa busca é uma grande ajuda.
Embora haja momentos em que esse mergulho será dolorido, vai doer menos do que já dói diariamente na inconsciência. É como viver com uma dor de cabeça e não saber o motivo: você tem que encontrar a causa da dor, não só tomar o remédio.
Em todo momento há uma riqueza de acontecimentos que não podemos deixar de perceber. O sol se põe lindamente todos os dias. Você repara nisso?
BRUNA LOMBARDI
O que faz você sentir que, neste momento de vida, está apta a criar um manual?
Sempre tive essa busca que me proponho, desde menina. É por isso que escrevo, inclusive, a Bruna escritora veio antes da atriz, e escrever me ajudou a pensar e a compartilhar, antes mesmo de existirem as redes sociais. Hoje me considero uma pessoa mais abrangente.
Você fala, no texto de abertura, que o humor é fundamental para ter cumplicidade com a pessoa amada. De onde parte essa crença?
O humor é uma liberdade muito grande dentro de nós. Quando a gente se permite rir, é um momento relaxado, sem defesas. Uma grande relação é aquela que tem tamanha cumplicidade e confiança, que você não precisa de armaduras.
Defesa é algo que você tem em um começo de namoro, na vida social, no trabalho. Mas quando você tem a cumplicidade do amor, ela te permite baixar a guarda, e o humor é uma grande chave nessa confiança, porque é onde vocês se entendem melhor.
Quando a pessoa tem o mesmo senso de humor que o seu, pode crer que vocês estão vendo a vida de forma parecida. Realmente é vital poder rir junto, seja com um companheiro, parceiro, uma amiga. Rir juntos é um sinal de ligação muito grande.
Uma das suas crônicas se chama Você Quer Ser Meu Namorado?. Qual é a importância do namoro na relação?
Por causa de uma sociedade complicada, que não valoriza a mulher da mesma forma que o homem, o papel social de uma relação, muitas vezes, é fazer a mulher se sentir segura, dizendo "vamos casar". Mas isso vem com um monte de tarefas juntos, pois você começa a ter que cuidar da casa, família e por aí vai.
O que havia no namoro eram duas pessoas apaixonadas, que juntas eram contra tudo e todos, e é essa sensação que não se pode perder, mesmo numa eventual troca de título. Não é porque estão casados que essa sensação de querer bem, de querer estar junto, de rir junto, passou. Dizer que "já se foi o tempo" é uma falácia, você não precisa aceitar isso.
Faz mais de 40 anos que você e o diretor Carlos Alberto Riccelli são casados. O que você aprendeu sobre amor nessa relação?
Aprendo todos os dias, não é uma coisa fechada. As pessoas são mutáveis e, para acompanhar esse movimento a dois, é preciso saber entender o ritmo, a proposta, manter uma chama acesa dentro de você mesmo, não só na relação.
É ter entusiasmo pela vida, prazer de andar, olhar as coisas como se fosse a primeira vez, e não naquela batida de piloto automático do dia a dia. O tempo é a coisa mais preciosa que a gente tem e, no entanto, você passa boa parte dele no automático.
Você também se dedica a falar da amplitude da sensualidade, que vai para além do sexo. Pode explicar essa noção?
A bagagem das dores você traz consigo sem perceber, mas a da paixão, do tesão, da sensualidade, da vontade de viver, da emoção com a vida, essa você tem que trazer conscientemente, porque não vem sozinha. Deixamos muitas coisas pelo caminho, mas à medida que você avança por esse trajeto, tem que rever o que é essencial para você, e essa escolha é sempre sua.
São escolhas individuais, e se você estiver numa relação é importante que essas escolhas combinem, porque esse é o momento que as pessoas se afastam. E isso só se faz com muito diálogo com você mesma e com a pessoa que está com você.
Em algumas ocasiões você mencionou que o encontro com seu companheiro, no Xingu, durante a gravação da novela Aritana (1978), foi algo quase mágico. Acredita na ideia de que a vida tem coisas "guardadas para nós”?
A vida tem essa magia todos os dias, e nós é que paramos de prestar atenção porque as tarefas acabam fazendo a gente olhar só para um lado e esquecer do outro. Não podemos viver sem esse encantamento, porque isso também machuca. O sol se põe lindamente todos os dias. Você repara nisso? Em todo momento há uma riqueza de acontecimentos que não podemos deixar de perceber.
Você parece uma pessoa muito espiritualizada. É verdade?
Respeito todas as religiões, crenças e tudo o que move as pessoas num sentido espiritual. Não sigo uma específica, mas tenho uma enorme religiosidade dentro de mim, e a diferença entre uma e outra, é que a religiosidade está em todo lugar, na natureza, no céu, em tudo o que você olha, e a religião é uma organização de ideias criadas pelos homens e que já está pronta, a pessoa pode recorrer àquilo sem estruturar algo. Serve como refúgio, um lugar para colocar sua fé, mas sem esquecer que esse pensamento é muito mais abrangente.
De que forma cultivar essa espiritualidade pode ajudar a envelhecer melhor?
A religiosidade faz você amar a vida e a si mesmo de forma absoluta. Se você ama a vida, vai amar cada etapa dela e não terá uma fase que você rejeita. Poderá ter momentos que não são bons, de dor e sofrimento, isso é inevitável, mas não por um período inteiro da sua vida.