
O historiador britânico Laurence Rees, no livro Hitler e Stalin, mostra com fatos, documentos e relatos o horror criado por esses dois personagens diabólicos à frente do nazismo e do comunismo no período da Segunda Guerra Mundial. Antagônicos, viviam em dois projetos extremos, mas que eram ligados por um objetivo comum, de acabar com as liberdades individuais.
Vira e mexe a palavra comunista aparece hoje em dia. Isso acontece quando é conveniente para um debate. Sempre que é preciso ter um inimigo a ser combatido, o mal a ser evitado. Nem o Papa Franciso escapou do xingamento doentio ao longo dos últimos anos.
A teóloga Maria Cristina Padilha refletia nesta semana, na Gaúcha, sobre esse rótulo equivocado que muitos deram ao Papa. O que ela disse foi que Francisco ajudou a retomar o que chama de igreja primitiva, a igreja pensada por Jesus, há mais de dois mil anos, e não a construída e modificada pelos homens ao longo do tempo. Isso não é ser comunista e, sim, seguir o Evangelho de Cristo.
O fantasma da camisa vermelha, no entanto, segue assombrando quem insiste em chamar de comunista quem discorda de sua opinião mais conservadora. A história mostra que esse inimigo imaginário só existe no discurso inflamado de quem quer encobrir alguma inconsistência no que defende ou ganhar apoio de um grupo que tem horror do comunismo. De fato, precisamos ter horror dos regimes que mataram milhares, viveram sob os desmandos de malucos e que criaram capítulos tristes da humanidade, mas o que digo aqui é que o comunismo não vai tomar conta do Brasil e do mundo.
Historicamente, o comunismo como regime político ruiu há décadas, com o colapso da União Soviética, em 1991. A derrubada do Muro de Berlim e a derrocada da URSS permitiram que personagens contassem a Laurence Rees muitos dos depoimentos que ele utiliza em seus livros, porque devolveu a liberdade às pessoas que viveram aquele tempo.
O Evangelho fala dos pobres, não dos mercados financeiros
Ainda há quem tente usar o comunismo como uma tática de medo, como se estivéssemos à beira de um levante popular marxista, o que não é verdade. É uma distorção que serve para silenciar vozes que apenas pedem justiça social, combate à pobreza e dignidade humana. A crítica ao sistema vigente não é automaticamente comunismo, é apenas crítica e, muitas vezes, necessária.
O que o Papa fez, com coragem, foi ecoar os valores centrais do cristianismo. Solidariedade, compaixão, atenção aos pobres e marginalizados. Não há nada de comunista em chamar atenção para o sofrimento humano causado por desigualdades obscenas. O Evangelho fala dos pobres, não dos mercados financeiros. A ideologia, no entanto, faz com que as interpretações tenham viés. A pobreza que enfrentamos não é só a miséria da falta de comida na mesa, mas também dos debates públicos.