Dia desses convidei uma amiga para irmos ao cinema no final da tarde e ela me respondeu:
- Está ficando louca, ver um filme em pleno dia da semana?
Ué, o que tem de errado nisso? Não sabia que existia dia certo para ir ao cinema. Para mim, todo dia é dia, basta ter um filme interessante em cartaz.
- Acontece, minha amiga, que você não é mãe - ela me disse.
Opa, como assim, não sou mãe? Sou sim e com muito orgulho! Ah, eu não tinha entendido direito. Aí, ela explicou:
- O que eu quero dizer é que você não tem mais filhos pequenos, que exigem muito tempo da gente. Além do papel de mãe propriamente dito, eu também sou a motorista, a que ajuda a fazer a lição da escola, a que supervisiona a higiene - primeiro, gastando tempo e saliva convencendo as crianças a entrarem no banho e, depois, quase aos berros, mandando desligarem o chuveiro -, a que cuida do que eles vão comer à noite para que se alimentem bem, a que obriga a escovar os dentes...
Ufa. Só de ouvir aquilo tudo já fiquei cansada. Lembro bem como era lá em casa. Igualzinho.
O pior é que a minha amiga, quando vai dormir, extenuada depois de um dia inteiro correndo pra lá e pra cá, dividindo-se entre os filhos, o trabalho, o mestrado e a casa, não consegue pegar no sono e descansar, porque se sente culpada. Vive achando que está falhando como mãe, esposa, profissional e dona de casa.
Ah, essa danada da culpa. Por que ela nos persegue?
Conversamos mais um pouco e nos despedimos. Tentei consolá-la, dizendo que tudo isso passa e que ela ainda vai sentir saudade desta correria um dia.
Eu sinto. Às vezes, nem sempre. Porque ter um tempo para mim e poder decidir como será o meu dia também é muito bom.
Ela me deu um sorriso amarelo, um abraço e se foi, apressada, porque, como sempre, já estava atrasada.
Sei que não adiantaria lhe dizer, naquele momento, para levar a vida com mais leveza. Isso só se aprende bem depois, com a tal "maturidade". Minha amiga, que mal completou 30 anos, ainda não sabe que a Mulher Maravilha não existe de verdade e que, por mais que a gente se esforce e se desgaste, as coisas nunca vão sair perfeitas.
Ela vai, sim, perder reunião na escola dos filhos de vez em quando porque ficou trabalhando até mais tarde, assim como vai, também, perder reunião importante no trabalho porque um dos filhos ficou doente bem naquele dia. Vai enfrentar crises conjugais mais ou menos sérias, até por falta de tempo (e muitas vezes de vontade) de namorar o companheiro depois de um dia estressante. Vai faltar tempo para visitar os pais e rever os amigos. A casa nem sempre vai estar arrumada e brilhando, nem as suas unhas e cabelos.
Todas essas coisas vão acontecer porque a vida é assim mesmo, e não vale a pena sofrer por isso, a ponto de perder o sono ou, pior ainda, a saúde. Cada coisa tem seu tempo. O dela é de aceleração total nesta fase da vida. Já o meu, de colocar o pé no freio, devagarinho, para apreciar melhor a paisagem ao meu redor...
Viviane Bevilacqua: Os tempos da vida
Viviane Bevilacqua
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