Como em uma lista de supermercados, o padrão estético que despontou nos últimos anos, surfando na onda das harmonizações faciais, tinha bem delimitados os ingredientes necessários para se preparar a receita da beleza. Era preciso ter lábios grossos e volumosos, mandíbula bem marcada, maçãs do rosto salientes, sobrancelhas arqueadas, queixo projetado e nariz fino. Quem não nascesse assim, precisava buscar meios de adquirir os "itens", sob pena de não ser considerado belo.
Entre celebridades e anônimos, foi grande o número de pessoas que recorreu a procedimentos estéticos que poderiam ajudar a atingir tal padrão. A harmonização facial virou febre, e imagens de "antes e depois", com rostos totalmente transformados pelo procedimento, passaram a ganhar destaque nas redes sociais.
O conceito consiste na combinação de técnicas variadas, a fim de se alcançar a "harmonia" do rosto. A premissa parecia boa, mas, em muitos casos, o resultado levou a uma aparência padronizada, como destaca a dermatologista Rochelle Durgante, da Clínica Dominique:
— Era como se existisse um molde, uma forma técnica, que muitos profissionais buscavam seguir. Havia um entendimento geral de que, para se ter um rosto bonito, determinados pontos precisavam ser preenchidos e salientados, pois isso é que faria a pessoa se tornar bela. Nunca repliquei esse padrão, porque, no fim das contas, ele deixava todos com o mesmo rosto.
O senso estético alavancado pela febre das harmonizações faciais saturou tanto, que hoje o que se vê é o movimento contrário: uma busca crescente pela naturalidade, inaugurando a era dos procedimentos indetectáveis.
A boa harmonização facial nunca foi aquela que padroniza os indivíduos, mas que corrige o que incomoda e valoriza o que cada um tem de belo.
ROCHELLE DURGANTE
Dermatologista
Se antes o padrão de beleza apontava para contornos demarcados e salientes, agora, conforme Rochelle, a premissa dos procedimentos estéticos é preservar as características individuais de cada um. Segundo a dermatologista, tem sido grande a procura por técnicas que, devido a sutileza, tornam-se imperceptíveis.
— A maior parte das pacientes não querem que percebam que foi feita alguma intervenção. Talvez ainda exista quem busque aquele padrão mais extravagante, mas a procura geral tem sido por procedimentos que trazem um resultado natural, que deixem a pessoa com cara de "nasci assim", sem aquela aparência que remete a uma harmonização facial — analisa a médica.
— O que mais tenho escutado é: "Doutora, eu gostaria de ficar somente com um ar mais descansado". É aquela cara de quem dorme bem à noite, come saudável, bebe bastante água e faz yoga pela manhã, sabe? (risos) — diverte-se.
Secretária científica da Sociedade Brasileira de Dermatologia Secção RS (SBD-RS), a dermatologista Cíntia Pessin diz que também cresceu a busca pela reversão de procedimentos que não correspondem ao ideal de naturalidade. Muitas pessoas que aderiram à harmonização facial padronizada agora procuram formas de voltar ao rosto natural, como salienta a médica.
— No caso de preenchimentos com ácido hialurônico, o resultado pode ser revertido por meio da aplicação da enzima hialuronidase, mas não é um processo tão simples assim. Justamente por isso, cada vez mais se limita o uso dos preenchedores a situações pontuais — explica Cíntia.
Incentivo à autoaceitação
A dermatologista Rochelle Durgante vê a mudança como uma questão cultural, alinhada a transformações que afetaram também o jeito de vestir, com a valorização do estilo minimalista, e outros aspectos que remetem à estética, tal qual a maquiagem.
Cíntia Pessin também cita o crescimento das discussões sobre a pressão estética e a força do movimento body positive, que incentiva a autoaceitação e o desenvolvimento de um olhar afetuoso em relação ao próprio corpo.
— Há um movimento coletivo de questionamento aos padrões de beleza inalcançáveis que atingem todas as mulheres. Viemos de um período que incitou a nossa insatisfação com a própria aparência, e agora vivemos um momento em que o que se busca é a autoaceitação — destaca a dermatologista, citando também a influência de mulheres tidas como "referência" de padrão estético:
— Tem impacto quando a gente vê a Paolla Oliveira, por exemplo, que é considerada um ícone de beleza, mostrando que também tem celulites, que também tem linhas de expressão, e se negando a esconder isso.
Contudo, para as profissionais, a autoaceitação não precisa ser inimiga dos procedimentos estéticos. A chave está no equilíbrio: ninguém deve ficar refém de nenhuma intervenção, mas também não precisa sentir-se mal por recorrer aos procedimentos.
Entre eles está a própria harmonização facial. A dermatologista Rochelle Durgante aponta que, em razão dos resultados padronizados que se popularizaram, o conceito acabou ficando envolto por um estigma. Porém, a premissa da busca pela harmonia do rosto pode (e deve) ser aliada da naturalidade.
— Quanto tu falas em harmonização facial ou até mesmo em usar algum preenchedor, as pessoas já se assustam, porque esse conceito ficou muito estigmatizado. Porém, a boa harmonização facial nunca foi aquela que padroniza os indivíduos, mas que corrige o que incomoda e valoriza o que cada um tem de belo, sem criar um novo CPF e sem transformar ninguém em outra pessoa — avalia Rochelle.
Aliados do resultado natural
A tendência entre os procedimentos estéticos indetectáveis são as tecnologias que permitem melhorar a qualidade da pele. São técnicas realizadas com o auxílio de equipamentos que emitem lasers, radiofrequências e outros estímulos capazes de atuar em aspectos como a textura e a elasticidade do rosto, melhorando a flacidez e diminuindo as linhas de expressão.
Viemos de um período que incitou a nossa insatisfação com a própria aparência, e agora vivemos um momento em que o que se busca é a autoaceitação.
CÍNTIA PESSIN
Dermatologista
Já o preenchimento com ácido hialurônico perdeu um pouco de espaço, embora não seja o vilão da história, como enfatiza a dermatologista. Segundo Rochelle, a substância ajuda a recompor o volume de estruturas da face que se desgastam com o avançar da idade e ainda não teve sua função substituída por nenhuma outra tecnologia, mostrando-se essencial para alguns casos.
A médica diz que a combinação de técnicas e procedimentos tem sido grande aliada de quem busca um resultado natural. A ideia é explorar ao máximo o que cada abordagem pode trazer de benefícios, em vez de apostar em uma única intervenção para resolver questões que são distintas — como aplicar preenchedores por todo o rosto sem a devida necessidade, por exemplo.
— É claro que isso torna a abordagem mais difícil — comenta Rochelle. — Aquele resultado padrão, que é como seguir uma receita de bolo, qualquer um consegue alcançar. Mas, para se obter um resultado natural e satisfatório, algo que respeite a anatomia, a individualidade estética e a realidade da vida de cada pessoa, precisa de muito mais planejamento e conhecimento.
Para a profissional, o segredo para conviver de forma saudável com os procedimentos estéticos, sem cair no exagero, está em entender que a beleza de cada um está acima de qualquer padrão.
— Assim como cuidamos da saúde do corpo, precisamos cuidar da saúde do nosso rosto, para que possamos envelhecer de uma forma que nos permita seguir confiantes. E esses cuidados podem ou não incluir procedimentos estéticos. Ninguém precisa ficar preso a isso, tampouco deixar de ser quem é.
Abaixo, conheça procedimentos faciais que estão em alta na busca por resultados naturais:
Radiofrequência monopolar
É uma das tecnologias mais recentes no meio estético brasileiro. O aparelho emite ondas de calor que conseguem atingir até 6mm de profundidade, chegando às camadas mais profundas da pele.
Também permite um controle maior da intensidade das ondas e da região a ser tratada, o que permite resultados satisfatórios no tratamento da flacidez e da gordura localizada.
Ultrassom microfocado
Trabalha a flacidez profunda da pele. Através de micropontos de coagulação que induzem um processo inflamatório do músculo à camada superficial, a tecnologia estimula a produção de colágeno e a reestruturação das fibras de sustentação.
Laser de CO2 fracionado
Através de feixes de luz, o laser penetra camadas superficiais e profundas da pele, provocando danos térmicos que estimulam a produção de colágeno e aceleram a renovação celular.
Bioestimulador de colágeno
Produto injetável que funciona como um catalisador da produção de colágeno. Em contato com o organismo, a substância aumenta a capacidade do corpo de produzir a proteína, que está associada à firmeza, elasticidade e resistência da pele.
Toxina botulínica
Um dos tratamentos mais conhecidos do meio estético, por vezes referida como botox, a toxina botulínica é uma substância capaz de relaxar e paralisar os músculos da região em que foi aplicada.
Com isso, consegue reduzir drasticamente as linhas de expressão, mas tem efeito temporário, de três a seis meses.
Ácido hialurônico
Assim como o colágeno, o ácido hialurônico é uma substância presente no corpo humano, mas usada também para procedimentos estéticos. Ele pode ser usado para hidratar a pele, suavizar linhas de expressão e volumizar áreas que perdem projeção com o passar do tempo.
Apesar de estar bastante associado a harmonizações mais acentuadas, o ácido também pode ser aliado de quem busca um resultado natural.